domingo, 15 de fevereiro de 2009

A má temática econômica


.O poder excessivo do setor financeiro é o motivo pelo qual o mundo chegou à crise atual. RUSSELL, Bertrand, 1930. (1)
As considerações econômicas são meramente aquelas pelas quais conciliamos e ajustamos nossos diferentes propósitos, nenhum dos quais, em última instância, é econômico (exceto os do avarento ou do homem para quem ganhar dinheiro se tornou um fim em si mesmo). Prêmio Nobel de Economia 1998, SEN, Amartya : 328 ..
O princípio da incerteza joga um cocktail molotov na filosofia do determinismo, mas não ficamos imunes à má temática:"Nada mais eficaz para ‘racionalizar’ a natureza que matematizá-la. Quer dizer, alcançar o sonho matemático do universo." (Goytisolo: 77)
Dessarte, apesar do competente alerta de Russell, emanado há quase oitenta anos, e do recente vaticínio de Fukuyama (2), o trem da história continua seu percurso, rumo ao despenhadeiro: "Todos sabem que a física newtoniana foi destronada no século XX pela mecânica quântica e pela relatividade. Mas os traços fundamentais da lei de Newton sobrevivem, seu determinismo e sua simetria temporal sobreviveram." (Prigogine: 19)
O triunfo da mecânica newtoniana nos séculos XVIII e XIX estabeleceu a física como protótipo de uma ciência ‘pesada’, pela qual todas as outras ciências eram medidas. Quanto mais perto os cientistas estiveram de emular os métodos da física e quanto mais capazes eles forem de usar os conceitos dessa ciência, mais elevado será o prestígio das disciplinas a que se dedicam, junto da comunidade científica. No nosso século, essa tendência para adotar a física newtoniana como modelo para teorias e conceitos científicos tornou-se uma séria desvantagem em muitas áreas, mas, mais do que em qualquer outra, na das ciências sociais.
Capra, 1991: 180
As teorias de Newton lançaram-nos em um curso que desembocou no materialismo que ora domina a cultura ocidental. Esta visão realista materialista do mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivíamos no passado e condenou-nos a um mundo alienígena.
Morris Berman, cit. Goswami: 31
"De resto, a mecanização do Estado é apenas um aspecto daquela concepção mecanicista do mundo que dominou por dois séculos a física e, portanto, a filosofia e as ciências morais." Bobbio, 2001: 81
As instituições mecanicistas baseadas nas estruturas de comando e controle da era industrial dominaram durante quatro séculos o funcionamento das sociedades, determinando a vida econômica, social, cultural, política e demais áreas do conhecimento. Neste início de terceiro milênio, observamos um movimento crescente da diversidade e complexidade das sociedades em todo o mundo e parece estar brotando um consenso de que a atual estrutura hierarquizada de poder das organizações está bem próxima de atingir seu nível de saturação. RIOS, Antônio Salles, http://eracaordica.blogspot.com
O fio da Ariadne
Afinal, o que não aprende o homem, quando o elefante, submetido a treinamento, vira acrobata, o urso fica saltador e o asno dá-se em espetáculo?
Erasmo de Roterdã, De Pueris: 53
A esbelta economia também mirava o status de ciência:
Durante a segunda metade do século XIX, a economia sofreu uma influência muito grande do avanço das ciências exatas. Invejosos de seu sucesso e prestígio e cônscios do poder das matemáticas e de sua importância para seu próprio progresso, os economistas voltaram sua análise para essa direção.
Ormerod, 1996: 50
Tal qual ídolos, seus serviços poderiam se tornar imprescindíveis:
Os físicos construíram modelos, isto é, representações esquemáticas do mecanismo dos fenômenos. O físico isola as variáveis (diria princípios) que considera essenciais, e a evolução do sistema previsível pelo cálculo tem de produzir, com uma aproximação razoável, os efeitos que se manifestam na observação do mundo real. Também o economista enumera os determinantes na descrição do movimento dos preços. Analisa, pelo cálculo e pelo raciocínio qualitativo, a evolução e o funcionamento do seu modelo, a partir do qual determina a ordem de grandeza das variações previstas, que irá confrontar com as grandezas observadas.
Granger: 90
Na época de Tocqueville (p. 8), a predileção era para os acadêmicos jurídicos, os normativistas:
Tornando-se a sociedade, com o passar do tempo, mais civilizada e mais estável, as diferentes relações entre os homens se tornam mais numerosas e mais complicadas. A necessidade das leis civis faz-se sentir vivamente. Nascem então os legistas; eles saem do recinto obscuro dos tribunais e do reduto poeirento dos cartórios e vão ocupar um lugar na corte do príncipe, ao lado dos barões feudais cobertos de arminho e de ferro.
Agora, os malabaristas de números é que subiam ao poleiro:
"Como grupo profissional, chegam a rivalizar-se com os advogados. O papel mais destacado que representam é uma das características mais marcantes dessa nossa época de intervencionismo." (Mises, 1990: 776)
Pois a predição remonta ao século XVIII:
O homem de sistema costuma se achar muito sábio em seu próprio juízo; e ele está, com freqüência, tão enamorado da suposta beleza do seu próprio plano ideal de governo que não tolera qualquer desvio, por menor que seja, em qualquer parte dele. Ele atua com o intuito de implantá-lo completamente e em todos os detalhes, sem prestar atenção seja nos grandes interesses, seja nos fortes preconceitos que podem se opor a ele. Ele parece imaginar-se capaz de dispor os diferentes membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com que a mão dispõe sobre as peças de xadrez.
SMITH, Adam, An Inquiry into Nature and the Causes of the Wealth of Nations (1776): 233
Economistas superam advogados, sociólogos e juristas justamente pela utilização desse hermético código matemático, pretensamente exato, presumivelmente confiável:
"A linguagem matemática da ciência, que tanto causa desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga, e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum." (Schwartz, J.: 18)
"Em nenhuma outra ciência o vulgo é tão desprezado quanto nas matemáticas, que se resumem em triângulos, quadrados, círculos e outras figuras geométricas idênticas, que se sobrepõem umas às outras, fazendo de tudo a confusão de um labirinto." (ERASMO DE ROTERDAM: 121)
A matemática é um artifício intelectual que permite aos homens explorar possibilidades de manipulação dos objetos. Não é interessante que até mesmo a adição, a subtração, a multiplicação e a divisão, as coisas mais simples da aritmética, sejam chamadas de operações?
ALVES: 60
De nada serviu a lição do humilde cartesiano Malabranche (Filósofos do século XVII: 223):
Todas as ciências têm relações entre termos ou relações com o objeto, que se podem expressar por linhas, e o cálculo infitesimal permite representações figurativas para quase todas as idéias. Só que, de tanta geometria, não se devem esquecer os fenômenos ou querer substituir o conhecimento de leis da natureza por manipulações geométricas.
Essas operações liquidam com os pacientes:
A teoria macroeconômica não tem procurado superar seus outros defeitos mais sérios. Inspirada na errada crença de que deveria imitar os métodos das ciências naturais, especialmente os da física, acabou abstraindo-se das variáveis essenciais, mas não quantificáveis, e tratando uma série de eventos históricos como se fosse repetitiva, determinística e reversível.
SIMPSON: 61
Mecanicistamente tratada, cientificamente orientada, positivamente organizada, milimetricamente calculada, desse modo a economia se impôs como ciência social mais apropriada. A mão boba, sem freio, passou a tudo apalpar. Rosselli (1997:103) testemunha:
Da política de abstenção do Estado em matéria econômica se passou, insensivelmente, a uma política de intervencionismo intenso e progressivo, com uma nacionalização de serviços públicos essenciais (ferrovias, correios, bancos, seguros etc.) o controle de preços de muitos gêneros (iluminação, pão, água, moradia), regulação de mercados, corpos profissionais, comércio exterior; prêmios e subvenções, expropriações por utilidade pública, obras públicas, regulamentação dos salários e condições de trabalho. Todo um leque de iniciativas de parte das entidades estatais, de que não se tem idéia adequada.
O intervencionismo se arvorou de racional para impor o irracional:
O Estado Poder inverte a ordem dos fatores. Para ele a força do Estado é que confere liberdade e prosperidade aos cidadãos. Seu princípio prioritário é a autoridade. Ávido de tudo reger, sequioso de tudo regular, o Estado Poder absorve e centraliza um número sempre crescente de atividades. Apoiando-se num aparelho tecno-burocrático, ele dirige, comanda, ordena. Sem realmente ouvir, nem informar-se. Distante, com relação ao Parlamento e aos organismos intermediários; cheio de suspeitas diante das associações e das coletividades locais, e a arrogância no poder. O Estado Poder mantém a nação sob tutela. Para fazer a felicidade dos cidadãos a despeito deles, senão contra .
Schwartzenberg, 1978: 329
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Obtivemos o mais nefasto resultado:

