sábado, 26 de janeiro de 2008

A onda Trickle-down


PARA TOCAR na praia a onda vem pelo mar. Na Economia, o Trickle Down* se viabiliza pela palma da Mão Invisível, promotora e difusora da riqueza.
O esforço natural de cada indivíduo para melhorar suas própria condição constitui, quando lhe é permitido exercer-se com liberdade e segurança, um princípio tão poderoso que, sozinho e sem ajuda, é não só capaz de levar a sociedade à riqueza e prosperidade, mas também de ultrapassar centenas de obstáculos inoportunos que a insensatez das leis humanas demasiadas vezes opõe à sua atividade.
SMITH, A. cit. DOWNS: 56
O processo é recordado por Priestley (cit. Falcon: 73): "Os ricos obrigam-se, pelas leis naturais da economia e pelos ditames morais da natureza, a difundir sua riqueza às camadas menos favorecidas." Einstein poderia chancelá-los: a realidade da Relatividade ensina que somos parte de um sistema no qual a simples presença do corpo precipita efeitos gravitacionais. Eis nossa responsabilidade. Planck diria que é efeito atômico - a difusão energética de amplitude ilimitada.
BRUNO LATOUR (Das Sociedades Animais às Sociedades Humanas; cit. WITKOWSKI: 207) compara:

Depois do livro do americano Edward O. Wilson, Sociobiology e dos ensaios do inglês Richard Dawkins, os geneticistas das populações, assim como os especialistas em insetos sociais, procuraram compreender a organização social a partir dos interesses individuais. Não existe o formigueiro; só existem as formigas. Não existe a espécie; só existe o indivíduo. Falar de um sacrifício pelo grupo é, portanto, uma impossibilidade - pelo menos se estudarmos a evolução darwiniana dos caracteres sociais. Era preciso repensar a sociedade animal como a resultante do cálculo dos indivíduos e não mais como um vasto sistema dentro do qual os animais nascem e morrem. Esta revolução entre os animais assemelha-se às revoluções que as ciências políticas conheceram duzentos anos antes.
MICHEL SERRES (cit. DESCAMPS: 101) igualmente arrola o comportamento das formigas, espelho de eficiência e eficácia caótica de ordem espontânea, o qual nada mais é do que o laissez-faire:
Consideremos uma colônia de formigas cujo movimento, aparentemente browniano, vai aparecer agora, após longo tempo, ordenado na construção de um formigueiro. Esse último é uma obra gigante com relação a dimensão dos indivíduos, e uma obra bastante regular com relação a desordem do vaivém deles.
Tudo é compatível:
O novo Individualismo – a serviço do qual, quer queira, quer não, está o socialismo – será a harmonia perfeita. Será o que o Grego buscou, mas não pôde alcançar completamente, a não ser no plano das Idéias, porque tinham escravos, e os alimentava; será o que a Renascença buscou, mas não pôde alcançar completamente, a não ser no plano da Arte, porque tinham escravos e os entregavam à fome. Será completo e, por meio dele, cada homem atingirá a perfeição. O novo Individualismo é o novo Helenismo.
WILDE: 86

Ideal liberal e método democrático entrelaçam-se gradualmente de tal maneira que, se é verdade que os direitos de liberdade foram, desde o início, a condição necessária para a correta aplicação das regras do jogo democrático, é também verdade que, sucessivamente, o desenvolvimento da democracia tornou-se o instrumento principal para a defesa dos direitos de liberdade.
BOBBIO, 2001: 132
Pronto. Já pode voltar o futuro. Come, again:
Nos anos 70, uns poucos cientistas nos Estados Unidos e Europa começaram a encontrar um caminho através da desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos, todos procurando conexões entre os diferentes tipos de irregularidades. Fisiólogos encontraram uma surpreendente ordem no caos que se desenvolve no coração humano, a causa da morte súbita inexplicada. Ecologistas exploraram a ascensão e queda das populações de mariposas-ciganas. Economistas desencavaram velhos dados sobre preços de ações. Os insights que emergiram levaram diretamente ao mundo natural - as formas das nuvens, os riscos dos relâmpagos, o entrelaçamento microscópico dos vasos sangüíneos, o ramalhete galáctico de estrelas. GLEICK, James, Chaos, cit. LEMKOW, A: 161
Economistas redescobrem o trabalho de Joseph Schumpeter, que falou da 'destruição criativa' como necessária ao progresso. Numa tempestade de tomadas de controle acionário, alienação de bens, reorganizações, falências, deslanches, joint ventures e reorganizações internas, toda a economia está adquirindo uma nova estrutura que é anos-luz mais diversa, ágil e complexa do que a antiga economia das chaminés. TOFFLER, e TOFFLER: 74
Então, em setembro de 1987, 20 pessoas se reuniram no Instituto Santa Fé para discutir 'A Economia como Sistema Complexo Adaptativo'. Dez eram economistas teóricos, convidados por ninguém menos que Kenneth Arrow, um dos economistas mais importantes do século XX, e que em 1972 dividiu o prêmio Nobel de economia com Sir John Hicks. Além de sua contribuição com Debreu para a prova matemática da existência do equilíbrio geral, Arrow também provou que a escolha social, ou de decisão social, não é necessariamente racional por poder transgredir o princípio da transitividade. Arrow percebeu que, antes dele, economistas como Adam Smith, Schumpeter, Hicks, Marshall, Friederich Hayek e outros haviam entendido as implicações de fenômenos complexos para a economia, mas não possuíam o instrumental necessário para estudá-los formalmente. Hayek, de tradição austríaca e aluno de Menger, possuía sério conhecimento e interesse em teorias de sistemas e cibernética, campos de estudo relacionados com complexidade. GLEISER, I: 187
Na Bélgica, Prigogine apontou a importância da não-linearidade. “Efeitos-borboleta” são os mínimos movimentos provocados pelo que se convencionou chamar de atratores.** São fenômenos que se sujeitam, como tudo, à relatividade e à realidade quântica. o Chile, Humberto Maturana ratifica a auto-organização dos sistemas vivos, o que chama autopoiese. Nos EUA, como sói acontecer, abundam pesquisas. Heinz vo Foerster se entreteve com rede de pesquisas interdisciplinares, no fito de investigar auto-organizações. O químico James Lovelock evidenciara: o planeta Terra é um sistema vivo, auto-organizado. A atmosfera se constitui num sistema aberto, permeado por constante fluxo de energia e matéria, o que é conhecido como Gaia.Geoffrey Chew formulou The Bootstrap***, resultado das interações das partículas subatômicas: “Cada partícula ajuda a gerar outras partículas, as quais, por sua vez, a geram”.
David Bohm, percebeu o Universo tal qual holograma. Cada parte contém as informações do todo, ainda que de forma menos precisa e detalhada. O constante fluxo de mutações no qual está mergulhado o cosmos pode ser aferido sob a égide do holomovimento. ****

