terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Um link epistemológico de Freud



"O 'animal homem' deve ser domesticado.”
(Hobbes, Thomass, cit. Bobbio, 2002:54)



O “fundador dos complexos” certamente encontrou no Leviathan a sua mais candente inspiração. Pista direta não se vislumbra, mas O mal-estar na civilização sustenta que “a sociedade teve de impor de fora regras destinadas a conter as ondas de excesso emocional que surgem demasiado livres de dentro”.
Nada de Novo no Front. Outra dupla adotara a mesma cantilena:
Considerado isoladamente, o indivíduo era meramente nocivo, governado por instintos bruscos, como dissera Rousseau, sem nenhuma noção mais alta que impulsos, apetites e inclinações, e sem regra de pensamento mais importante do que fantasias subjetivas. Os direitos e liberdades dos indivíduos seriam aqueles que correspondessem aos deveres impostos pela situação que desfrutava na sociedade. Hegel fundia a 'vontade geral' incoerentemente formulada por Rousseau.
(Rohden, H.:160)
História da loucura demonstra como a solidariedade ao duo embreta a prêsa:
“A definição e o tratamento da ‘demência’ constitui uma forma de contrôle social.”
Controle social era com Hobbes, e Marx, além de Rousseau e Comte, naturalmente. O bolchevismo e o nazifascismo sentiam-se à vontade para ostentar o galhardete:

Poucos e, para além de algumas variações, de pequena importância, os sistemas de explicação do mundo elaborados na segunda metade so século XIX, como o marxismo, o freudismo ou o funcionalismo, baseiam-se numa visão positivista, teleológica e material da evolução humana.
Hegel, como Descartes, havia declarado que a consciência do homem determinava seu ser. Para Marx, ela era efeito:
O último elemento presente no materialismo histórico é a afirmação de que o homem não é dotado de consciência autônoma e liberdade de escolha, já que 'não é a consciência que determina o ser, mas, ao contrário, o ser social que determina sua consciência'.
As oposições, esses dark-sides, apenas Descartes, Hegel, Freud, e especialmente Marx seriam capazes de discernir:
“O padrão final das relações econômicas como vistas na superfície é muito diferente, para não dizer o oposto, do seu padrão essencialmente interno e oculto”.
No caso mental, basta substituir a “oculta” causa econômica do “ser-social” marxista (pai), pela “causa-mãe”, de Freud. Ambas teorias e seus efeitos dialéticos primam pelo duelo no eixo correspondente, às vezes comum. O ex-deputado-psiquiatra Eduardo Mascarenhas, recentemente falecido, também elaborou a salada, acrescentando os temperos de Hobbes, Rousseau, Darwin e Marx:

Freud preferia uma resposta mais psicológica: a luta de classes, a exploração do homem pelo homem, a desigualdade de riquezas, prerrogativas e poderes são a expressão da vontade narcísica de poder, do deleite da dominação, do gozo da superioridade. A civilização seria um pacto social para minimizar a luta selvagem pela supremacia.
Bateson, na implícita alusão a Darwin e explícita ao professor judeu-tcheco-austríaco, não deixou por menos:

A lógica é um instrumento muito elegante e fizemos bom uso dela nesses dois mil anos. O problema é que quando a aplicamos aos caranguejos e às tartarugas, às borboletas e à formação do hábito. Bem, para todas essas coisas lindas a lógica simplesmente não serve.
Autômato não é gente, mas esta é a que menos interessa:
“Nos sistemas compactos da ordem totalitária, o homem, perante as esferas políticas, deixa de ser politicamente “sujeito” ou “pessoa”, para ser “objeto, que fica sendo, da organização social”
A pseudociência estende o manto à volúpia agregada:

Os domínios mais explorados serão aqueles em que os dados quantitativos ou quantificáveis são mais abundantes. Daí todos os estudos compreendidos em matéria de voto, de participação eleitoral e de opinião pública. Daí a amplidão das pesquisas sobre os partidos políticos, os grupos de interesse e os processos de tomadas de decisões (decision-marketing). Essa ‘tirania de instrumento’ explica, em boa parte, a ‘desigual penetração behaviorista’. Na ciência política a voga do behaviorismo alcança seu apogeu nos anos de 1950. Mas a idade de ouro behaviorista está prestes a encerrar-se.
Alberto Oliva enquadra, numa única frase, a teoria freudiana e a teoria marxista, ambas capengas por semelhantes defeitos:

Suas estruturas explicativas basilares se apoiariam dissimuladamente em estratagemas para debilitar a ação da crítica. A conseqüência disso seria a dogmatização de conteúdos interpretativos cuja encenação social levaria, em última análise, à oclusão política.
Walter Evangelista coloca a precisa questão:
“Marxismo e Psicanálise como ciências não seria o casamento da violência com o charlatanismo?”.
Soros também os qualifica:

É significativo que tanto Marx como Freud tenham sido altissonantes ao enfatizar o cunho cientìfico das suas teorias, baseando muitas das suas conclusões na autoridade emanante do ‘cientificismo’. Aceito esse ponto, a própria expressão “ciências sociais” se torna suspeita. Ela é em geral uma frase mágica, empregada pelos alquimistas sociais no esforço de impor sua vontade ao objeto, por encantamento.
A Paul Ricoer e também para Jürgen Habermas, a psicanálise não pode ser considerada ciência, mas “uma atividade hermenêutica (interpretativa), caso no qual deveria ser julgada somente em bases intuitivas e empáticas, não empíricas.”
Danah Zohar observa:
“Nossa atual psicologia da pessoa, tanto como compreendida pelas pessoas comuns como pelos acadêmicos, advogados e juízes é uma curiosa mistura de idéias deterministas tiradas diretamente da ciência em si ou de um bolo mal digerido dos usos em que Marx e Freud quiseram colocar a ciência.”
No que tange a Marx, sua base foi por água abaixo, implodida, tragada no curso dos fatos:

Assim sendo, contrariamente as previsões implícitas nas teorias da mais-valia e da exploração do homem pelo homem, considerado o sistema econômico como um todo, ao maior ganho do patrão não corresponderá o menor ganho do empregado, corresponderá ao maior. E ao maior ganho do empregado não corresponderá o menor e sim o maior ganho do patrão. Tudo ao contrário do que afirmara Marx.
O conceituado filósofo contemporâneo Gilles Deleuze e o psicanalista Felix Guattari sintetizaram os ataques a Marx e Freud em Anti-Édipo, “no qual realizam uma crítica do conceito freudiano e lacaniano de inconsciente a partir da categoria marxista de “produção”."
Descamps conheceu a consistente obra:
O anti-Édipo pode ser lido como um paralelo entre as vontades singulares e as máquinas sociais que cortam, recortam e segmentam. Porém este livro é, além disso, um ataque frontal às casualidades redutoras que confinam o desejo em um triângulo (pai, mãe, castração) ou, em última instância, na economia.
E complementa:
"Não existe um 'bom' desejo e seu contrário. O desejo está em toda a parte, inscrito nas atividades livres ou opressivas.’”
Mascarenhas elenca os apropriados denominadores:

Tanto o psicanalista quanto o economista proclamam o poder de influência desse inconsciente coletivo composto de mitos, lendas, crenças, ideologias, valores e ideais - o imaginário social - sobre as subjetividades individuais. Ou seja, ambos, psicanalista e economista, sublinham a importância dos investimentos efetuados por cada uma destas subjetividades nas suas circunstâncias. Entre o psicanalista e economista existe uma poderosa convergência: ambos estudam as reações e as expectativas das pessoas (agentes econômicos) quando imersa no espaço social. Até porque desse formigueiro intersubjetivo ninguém escapa.
Entre o psicanalista freudiano, o filósofo marxista e o economista keynesiano existe um primordial fator comum: dada à volúpia de poder, todos superestimam seus intrumentos, e subestimam a capacidade do paciente, tomando-o por tôlo.
Aprecie:
O preço pago por Einstein

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