segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Chávez-de-braço na América do Sul


O Príncipe lesará somente aqueles dos quais tomará
as terras e as casas para dá-las aos novos habitantes;
e aqueles, os lesados, que representam uma ínfima
parte de seu Estado, achando-se dispersos e desvalidos,
jamais contra ele poderão conspirar.
Machiavelli, Nicoló, De principatu civile: 59.
O socio logo ex-presidente do Brasil,
o bem-amado professor Cardoso deu o passe inicial,
mostrou com facilidade o caminho aos índios,
e desde então as constituições latinoamericanas
vem sendo alteradas pelas cúpulas dirigentes,
no sentido de legitimar as ditaduras mais ou menos
disfarçadas, mais ou menos explícitas em todos os países.
.
Desta feita foi a vez do elevado espírito do Coronel Chávez promover sua eternidade à testa da combalida economia venezuelana, arruinada desde a ascenção golpista e corruptora do elemento, indivíduo que mercê de repartir a muamba, logra angariar um séquito armado apto a embretar a Nação:
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, conseguiu uma vitória importante para seu governo no referendo deste domingo (15) ao obter o direito à reeleição ilimitada no país. Presidente há dez anos, Chávez deve voltar a concorrer em 2012, ao término de seu atual mandato.
A Venezuela, em que pese a exuberante localização, e seu belo povo, nunca foi além do diminutivo que lhe consagra. No fim do XIX a plêiade militar colheu a onda que assolava toda a América do Sul, fato que liquidou o regime federativo. Desde então houve o recrudescimento ditatorial, mas de modo mais drástico quando o mundo começou a valorizar o petróleo. Apenas na chegada dos anos sessenta aquele povo pode experimentar um regime civilizado, ainda assim por escasso período, como podemos constatar.
Desde 1999 país mantém uma democracia para inglês ver. A caricatura é facilmente corrompível, mercê de um cast legislativo com dez dúzias de atores, em regime unicameral. São estes que designam o corpo do Poder Judiciário, de modo que os juízes devem fidelidade aos padrinhos. O inglês vê, se apavora, denuncia, e por isso é expulso.
O relatório da Human Rights Watch (HRW), divulgado em 18/9/2008 apresenta um balanço dos 10 anos de gestão de Hugo Chávez. Ele afirma que o governo 'debilitou as instituições democráticas e as garantias de direitos humanos' neste período. Existe uma ausência de controle judicial, o que tem sido aproveitado por Chávez para aplicar políticas discriminatórias que limitam o exercício da liberdade de expressão dos jornalistas, da liberdade sindical dos trabalhadores e da capacidade da sociedade civil de promover os direitos humanos', disse José Miguel Vivanco, diretor da HRW, durante a apresentação do informe.
O Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolas Maduro por safadeza ou imaturidade, ou ambos, entendeu que essas notícias violam a Constituição do país, não os fatos, e expulsou o emissário para junto do embaixador americano, também recentemente banido. O jardim prefere homenagear outro tipo de gente:
Uma praça de Caracas foi reservada em homenagem a Manuel Marulanda, líder e fundador das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) morto há seis meses. Um busto de guerrilheiro, obra de um artista dominicano, ornamenta a praça que foi construída em apenas duas semanas, localizados no bairro periférico 23 de Enero, bastião histórico da esquerda venezuelana e, há dez anos, do governo liderado pelo presidente Hugo Chávez.
(BBC/Br, 26/8/2008)
Por certo naquele país de semíndios não tem mais ninguém apto ao governo. Se não fosse Chávez os imperialistas americanos invadiriam o rincão, estripariam e submeteriam as mulheres à curras, sequestrariam crianças, e colocariam fogo em todas as residências.
Chávez promete emprego a todos, como todos os companheiros presidentes latinos, mas a economia é lastreada apenas no extrativismo, como sói acontecer neste nosso continente de ilusão:
Entusiasmado com as descobertas de jazidas de petróleo nas camadas pré-sal, Lula pretende usar a monumental estrutura da P-53 para lançar as bases de um projeto de poder. Lula, que desembarcou à 0h25min desta madrugada em Pelotas, ambiciona um governo que perdure além de seus dois mandatos. O combustível dessa hegemonia, raciocina o presidente, será o ouro negro que irá jorrar do fundo mar.
Zero Hora, 18/9/2003
Vejamos algumas comparações.
Acabamos por nos tornar um laboratório de ilusões falidas. Nossa maior virtude é a criatividade; no entanto, não temos feito muito mais do que viver doutrinas requentadas e guerras alheias, herdeiros de um Cristóvão Colombo desventurado, que nos encontrou casualmente quando estava à procura das Índias.
Gabriel Garcia Marques
O competente Professor Wanderley Gulherme dos Santos (Não ao fracasso, in Veja 25 anos - Reflexoes para o futuro) estabelecia sua ansiedade:
Hoje o país vive dificuldades de outra sorte. Com um presidente constitucionalmente legítimo e politicamente trõpego, o acelerado crescimento do hiato entre ricos e pobres (sem mencionar miseráveis e desempregados) e a exacerbação do corporativismo como forma privilegiada de associar participação e distribuição. Naturalmente espera-se que o Brasil e a América Latina consigam associar progresso e liberdade, recuperando, sem traumas, parte do atraso civilizatório em que se encontram. Mas é de toda conveniência examinar prognósticos que, pelo contrário, antecipam para a região uma permanente subalternidade, numa civilização de segunda classe.
