segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Em busca da cientificidade religiosa

A ciência sem a religião é manca;
e a religião sem a ciência é cega.
EINSTEIN, Albert
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Pego uma carona, e especulo:

Matéria sem espírito não tem sentido; e espírito sem matéria não é sentido.
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Sempre houve curiosidade sobre o que nos cerca. Alguns supõem um Invisível por trás de tudo, e vasculham a imensidão na procura da Causa. Para outros a faina é infrutífera, desnecessária. O que importa é usufruir dos efeitos. A esmagadora maioria, pressupõe que durante a vida dificilmente encontraremos as respostas, mas concorda: pelo conhecimento científico ela pode tornar menos sacrificosa a estada, ainda que não poucas vezes esses próprios conhecimentos tenham nos levado ao descalabro. .
Grosso modo, a humanidade dessa maneira se divide: .de um lado, os espiritualistas de toda a espécie - filósofos, alquimistas, magos e pastores, padres e os iogues, ideológicos e sonhadores, poetas, românticos, muitos humanistas, também muitos ingênuos e não poucas vítimas; do outro, perfilam-se pragmáticos, os especialistas, profissionais, materialistas, cientistas, técnicos, atletas, políticos, generais, muitos alienados, e não poucas vítimas também. Ambas correntes almejam encontrar o manancial; porém cada qual sai para um lado praticamente antagônico. Restam muitos vitoriosos, por todos os lados; e mesmo número de derrotados, alhures. Como a Terra é redonda, ainda que cada um saia para um lado, fatalmente os dois grupos volta-e-meia, ou melhor, a cada volta se cruzam. Nada melhor do que o Dia de Iemanjá e da Nossa Senhora dos Navegantes para promover o reencontro desses circunavegadores, concorda?
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O homem busca incessantemente a compreensão religiosa. Religião quer significar o ato de o homem tentar uma religação com a Divindade Criadora. Uma vez expulso do Paraíso, segundo a tradição ocidental, ou por causa da alienação diversionista, no espírito orientalizado, o homem tem consagrado e até condicionado sua existência em prol da procura desse abstrato, o mais importante elixir, extrato estratosférico eternamente invocado, dificilmente alcançado, mas não seus efeitos. A razão primordial de tantas peregrinações infrutíferas não será por causa da presunção estratégica, metodológica, objetivante?
Naquela antigüidade havia povos que acreditavam no Uno, não a lata ambulante, óbvio, mas a Centelha Piloto que acenderia tudo o mais, conservando tudo sob seu calor. A maioria dos povos, contudo, viu nisso uma possibilidade admitida só pela falta de discernimento. Quem não poderia enxergar a distinção entre os quatro elementos - terra, água, fogo e ar? De que modo se pode confundi-los, tanto que, se estreitados, levam a extinção de um ou de outro?
E pelas manifestações, lá se foi o homem a querer identificar as diferentes fontes. Tinha Deus para tudo, e ainda maior quantidade de santos. Da água, do mar, do fogo, da bebida, do trovão, da epidemia, da orgia, do trabalho, da guerra, do consolo. Também do amor. Curiosamente este era o menor; mas era armado. O do mal tomava uma coloração mais vibrante. Cada situação exigia o autor especialista, e isto era por demais óbvio para ser negado, só experimentado; e, geralmente, correspondia, assim fortalecendo o fervor por retroalimentação.
Nas ciências não seria diferente. Nossos antepassados nos legaram vários tipos. Tem deuses em todos os campos. Iniciaram-se pela especulação, mas o cálculo lhes empresta razão:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
SCHWARTZ: 18
Assim vão se especializando, e cada qual pode criar seu elemento. Hoje temos uma produção em massa, graças ao pujante e diversificado parque.
Apesar de tudo, por milênio e meio a unidade básica ainda manteve a harmonia social, repleta de querubins e serafins, mas quando a presunção geocêntrica foi cabalmente descartada, por um lapso o mundo ficou meio à deriva. Não era o Céu que rodeava, que nos vigiava. Com a necessidade de novo arranjo, os polos se reaproximaram. Ambos encontraram a solução para atender o mútuo interesse, sem prejuízo de ninguém, ao contrário: do episódio saíram revigorados, mais atuantes do que nunca:
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa
luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo?Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo,outros o Espírito, outros ainda o seu reitor. (CHÂTELET,: 49)
Só um burro não iria conceber que Deus, por não ser egoísta, fez o mundo pensando na gente. Ele colocara o Sol no centro para iluminar nossos passos, e só depois sentenciou: crescei e multiplicai-vos, e submeteis a Terra! Se nós não soubéssemos como isso fazer, e rumássemos ao descalabro, a culpa não era Dêle. A pista estava plenada. Ao desenvolver a matemática alguém fatalmente descobriria os segredos do Grande Arquiteto. Enquanto isso, o negócio era assumir o que nos fora tão gentilmente ofertado.
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Os orientais são os que mais se aproximam das possibilidades, em vista da disciplina filosófica, e da persistência depurativa. Os amarelos desenvolveram a postura, de modo que o ser é mais livremente induzido a navegar na caça do ideal. A corrente asiática, todavia, é de difícil identificação, às vezes de maneira fugaz, logrado zen, de modo que cada vez mais se aprimoram as técnicas; portanto, demonstram que a faina permanece fora do alcance.
De todo modo, a milenar civilização chinesa, e todos mais não se preocupavam com o intento. Bastava-lhes apreciar a natureza, conquanto dela retirasse o seu sustento.
Paulatinamente, todavia, nossa parca condição foi sendo elevada ao patamar superior, de modo que o simples prazer de viver passou para uma relação de poder. Invasões e chacinas se fizeram decorrências.
O homem se voltou à ascendência divina; porém nada havia de resposta. As tragédias se precipitavam ao arrepio do Grande Arquiteto. Onde Ele estaria metido? Onde ficava Sua morada?
Platão veio com a resposta. Contínhamos a divindade, sim, mas ela era solapada por nossas prementes necessidades. Haveria a alma; porém, ela era apenas componente de um corpo frágil e limitado no EspaçoTempo, cuja existência exigia alimento, e descanso, teto e razão. Poderíamos continuar filosofando; mas a ciência se fazia mister:
Ciência é uma maneira específica de se aproximar a 'realidade' e de adquirir conhecimento sobre ela. De acordo com o princípio de divisão de trabalho, ciências diferentes têm seus enfoques particulares, ou seja, elas são especializadas em investigar certos segmentos da 'realidade'.
USARKI, Dr. Frank, www.espacoacademico.com.br
Não são poucos os mestres que tentam nortear os obscuros caminhos.
Os "pastores" do ocidente demonstram a simplicidade, a obviedade, mas, gozado, quanto mais tentam as simplificações, sejam com exemplos ou metáforas, mais desanimam o carente. Mentes populares, e até bem iniciadas, consideram Deus um imperador, o Super-homem dono do céu:
"Existe algo transcendental, algo extra-empírico, algo maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que nos é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano." (Idem)
Eles falam em Pai Nosso, de modo que automaticamente nos colocam como filhos; portanto, diferentes. Eles falam no Celeste, e dessa maneira nos induzem a supor inalcançável, exceto na morte. Ao Lhe taxarem Superior, nos colocam na posição de inferioridade. Ao mostrá-Lo Senhor, só nos resta a escravidão. Se necessitamos aquele Vosso Reino, por certo não passamos de meros súditos. Pedido de misericórdia? Não é mais apropriado a réu do que a comum vivente? E caso o desejo se restrinja "agora, e na hora de nossa morte amém", não persiste a confissão da incredulidade na eternidade? Seriam estes os motivos pelos quais a humanidade é sedenta da religião? Estaria ela embarcada em tão estéril quanto ineficaz motivação? Porventura, ou melhor, por desventura o receio do Juízo Final já seria o bastante? Neste caso o livre-arbítrio não seria uma armadilha para a prisão de mais um? Poderíamos ser criados para servi-Lo?
Não. Se Deus é considerado perfeito, não há nenhuma razão para Ele algo desejar; muito menos servos, ou adorações. Tampouco ele serve de guardião, sempre pronto a interferir em favor de seu eleitorado.
Esta relação não foi proposta no objetivo de religar, posto que de fato é impossível estarmos desligados: fazemos parte do Universo, queiramos ou não. No entanto, a humanidade, mercê da chicana cisória, ansia, em primeiro plano, sua reaglutinação. Para tanto, dizem aqueles mentores, é mister abandonar a miserável condição corpórea, mundana, a fim de que a alma possa readquirir a supremacia, e, como tal, ser a emissária da ansiada religação.
Se pensarmos o Universo, o EspaçoTempo como um estupendo oceano, fica trivial perceber que não precisamos sair do lugar, sequer a mente, ou a alma, para com ele interagir.
O que governa a dinâmica da natureza, inclusive em seu aspecto mais material, na física, não é uma ordem rígida, predeterminada. Nem tampouco uma dialética entre contrários em luta, que leve a síntese, até que se produza uma nova antítese, como na visão dialética marxista rechaçada também pela genética, segundo diz MONOD. É precisamente uma interação - que já existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou LOUIS DE BROGLIE, síntese genial que tornou possível, como diz RUEFF, uma filosofia quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão também a todas as ciências humanas.
GOYTISOLO, Juan Vallet,
Interações
"Sabemos que o universo manifestado, que parece ser formado por objetos sólidos, é na verdade composto por vibrações, com os diferentes objetos vibrando em frequências distintas." (CHOPRA, DEEPAK, A realização espontânea do desejo: 124)
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Por estar em todos os lugares, portanto difuso, Deus não é capaz de concentrar as atenções. Santa Maria, seu filho Jesus, e todos os santos são localizados. Portanto, podem catalizar as aspirações e os desejos da humanidade. Essas imagens, por catalizarem as atenções, dispõem de capacidade energética suficiente para virar qualquer jogo. É o que investigaremos no próximo approuch desta microtrilogia.

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