quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A criminalidade


Do rio que tudo arrasta se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas
As margens que o comprimem.
Bertold Brecht
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A criminalidade é questão nuclear. No Funil 2000, assumiu efeito atômico. Arrasa com tudo. O povo sumiu.
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Como isso pode assim evoluir? Seriam brandas as leis? Faltam policiais? Penitenciárias?
Nada disso. Cadeias são universidades do crime. Investe-se um monte para pior resultado. Ninguém quer ser vizinho delas. Custa caro à sociedade qualquer internação. E quem lá se forma vem pior, ainda mais danoso à sociedade. O método da delinqüência sai aperfeiçoado, movido por maior recalque. A prisão só agrava a questão, e posterga a solução. -

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Então tem que segurar na legislação. Prometer castigos mais fortes. Prisão perpétua. Pena de morte, quem sabe?
Pena de morte arrisca o criminoso na hora em que está cometendo o crime. Nem isso o faz desistir. Ele supõe não ter mais nada a perder, e não poucas vezes o que quer é isso mesmo.
Para a Sibéria costumavam enviar os pobres russos, sob o chicote dos soviéticos, os maiores assassinos de massa que se abateram sobre a civilização. Leis à granel introduziram sistemas fascistas, nazistas e comunistas. No entanto, todos conhecemos a magnitude dos crimes cometidos nessas infelizes sociedades.
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Que tal maior repressão, antes que o crime aconteça? Um aumento de efetivo?
Por aqui, os batalhões tem aumentado bastante, até aritmeticamente; mas os crimes, geometricamente. Exércitos, quem sabe. Mas pode sair mais caro do que os crimes que visam elidir. Ademais, acha justo, útil ou conveniente investir boa parte de seu trabalho para sustentar meros zeladores? E o que garante que um policial para cada cidadão não vá aumentar os crimes? Acabam se matando.
O volume criminal tem que arrefecer independentemente de legislação, ou controle. Muitas nações vivem na harmonia, no equilíbrio social e na solidariedade, sem se valerem do sabre.
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Dizem que a América Latina abriga ignorantes. Falta informação, educação, enfim, defeitos pessoais.Sim, de certo modo. Mas, em alguma época ela foi melhor informada? Tínhamos mais livros, pesquisas, escolas, tvs, internets, celulares, ou o quê? Havia mais alfabetizados? No entanto, os índices criminais variavam em dígito. Ora, em três.
A desenvoltura da criminalidade não se deve a carência educacional.

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Por acaso nem religião adianta?

Países muito religiosos, curioso, costumam ser mais belicosos. Veja iranianos, iraquianos, e tantos anos. Antes de reunir a religião desune. Aliás, ela nisso é expert, desde que elegeu o diabo como adversário. Deveria convencê-lo, não hostilizá-lo. Lembro de plano a guerra civil desencadeada entre os indianos, cujo resultado esfacelou o país. A Inquisição também, está lá, impregnada no EspaçoTempo, tanto quanto a atual "guerra santa."  Condutos religiosos estão de tal modo confusos que as instituições viraram excelente meio de vida para seus operadores. Um sucesso! Os pastores tosqueam ovelhas à granel. A fé remove montanha, mas não o monte das Caymann -
Então Thomas Hobbes tem razão. O homem é o lobo do homem. Só o Estado Leviathan para lhe domesticar.
O homem de fato é lobo de muitas coisas; e, dependendo das circunstâncias, pode até se aniquilar, como sói acontecer, mormente se puder contar com o anonimato da matilha. Mas o momento mais saliente é quando ele toma a chave do galinheiro, isto é, o segredo do cofre. Não escapa ninguém. Mas a metáfora, embora impactante, não traduz a realidade, que é formada em mosaicos. Encontramos dezenas de sociedades que vivem em paz, em salutar convívio entre ovelhas e leões. Nestas, o lobo é o amor da loba, o que desmonta a perfídia do Leviathan.
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Mas se não é sociológico, penal, nem psicológico, ou religioso, tampouco um problema educacional, do que se trata, afinal? Seria puramente econômico? Como devemos extirpá-lo, ou, pelo menos, estancá-lo, uma reversão, quem sabe? Como proceder? Onde foi que erramos?Foram muitos momentos de desídia, mas fulguram alguns mais acentuados.
Antes, permita-me mostrar-lhe a vizinhança, aqui do alto, longe dos tiros.
Donde eles partem? Das localidades e dos tempos desprovidos de dinheiro.
Não se trata de um indício relevante? Onde não há oxigenação, há desespero.
"Em casa onde falta pão, todos brigam, e ninguém tem razão". Nunca ouviu?

"Nada estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa quanto a falta de dinheiro", observou John Kenneth Galbraith.
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Mas por que tanta miséria entre a gente que mora no mesmo país, no mesmo estado, na mesma cidade, no bairro à cerca, e que vivem o mesmo tempo? Não é tudo proveniente da preguiça, vagabundagem, indolência, má-vontade, má-educação, falta de religiosidade dessa cambada? Coisa de traficantes? Quem sabe formação genética? Origem racial? Ou então Marx tinha razão: a opulência se vale da pobreza. Nunca um pobre será rico!Mas nem combinados os ricos teriam tanta eficiência. Nem com maestro, essa.-
Mas então, que diabos, onde quer chegar?
Trata-se de desvio econômico, sim, com efeitos sociológicos, mas levada a cabo por artimanhas jurídicas, não por combinação de classes.
A subversão é fruto da ignorância, ou da ganância. Pior quando ambas aparecem somadas.
Façamos um vôo de reconhecimento, na cabeceira 930: os EUA amargavam uma falta de recursos descomunal. A grande depressão reduziu as poupanças pessoais de US$4,2 bilhões em 1929 a uma descapitalização líquida de US$600 milhões em 1932 e reduziu os ganhos retidos das firmas de negócios de US$16,2 bilhões para menos de um bilhão. (Pipes, 2001: 183) Por mais que você se espante, tudo foi preparado!
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Explique melhor.

A gravidade daquele paquiderme envolveu todo o sistema. São inúmeros qualificados depoimentos. Milton Friedman demonstrou. As autoridades monetárias produziram efeitos indesejáveis na economia. O Mestre de Chicago atribuiu ao tratamento errôneo da oferta de moeda, nos momentos que antecederam o New Deal. Recai ao próprio Federal Reserve a culpa pela grande depressão. (Gleiser, I: 151)
Quando começaram a respirar, lá se veio o malvado, com outro matiz:
O imposto sobre rendimentos regular, direto e progressivo é um subproduto do welfare state. Ele passou a existir ao mesmo tempo em que este foi justificado como necessário para financiar os grandes gastos que os serviços sociais demandavam. (Galbraith, 1968: 245)Foram golpes duros, e sucessivos. Primeiro, um intenso enxugamento monetário, através de impostos, restrições de toda ordem, e subsídios de outras ordens. O aumento vertiginoso dos juros cumpriu o papel de não permitir que o dinheiro que financiava a produção saísse da especulação. Foram milhões enviados ao exterior, até aos nazistas e fascistas, heróis na luta contra o comunismo. Depois, o gerenciamento da Nação, submetida até mesmo a militar, um honrado militar, sem dúvida, o Gen. D. Eisenhower. Não fosse mesmo a guerra, redentora, Tio Sam estaria atolado. Não por coincidência, havia enorme quantidade de leis, até a seca; não por acaso, também foi a época foi dos gangsters. A nossa, do mensalão; e dinheiro aos vizinhos latino-americanos, de montão. Convém um salto quântico.
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Estás a falar do século passado. Há muito os EUA praticamente baniram a criminalidade.
Aborde temas mais atuais, e de preferência sobre nosso país.

Falei da remessa de enormes cifras ao exterior, em especial às Cayman. E o que dizer do mensalão, uma podridão que chegou ao conhecimento popular? Teve outra, ainda mais popular - a do cartão corporativo, o cartão-que-vale-milhão, atos secretos que todos são sabedores... Além de prostrarem a economia, pelo sufoco do oxigenio que por ela deveria correr, são péssimos exemplos, mas artimanhas vitoriosas. Alguns articuladores perderam os cargos, porém foi como queriam: saíram e gozar férias no exterior, com a carteira recheada com seu dinheiro. Se vale tudo na cúpula, por que não entre os mais sofridos?
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Exemplo por exemplo temos mais bons do que maus. Além disso, não se pode reputar as mazelas apenas a macaquices.Então falarei mais claramente. Além de proporcionar os maus exemplos, as nefastas ações afastam o dinheiro da Nação. O primeiro grande golpe foi decisivo. Ele aconteceu na calada da noite do dia 15 de novembro de 1995. Quem passava na Esplanada dos Ministérios pode ver as luzes acesas do Ministério da Fazenda. Eles estavam monitorando uma operação que sangrou o Brasil em nada mais nada menos do que 30% de todo o dinheiro existente no país. Embarcaram um Boeing com destino ao norte, levando quase todas as notas de cem reais. Sobraram apenas algumas espalhada em colchões. Sem dinheiro em circulação, o que temos é crimes de montão.
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Péra.
Como foi este golpe, que ninguém soube?
Banqueiros subornaram as autoridades antes que elas se tornassem autoridades. Saiu barato.
Como em livros de jogo-do-bicho e de traficantes, na pasta-cor-de-rosa foram elencados os participantes do ágape. Eleito o cavalo-do-comissário, os investidores foram autorizados a saquearem as contas de seus correntistas. Parte dos depósitos dos bancos que não participaram da torpe partilha cobriram o rombo. Por isso o juro subiu. Se continuasse baixo, não ia ter dinheiro suficiente para emprestar. Eles calçam os dólares nos paraísos fiscais, esses que vem ao país pelas bolsas de valores e aquisições de patrimônio público a preço-de-banana. Eis a razão da carência monetária que assola o país já há dois periodos de vacas-magras, contrariando até a natureza. Eis a razão maior da criminalidade em massa, mas não só isso: desemprego em massa, divórcios em massa, igrejas lotadas, psiquiatras, economistas , burocratas , políticos e advogados ricos, trânsito neurótico. É o efeito atômico da corrupção. Satisfeito?
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Sim. Agora entendo tudo. Vou-me embora pra Pasárgada's.
Lá sou amigo do rei, e terei a cama para escolher, sem precisar da safadeza me valer.
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*Com aproximadamente 48 mil mortes por ano, o Brasil é um dos países que detém uma das maiores taxas de homicídios no mundo, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira pelo relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston. (Folha de São Paulo, 15/9/2008)

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