Thomas Kuhn há muito ensinou The Structure of Scientific Revolutions.
T. Roszac apresentou a contracultura. A. Maslow propos a feliz analogia:

É cada vez mais claro que uma revolução filosófica se encontra em marcha. Um sistema abrangente está se desenvolvendo com rapidez, como uma árvore que começa a dar frutos em todos os seus galhos ao mesmo tempo.
Há mais de cem anos, ao preconizar tal disparate, Carlo Rosselli (1899-1937) foi caçado e fulminado pelas tropas fascistas. Do mandante, há muitas notícias. Da vítima, raro conhece.Em nome da história, da ética, da piedade ou solidariedade, da economia, da sociologia, da ciência, enfim, creio oportuno o resgate. Mister reencontrar o fio da meada.
John Holland (cit. Gleiser, I.: 202/3) revela o modus operandi:
Descentralização - O que acontece na economia é resultado da interação de muitos agentes atuando em paralelo. As ações de um agente em particular serão resultado de sua expectativa em relação ao que os outros agentes irão fazer. Os agentes antecipam e co-criam o mundo à sua volta.
Ausência de um controlador central - Não há uma entidade global que controla as interações ou que tenha conhecimento da estrutura global do sistema. O controle é feito pelo processo de cooperação e competição entre os agentes e medido pela presença de instituições e regras.
Organização hierárquica flexível - A economia tem vários níveis de organização e interação. Unidades em um certo nível - comportamentos, ações, estratégias, produtos - servem de base para a construção de unidades em níveis superiores. A organização global é mais do que hierárquica, com interações entre os diversos níveis se misturando e criando uma complexa rede de relacionamentos e canais de comunicação.
Adaptação contínua - Comportamentos, ações, estratégias e produtos são revisados continuamente à medida que os agentes ganham experiência - o sistema está em constante adaptação. O elemento surpresa e a chance permitem que o sistema tenha muitas soluções e aproveite novas oportunidades. Eventualmente, uma destas soluções será a escolhida, mas não necessariamente será a melhor.
Novidade perpétua - Nichos são continuamente criados por novos mercados, novas tecnologias, novos comportamentos e novas instituições. O próprio ato de se preencher um nicho já cria novos nichos. O resultado é um sistema onde sempre aparecem novidades. Inovações são desenvolvidas, levando a produtos mais avançados que, por sua vez, demandam mais inovações.
Dinâmica fora do equilíbrio - Como novos nichos e novas possibilidades estão sempre sendo criados, a economia opera fora de uma situação de equilíbrio global, ou seja, sempre há espaço para melhora. Apesar de estar fora do equilíbrio, o sistema possui regras que limitam seu comportamento, evitando que este se torne caótico durante o processo de adaptação e evolução.

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* “O crescimento econômico é alcançável quando se permite o florescimento dos negócios, deixando a prosperidade verter para a população de baixa e média rendas, que se beneficiará da crescente atividade econômica” (Giddens, 1996: 104).
**"Um atrator amarra um sistema a um padrão de comportamento. Pode ser atração a um ponto estável, a um ciclo regular ou a formas mais complexas de comportamento" (Stacey e Parker: 115).
*** G .F. Chew usou o termo bootstrap (que significa um cordão de botas) para a compreensão do universo amarrado, ligado, entrelaçado, o que hoje comumente é tratado como rede, ou teia.
Morin (2000: 32) explica que se trata de “teoria que postula um tipo de continuidade, de não-separabilidade na base mesma da realidade material”.
Hawking percebe o fenômeno como "casca de noz", com supercordas e membranas (2001).
**** "É interessante notar que o conceito de teia dinâmica de relações – que implica numa concepção sistêmica e processual de interdependência dos fenômenos – está presente nos modelos de Bohm e de Chew, o que abre a perspectiva de uma futura fusão destas duas teorias, que usam matrizes para retratar as suas transformações, a topologia como ferramenta matemática e enfatizam o papel da ordem no universo."
(www.geocities.com/Eureka/8979/fracsim.htm)

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