A desordem monetária, produzida pelas intrépidas teses keynesianas, teve como conseqüências a inflação, a desorganização institucional, a diminuição real do lucro e, por conseguinte, o empobrecimento dos assalariados. O investimento social, concebido como uma partilha autoritária da riqueza no nível microeconômico ou como programa estatal financiado com emissões monetárias, só provoca a depressão social. Neste caso, a raposa no galinheiro não é o empresário, mas o Estado, que depena as galinhas sem misericórdia.
MENDONZA, MONTANER e LLOSA : 128
Rumos da Nova Era
Para mim, o elemento precioso nas engrenagens da humanidade não é o Estado, é o indivíduo, criador e sensível, a personalidade; é só ela que cria o nobre e o sublime, enquanto a massa permanece estúpida de pensamento e estreita nos sentimentos EINSTEIN, Albert, cit. ALMEIDA, M. O., A Ação Humana e Social de Einstein: 65; TRATTNER: 75
Este Hobart Special do Professor Hayek chega num momento em que - depois das asneiras monetárias cometidas antes da guerra, consideradas responsáveis por precipitarem a Grande Depressão de 1929-32 e de quase um terço de século de “controle monetário” (ou, melhor, descontrole) pelo governo no pós-guerra, constata-se que as tentativas de controle internacional de modo algum tiveram maior sucesso - mais uma vez os economistas estão à cata de meios para retirar totalmente o controle do dinheiro das mãos do governo 'afastar o dinheiro da política' caso desejem que sobreviva a sociedade civilizada. SELDON, Arthur, prefácio de HAYEK, F., A Desestatização do Dinheiro: 3
Diante de tudo tentado, e nada exitoso, ora nos cabe o câmbio do paradigma à postura compatível com a a leveza e complexidade da Nova Era*:

Descentralização - O que acontece na economia é resultado da interação de muitos agentes atuando em paralelo. As ações de um agente em particular serão resultado de sua expectativa em relação ao que os outros agentes irão fazer. Os agentes antecipam e co-criam o mundo à sua volta.
Ausência de um controlador central - Não há uma entidade global que controla as interações ou que tenha conhecimento da estrutura global do sistema. O controle é feito pelo processo de cooperação e competição entre os agentes e medido pela presença de instituições e regras.

Organização hierárquica flexível - A economia tem vários níveis de organização e interação. Unidades em um certo nível - comportamentos, ações, estratégias, produtos - servem de base para a construção de unidades em níveis superiores. A organização global é mais do que hierárquica, com interações entre os diversos níveis se misturando e criando uma complexa rede de relacionamentos e canais de comunicação.

Adaptação contínua - Comportamentos, ações, estratégias e produtos são revisados continuamente à medida que os agentes ganham experiência - o sistema está em constante adaptação. O elemento surpresa e a chance permitem que o sistema tenha muitas soluções e aproveite novas oportunidades. Eventualmente, uma destas soluções será a escolhida, mas não necessariamente será a melhor.

Novidade perpétua - Nichos são continuamente criados por novos mercados, novas tecnologias, novos comportamentos e novas instituições. O próprio ato de se preencher um nicho já cria novos nichos. O resultado é um sistema onde sempre aparecem novidades. Inovações são desenvolvidas, levando a produtos mais avançados que, por sua vez, demandam mais inovações.

Dinâmica fora do equilíbrio - Como novos nichos e novas possibilidades estão sempre sendo criados, a economia opera fora de uma situação de equilíbrio global, ou seja, sempre há espaço para melhora. Apesar de estar fora do equilíbrio, o sistema possui regras que limitam seu comportamento, evitando que este se torne caótico durante o processo de adaptação e evolução.
We can change. I hope!* * *
Veja
MacroEconomia InterDisciplinar
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Notas
* HOLLAND, John, cit. GLEISER, I.: 202
1. Russel, O Moderno Midas, 2002: 69.
2. Fukuyama, F. O Fim da História e o Último Homem.


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