quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Descartes no rumo de Marte

TORNADO em Regras para Direção do Espírito*,lá se foi o tremà direção riscada. A má tese, ou a má temática ,a "quantofrenia",conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como aduz Georgescu-Roegens, coroou o homo faber tal homo mathematicus. O universo-máquina, que ainda tinha alma, passou a ser‘um vasto sistema matemático de matéria em movimento’,um ‘universo material (onde) tudo funciona mecanicamente,segundo as leis matemáticas.’
PARA DESCARTES (Les principes de la philosofie) não apenas os vegetais e os animais, mas também o próprio corpo humano eram máquinas; tampouco neste particular soube ser original: em 1543, André Vesálio, (1514-1564) já havia dado a conhecer De humani corporis fabrica. A analogia com a mecânica animal tinha por efeito reduzir o maravilhoso, negar a espontaneidade do existente e garantir a ambição de uma dominação racional no curso da vida humana. A simploriedade mental decretava:
"Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os galhos que saem desses troncos são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais – a medicina, a mecânica, e a moral."
Não consta que o raso mosqueteiro do cardeal Richelieu tenha se preocupado com humanidades; mas, no tratado O Homem, ele oferece a “medicina” cirurgiã: retíficas. Estávamos, pois, diante de um ser dotado de sistema hidráulico operado por condutos dialéticos, de cima e de baixo, da esquerda e da direita, de contração e dilatação. O trânsito é movido pelo motor denominado coração, promotor da pressão, da velocidade de circulação:

Assim como podeis ter visto nas grutas e nas fontes que estão nos jardins dos nossos reis, é a simples força pela qual a água se move ao sair da nascente que move diversas máquinas e até toca alguns instrumentos, ou pronuncia algumas palavras, consoante a diversa disposição dos tubos que a conduzem. E deveras se podem perfeitamente comparar os nervos da máquina que vos descrevo aos tubos das máquinas destas fontes; os seus músculos e os seus tendões, aos outros diversos engenhos e molas que servem para as mover; os seus espíritos animais, a água que as movimenta, de que o coração é a nascente e as concavidades do cérebro são as aberturas.
Não é admirável tanta imaginação?Felizmente podemos divisar. Estamos mais aliviados. É bem verdade que nosso corpo tem comportamento caótico em vários níveis - átomos rodopiantes de oxigênio penetram na corrente sangüínea a cada respiração; numerosas enzimas e proteínas enchem cada célula; e até a descarga de neurônios no cérebro é uma incessante tempestade elétrica. O caos é apenas uma das fases da ordem, quiçá a primeira, mas face verossímel. Nossa atividade cerebral resulta em pensamentos coerentes, ainda que eventualmente movida por inoculadas dialéticas.
Os cartesianos De la Mettrie, Hegel, Marx, Freud e muitos clones malcopiados abordam a ciência por ângulos de aproximação e desenvolvimento invertidos. Quanto mais acreditam em suas verdades, mais longe delas ficam. Vão para Marte, por não amar-te, acompanhados de milhares que ainda embarcam, por ingenuidade, imitação, interesse, justificativa, desespero ou comodidade, nessa nave onírica de perfídia sideral.
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*Regulae ad directionem ingenii. Obra incompleta, escrita provavelmente antes de 1628, impressa apenas em 1701.




Um comentário:

  1. Visitando seu blog, notei tratar-se de um pensador blogueiro. É bom encontrarmos em nosso mundo blogueiro um filosofo com especialização em "Descartes", voltarei( se permitires) com certeza. abçs

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