Os prognósticos, infelizmente, são calcados em dados concretos, em fatos reais oriundos de teorias e estratégias igualmente de segunda classe, e vem facilmente se confirmando:
"Articula-se no Senado CPI sobre superfaturamento das obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, estrela da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, onde, aliás, está metido o semi-ditador Hugo Chávez." (www.claudiohumberto.com.br, 3/4/2009)
Pois Lawrence Harrison, do Massachuchetts Institute of Tecnology e Stephen Haber da Universidade de Stanford (The Pan-American Dream, cit. Toledo, José Roberto, O Pesadelo Americano, Folha de São Paulo, 10 de agosto de 1997) justamente recomendam que se busquem os motivos do atraso sócio-econômico de nosso continente nos próprios países e não fora deles. Ambos também concluem que a tradição ibero-católica é particularmente inclinada ao autoritarismo, à injustiça e contrária ao livre mercado:
Há diferenças óbvias entre os países latino-americanos, mas as semelhanças são marcantes, por exemplo, com respeito as tradições de autoritarismo e envolvimento militar na política, de injustiça social e de sistemas econômicos 'mercantilistas' ou 'corporativistas' que tanto contribuíram para essa injustiça. No estadismo ibérico o cidadão acredita que o Estado - e não ele mesmo - deve resolver os problemas de sua vida. O simples complemento desta representação consiste em pensar que também o Estado (nacional ou outro) - e não o próprio cidadão - é responsável pelos malogros.
O prof. Seymor Lipset (O Homem Político, p. 84) oferece equivalente parecer:
“A estrutura social e econômica que a América Latina herdou da Península Ibérica impediu-a de seguir o exemplo das antigas colônias inglêsas e suas repúblicas nunca desenvolveram os símbolos e a aura de legitimidade.”
Mendoza, Montaner e Vargas Llosa (O manual do perfeito idiota latinoamericano: 127) também destacam como o sistema institucional proposto causou o empobrecimento:
A riqueza entre nós não provinha, como no caso dos primitivos colonos da Nova Inglaterra, do esforço, do trabalho, da poupança e de uma ética rigorosa, mas de pilhagem santificada pelo reconhecimento ou pela prebenda oficial. Desde então, entre nós, o Estado tutelar era o gerador de privilégios.
Nas palavras de Haber (How Latin America Fall Behind, cit. Toledo, José Roberto, Autoritarismo, pobreza e atraso, Folha de São Paulo, 11/8/1997, p. 5.) deduz-se que o “positivismo” caboclo é ícone do atraso:
A premissa da coletânea de ensaios organizada por Haber é a de que os EUA abriram uma dianteira em relação aos vizinhos latinos durante o século passado principalmente por causa de leis e meios de transporte mais favoráveis a formação do mercado interno.
Pois enquanto a Nova Inglaterra partia à policultura, extraia-se, furtava-se ouro mexicano, prata peruana e boliviana. No colosso do norte, trabalho livre em pequenas colônias. Na América do Sul, capitanias hereditárias no Brasil, mais servidões, escravidões indígenas ou africanas em todos:
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristão, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degradados que aqui hão de ficar aprenderem bem sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa fé...
(Carta de Pero Vaz de Caminha, cit. Faraco & Mora, Para gostar de escrever. - São Paulo: Ática, 2002.)
A História é pródiga em aquilatar a consistência de tamanha santidade.
Foi, portanto, o estabelecimento cristão que nos tirou a inocência, mas principalmente nossas riquezas, mercê das águas turvas jogadas pelas cabeças. Dessarte quedamo-nos nocauteados eternamente, serviçais dos reinos de Espanha, Portugal e da Matriz, em função das circunstâncias institucionais e religiosas impingidas, no fito de aprisionar nosso ignorante e inocente povo. Fomos e somos alvos de uma "economia" e política maquiavélica, sanguessuga, exploradora, não da propalada genética de índole preguiçosa:
O clima e o temperamento, mesmo quando são uma causa física primordial do caráter de um povo, são submetidos a uma causa posterior e secundária ainda mais enérgica, a ação do governo e das leis que tem a faculdade de violentar as ações, criar hábitos novos e contrários aos antigos, e, por esse meio, mudar o caráter das nações, coisa de que a história da vários exemplos.
(Volney, Tableau du Climat et du sol des Etats-Unis, Eclaircissements, art. IV, em Euvres, F. Didot, 1843, p. 709; cit. em Gusdorf, G. As Revoluções da França e da América, p. 104)
As Veias Abertas da América Latina, detectadas pelo sociólogo uruguaio Eduardo Galeano, conquanto brado superado, também deixam à mostra algumas conseqüências do desinteresse pelas coisas que nos são à cerca, algo que, no termo usado por marxistas e freudianos, traduz-se por “alienação”. Mas foi a ligação, a transferência de responsabilidade na escolha de nosso próprio destino que a história não perdoou. E por causa deste comodismo, continuamos atrelados, abdicando sonhos pessoais pelo abstrato nacional, dizem que por “segurança”, ou por uma "ordem social mais justa".
Ora as veias da América Latina vão se fechando cada vez mais, sufocando o povo, em prol do Leviathan manipulado, por isso agigantado como nunca.
SÃO PAULO - A avaliação sobre a situação econômica corrente e as perspectivas para os próximos meses na América Latina sofreu um forte baque no início deste ano, mostrou pesquisa divulgada nesta quarta-feira. (Estadão, 18/2/2009)
A anemia popular enseja que sejamos sugados, ora não mais pela externidade, mas pela prevalência da corrupção em larga escala, que nada tem a ver com outros hemisférios, senão que vírus criado e instalado no próprio ser.
We can change. I hope!
__________
Notas
*Ilusões para o Século 21, Folha de São Paulo, 14/3/1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário