sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A expressão do atraso

Vivemos sobre uma civilização. A cada escavação do metro ou abertura de poços descobrimos uma relíquia. A antigüidade nos enriquece, mas em certo sentido nos impede de viver. - Vassalis Vassalico (1)
O conceito científico do tecido do universo tem de mudar. A recém-confirmada teoria de Einstein exigirá uma nova filosofia do universo, uma filosofia que vai varrer quase tudo o que se tem aceito até agora. (Fabric of the Universe. - The Times de Londres, editorial de 7/11/1919)
“A palavra 'poder', pelo tratamento que lhe dá a ciência política, virou eufemismo para dissimular o fato da 'dominação'.” (2) As massas foram facilmente conduzidas pelos bretes positivistas:
Na euforia do racionalismo, se desvinculou perigosamente o Direito Positivo de quaisquer outros compromissos com valores fixos e imutáveis, passando tudo a depender das maiorias eventuais, comprovadamente volúveis e supostamente representativas da fonte de sabedoria, que é o povo. (3)
Maiorias eventuais, não poucas vezes, vem arranjadas por fraudes. O jornalista, editor e político das décadas de 50 e 60, ex-governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, lembra de vários instantes perdidos, propícios ao aperfeiçoamento e fortalecimento de nossas instituições democráticas. Fulguram os episódios da liquidação de um dos maiores pesquisadores humanistas que tivemos o privilégio de contar. Por ironia, a Águia de Haia acabou trucidada pela rapinagem:
No segundo decênio deste século, num Brasil que perdeu o pulo da passagem do séc. XIX para o XX, surge como expressão das oligarquias dominantes, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca; e como reação liberal e progressista, a desse grande rejeitado que o Brasil tantas vezes usou quantas desperdiçou, Ruy Barbosa. Naturalmente, venceu Hermes da Fonseca, pois a eleição era uma ficção jurídico-política. Algumas dezenas de pessoas - se tanto! - conduziam a nação e decidiam do seu destino. O povo não participava do processo, senão como mera figura retórica. A Ruy ficou-se devendo o serviço de criar, por assim dizer, uma opinião pública atuante. Através de estados de sítio e habeas-corpus, de peregrinações cívicas, palmas e perigos, ele começou a mobilizar a consciência coletiva. E se o acusam de tê-la inventado, ainda é maior o seu mérito. Pois o homenzinho valeu, sozinho, por toda uma comunidade incapacitada para o uso da razão. (4)
Antes havia aportado o barco positivista-baconiano, ao embarque de pragmáticos juristas, economistas, políticos, educadores, interessados de todo o matiz. Valorizaram-se escolas militares, politécnicas, faculdades de Engenharia. As faculdades de Direito, de Filosofia, de Economia logo abriram os portões. Nos corredores, ecoava o canto heróico e entusiasta, refrão de Comte:
A República está próxima. E não há como resistir. As sociedades obedecem ao influxo de leis tão exatas, precisas e invariáveis como as que regem os fenômenos transformadores do mundo físico. É que os fenômenos sociais estão sujeitos às leis naturais, como os fenômenos físicos. É que há uma física social. (5)
O primeiro ato da “física social” arrasou Canudos. Não havia razão resistente à espada:
“O movimento que destruiu a monarquia brasileira não passou de um processo de institucionalização jurídico-político de forma republicana de governo através de golpe militar”. (6)
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Um pavilhão à serviço dos marechais
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Os EUA, representam as independências dos estados nas estrelas, as quais se projetam pelas harmônicas, estáveis e contínuas linhas vermelhas. Traduzem, por esta notável arte, o equilíbrio e a estabilidade de sua democracia liberal, sob o regime federativo.
No nosso, a hierarquia imperial exige comando supremo, a centralização. Mister um desenho que a exprima. Assim trocamos a cópia americana da bandeira provisória da República dos Estados Unidos do Brasil por uma geometria remetente ao centro, onde foram alojadas as estrelas. Isso, para um povo ignorante de tudo, imagine da arte, era muito pouco. Então, com indisfarçável orgulho, no “lábaro estrelado”, foi impregnada a presunção científico-militar, mais vontade do que afirmação, de que só a ordem trará o progresso, o que pressupõe ser a ordem unida a operação mais adequada à felicidade. Marchamos em ordem, ao progresso; só não se sabe de quê, ou à felicidade de quem. O dístico chega a ser cunhado na borda de moedas do real, as de cinqüenta centavos, algumas das quais, trazidas ao conhecimento público por acaso, foram imprimidas com a mensagem “Orcem” e Progresso, erro ou blague que induz supor que devamos efetuar a navegação da vida orçando... só não se sabe para que lado.
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O gênio
O “adaptador” do original “Ordre et Progrès” presidia o “Apostolado Positivista no Brasil”. Raymundo Teixeira Mendes era o nome do artista, muito usado para denominar ruas em diversas capitais. Por causa dessa excelência, a bandeira, tão habilmente desenhada, nasceu privada do céu noturno integral e as estrelas, ofuscadas pela presença intrusa da faixa imperativa. Desse modo “ciência” “intervém” na natureza... tapando-a parcialmente, numa ex(im)posição tão ridícula quanto inóqua, atestado de ignorância científica, certamente motivo de chacota entre pesquisadores mais atentos. Se acaso cores e desenhos são usados para distinção das formações nacionais, porque se faz ainda necessária a explicitação? E por que em português? Não seria o inglês, pelo fato de ser o idioma mais conhecido pelas outras nações, mais próprio para nos identificar? Tiradentes não preferiu seu lema em latim, porque internacional? As perguntas são várias, mas a resposta é unica: a mensagem serve, não para identificar a Nação brasileira, mas para represá-la, na base supostamente cientifica justificante de toda a sorte de golpes armados, trapaças, fraudes, eleições legitimadas por milícias e sustentadas por arapucas jurídico-econômicas.
Não por acaso, o deputado Wenceslau Escobar apresentou, já em 8 de junho de 1908, portanto há exato século, um novo projeto de alteração, com a supressão da faixa e do lema. Como se vê, o pleito foi arquivado. Na constituinte de 33, várias sugestões foram oferecidas, mas para a ditadura, nenhuma poderia ser mais eficaz do que o dobrado francês. Ora na faixa, em lugar da concepção de Comte, são usados todo o tipo de mensagens de marketing, a começar pela recente conclamação Avança Brasil, e até pela inserção do número 0800612211 para ligações gratuitas ao Senado. Isso mesmo – em lugar do lema, o pavilhão nacional também portou número!
Em qualquer país, a adulteração de símbolo oficial, ainda mais a bandeira, não se precisa nem vetar... mas o que significa um pavilhão a governos atolados em negociatas?

Aprecie:
A instalação da república positivista no Brasil
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Notas
1. Co-autor do filme "Z". - O Estado de São Paulo, 9/12/1995.
2. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 133
3. Boaventura, Jorge, O Estado de São Paulo, 29/4/1996, p. A2.
4. Lacerda, Carlos, Em Vez, p. 30.
5. Castilhos, Julio, cit. Flores, Hilda Agnes Hubner, Revolução Federalista, p. 18.
6. Weffort, Francisco Correa, Por que Democracia, cap. I; cit. Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 345.


Aumenta a festa no arraiá

"Neste" país-continente a guerra civil recrudesce, mas na Ilha da Fantasia tudo é alegria. Os ilhéus tem muita imaginação. Nem precisam de reais; basta o cartão-de-que-vale-milhão. As melhores notícias, apenas de hoje, para você passar um fim-de-semana de cama, mas não dormindo, vem mesmo de lá. Sobram dólares. Faz uma semana do anúncio. No prematuro aniversário, osso-duro para o otário:
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1) BRASÍLIA, Urgente: O Banco Central anunciou ontem que teve prejuízo de R$50 bilhões no ano passado. O resultado negativo será coberto pelo Tesouro Nacional, e foi causado pela supervalorização do real. (Como tal tesouro não se acha no mar, caberá a você, trabalhador, o suor para cobrir tão estupendo buraco-negro.)
2) BRASÍLIA, de novo: O presidente não tolera riqueza. Para provar seu desamor, aumentará sensívelmente a incidência do imposto sobre fortunas. (Certamente grande contribuição deverá vir de sua própria família.)
3) BRASÍLIA: O presidente também não tolera o fumo. Provado que cigarro faz mal à você, ele incrementará consideravelmente o imposto pertinente. Arrecadará mais, com dispêndio de menor energia.
4) BRASÍLIA: Nova emenda constitucional instituirá mais um imposto. Desta feita incidirá sobre qualquer movimento do brasileiro. A nova arrecadação servirá exclusivamente ao Leviathan. Os estados e municípios já faturam com o ICMS e ISSS.
Dizem que a novidade não arranha a constituição. É vero. Nada a fere. Ela é dobrável. As conseqüências dessa atitude, tão cruel quanto anti-democrática e anti-científica, não vem ao caso. Afinal, em futuro breve estaremos todos mortos.
5) BRASÍLIA: O Presidente divulgou como investe melhor do que a produção:
"Se você pegar os partidos políticos você vai perceber que o PSDB recebeu R$ 102 milhões com os convênios, o PT recebeu, acho que R$ 92 milhões, ou seja, ele está mostrando o comportamento mais republicano que um ministro tem mostrado, você não atende as pessoas, você atende a população", afirmou ao falar com jornalistas em Quixadá, no Ceará." (Estadão,29/2/2008)
6) SÃO GONÇALO, RJ: O ministro do Trabalho (quack!) destinou a irrisória quantia de R$1,15 milhão para a Prefeita dessa cidadela. Com o passe a prefeita deu passe-bem ao DEM, e aderiu ao partido do ministro. A festa de filiação foi magnífica. O dadivoso foi muito homenageado. A benemerência, mesmo feita com o dinheiro alheio, fruto do esforço e sacrifício de cada cidadão, mereceu todos os aplausos daquela ora milionária comuna.
7) MANAUS: O crédito para as fazendas foram restritos por causa de possíveis irregularidades burocráticas. Ademais, o Brasil não tem dinheiro para ficar aí gastando à toa.
8)RIO DE JANEIRO: PF diz que o furto perpetrado na Petrobrás é do tipo comum.
9) BRASÍLIA: ABIN diz que é muita ingenuidade supor que o crime efetuado contra a Petrobrás seja um furto comum.
10) CARAJÁS, PA: Vale privatizada lucra R$20 bi.
11) BRASÍLIA: Vale pagará quase R$10 bi a título de imposto.
12)SÂO PAULO: Desemprego sobe para 8%, diz IBGE.
13)BRASÍLIA: Conselho (?) Monetário Nacional manda elevar verba para o PAC.
14)SÃO PAULO: Lucro do banco ABN Real sobe 45%.
15) BRASÍLIA: O maior juro do mundo foi considerado muito barato. A partir de hoje, sobe.
16) BRASÍLIA: Presidente se declara aliviado pelo alto faturamento dos bancos.
17) BRASÍLIA: Crédito do FAT para empresas cai R$4 bi.
18) MANAUS: "Investimentos em alguns aeroportos, como na Amazônia, não tem rentabilidade", diz ministro da defesa.
19) SÃO PAULO: AMBEV lucra R$3 bi.
20) BRASÍLIA: AMBEV pagará mais de R$1 bi para poder trabalhar por um ano.
21) RIO DE JANEIRO: Oi fatura R$2,5 bi de lucro.
22) BRASÍLIA: O Governo Federal abiscoitará mais de R$1 bi dos cariocas, apenas referente ao lucro da Oi.
23) SÃO PAULO: Natura teve um péssimo desempenho no ano passado.
24) BRASÍLIA: Natura pagará alta soma ao governo para poder recuperar seu mau desempenho de 2007.
25) BRASIL, América do Sul: Produtores de leite se queixam que o valor recebido não cobre sequer os custos da produção.
26) BRASÍLIA: O novo imposto recairá sobre a produção de leite.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Deu pra ti, Sociologia!


Somente os indivíduos sentem-se responsáveis. As coletividades foram criadas para realizar aquilo o indivíduo não tem coragem de fazer.
F. Nietzsche


O método do positivismo sociológico ao apelar para uma teoria sociológica baseada no senso comum não deixa de ser um discurso ideológico e empirista sobre a interpretação da lei.
Luiz Alberto Warat
A razão da cadeira
Para Renè Konig, (Soziologie heute, cit. Goldman, L., Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia: 40) professor das Universidades de Zurique e Colônia, a Sociologia representa "um elemento do processo de autodomesticação social da humanidade".
A idéia de que a política é por um lado uma luta, um combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento essencial de nossa teoria de sociologia política. DUVERGER, MAURICE, Sociologia Política: 27

Von Mises (Ação Humana - Um Tratado de Economia: 112) detonou:
Na construção de sua utopia, o engenheiro social substitui a vontade das pessoas pela sua própria vontade. A humanidade se dividiria em duas classes: de um lado, o ditador todo-poderoso e, do outro, os tutelados, que ficam reduzidos à condição de meros peões de um plano ou engrenagens de uma máquina. Se isto fosse possível, o engenheiro social não precisaria preocupar-se em compreender as ações das demais pessoas. Teria ampla liberdade de lidar com elas, como a tecnologia lida com madeira e ferro.
Nosso Artilheiro Hans Kelsen até colaborou com tais elucubrações, mas se arrependeu. Despediu-se fulminando:
Daí a tendência da sociologia moderna de apropriar-se das leis da biologia, e especialmente da psicologia, e de ver na relação unificadora que transforma uma instituição social a multiplicidade de atividades individuais uma seqüência causal na categoria de causa e efeito. Assim a sociologia baseada na psicologia social procura determinar quanto a dois aspectos a natureza dos fenômenos sociais em geral e das instituições sociais em particular, o Estado em especial. (2)
Envolto em tamanho misticismo, a política dispensou conceitos éticos; mas antes ainda, a "vã filosofia" e o Direito Natural.  Tudo passou à responsabilidade dos "engenheiros sociais", como queria Roscoe Pound (Interpretations of Legal History, 1923; cit. Coelho, L. Fernando, Teoria Crítica do Direito)
De diapasão o Direito desceu ao relés de mero "instrumento", expressão de Rudolf von Ihering, em Teoria do Fim. (NADER, P., p. 55.)
"O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético." (LEONI, Bruno, A Liberdade e a Lei:. 66.)
O Economista austríaco Prêmio Nobel  Friedrich Hayek foi taxativo:
A própria sociologia poderia ser quase considerada uma ciência socialista, por ter sido abertamente apresentada como sendo capaz de criar uma nova ordem no socialismo (Ferri, 1895), ou, mais recentemente que pode prever o desenvolvimento e moldar o futuro, ou de criar a humanidade (Segerstedt, 1969:441). Como a 'naturologia' que outrora pretendeu substituir todas as pesquisas especializadas da natureza, a sociologia prossegue no menosprezo soberano do conhecimento obtido por disciplinas consagradas que há muito tempo estudam estruturas crescidas como o direito, a linguagem e o mercado. (3)
Charlatanice
Os positivistas do século passado chegavam, portanto, a negar a liberdade do homem, que eles consideravam como puramente ilusória, a fim de tornar possível a existência das ciências sociais. Engajavam-se assim em debates filosóficos sem conclusões. Estão hoje ultrapassados, pelo menos no que concerne às ciências sociais.
Duverger, Maurice: 6.
Podem exclusivistas se arvorarem socialistas? A “Crítica da Ciência” não concorda:
Em Sociologia as analogias aconteceram com a utilização de metáforas, tiradas dos organismos, aplicadas à sociedade e às relações sociais. Os organismos e as sociedades talvez pareçam dentro de certos limites; mas os sociólogos que se viciaram nas metáforas a partir de organismos com freqüência vão além dessas semelhanças específicas e acabam por atribuir às sociedades todas as propriedades que existem só nos organismos. (4)
Wittgenstein também liquida com o encadeamento de Newton e Comte. “Quando pensamos no futuro do mundo, visamos sempre o ponto onde ele estará se continuar a seguir o curso que vemos seguir hoje; não prestamos a atenção no fato de que ele não segue em linha reta, mas segue uma curva, e que sua direção muda constantemente.” (5)
É impossível o cálculo de todas as variáveis incidentais, seus pesos específicos, momentos e intensidades de influências, ainda mais antecipadamente.
A Sociologia se apresenta, no mínimo, capenga, limitada. Sorokin qualifica-a “de manifesto caráter reducionista em virtude da ênfase dada a este ou aquele outro fator particular, a partir do qual se pretendia traçar a linha evolutiva e predeterminada dos acontecimentos históricos”. (6)
As principais características do indivíduo no grupo são, portanto, o desaparecimento da personalidade consciente, o domínio da personalidade inconsciente, a orientação de pensamentos e sentimentos em uma só direção mediante a sugestão e contágio, a tendência à realização imediata de idéias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo, é um autômato destituído de vontade. Ademais, pela mera participação num grupo, o homem desce vários degraus na escada da civilização.
Le Bon, cit. Kelsen, Hans, A Democracia: 315
Por volta de 1950, uma enxurrada de teorias encaravam os many worlds (muitos mundos), efeitos quânticos provocados pela Teoria da Relatividade na cabeça dos pesquisadores.
A realidade que subjetivamente podemos enxergar é apenas uma, de tantas existentes.
Se aqui é noite, lá é dia. Se uma moeda mostra cara, ao universo mostra coroa, mas sem antagonismos: “Há infinitos universos paralelos formando ramificações. Em cada um se atualiza uma realidade." (7)
Evidentemente, nada disso se conhecia, sequer se imaginava. O prego ia sem estopa, mas colava.
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - os direitos sociais exigem, para sua realização prática, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.
BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos: 72
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O Caos frente à Sociologia e ao Direito Positivo

Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós.
(Bergier, Jacques e Pawels, Louis,
O despertar dos mágicos, p. 31)

A possibilidade de uma ordem impossível de ser conhecida veio com o matemático francês Henry Poincaré ao fim do século XIX. Traduzidos para nada menos do que seis línguas, aqueles trabalhos foram pautados pela criatividade, excedendo a régua de Descartes, sem perder de vista a realidade. A partir de então, confirmou-se a existência do que se conhece como comportamento caótico. Paul Ormedord comenta a revolucionária ótica de Poincaré:
Mais significativo ainda foi o que ele descobriu em sistemas físicos que aparentemente eram bastante simples. A característica típica do sistema caótico é que é impossível prever seu comportamento a longo prazo, uma propriedade que não pode ser abarcada por uma visão que considera o mundo como uma grande máquina. Segundo esta visão, uma alavanca puxada aqui, neste momento, terá conseqüências em diferentes partes do sistema com o passar do tempo, as quais, dado um entendimento suficiente do funcionamento de uma máquina, podem ser compreendidas em seu todo e acuradamente previstas. Em sistemas caóticos, isso simplesmente não é verdadeiro.(8)
Einstein, além de citar Poincaré em inúmeros comentários, concordava plenamente com a possibilidade do comportamento caótico; para tanto, trouxe o exemplo das condições do tempo. Não custa repeti-lo:
Para dizer a verdade, quando o número de fatores em jogo num complexo fenomenológico é demasiado grande, o método científico falha na maioria dos casos. Basta pensar no tempo atmosférico, em que a previsão até mesmo para uns poucos dias antecipados é impossível... As ocorrências nesse domínio estão fora do alcance da previsão exata devido a variedade de fatores em operação, e não devido a alguma falta de ordem na natureza.(9)
O atual Ministro Tarso Genro detecta um impacto social proveniente de ocorrências surgidas fora do alcance e da previsão exata de economistas e positivistas jurídicos, provocado pelo que os olhos não vêem:
Outras alterações, no plano jurídico, passam a subverter os próprios conceitos de eficácia da norma, da hierarquia entre elas e da sua territorialidade: uma simples regra de caráter secundário numa grande bolsa de Chicago ou Londres pode, não só refletir diretamente - causar efeitos, portanto ter eficácia - na situação de equilíbrio macroeconômico de um país inteiro, como ensejar modificações legais e valorizar ou desvalorizar ativos de todo um ramo industrial. (10)
A engenharia arranjou satélites, microondas, radares e câmeras. Atingimos o intento? Talvez tenhamos melhorado um pouco, mas continuamos incapazes de prever a intensidade da cheia do rio Mississipi, do terremoto japonês, da explosão do Etna. Se fatores sem alma perfazem comportamentos ininteligíveis, por ocorrência simultânea de milhares de incidentes, o que dizer das influências sofridas e expressadas pela gente? Que precisão matemática daí pode advir? Que tipo de sociologia se pode dispor? Como prever tantas interferências?
Com o elemento hipótese praticamente banido até mesmo das ciências humanas, em especial da sociologia, não é de se admirar que apenas há anos se tornasse confirmada a nova ciência, do caos, a incerteza, nos microscópios de W. Heisenberg e Bohr, corroborada pelos testes de M. Planck e E. Schroedinger, por volta de 1925:
“Nos anos 20, os físicos, liderados por Heisenberg e Bohr, constataram que o mundo não é uma coleção de objetos distintos; pelo contrário, ele parece uma teia de relações entre as diversas partes de um todo unificado.” (11)
O vácuo de tempo ocasionado pelas convulsões sociais e principalmente as guerras, todavia, relegaram estas pioneiras constatações a petit comitès. Hoje, a sustentação científica do fenômeno é corroborada por quase todos os pesquisadores contemporâneos, de todos os ramos científicos. Ao verificarmos ecossistemas vemos a teia, a importância de vínculos, a tendência à associação, até à cooperação, elementos ligados por diversas razões ser abdicar sua originalidade, suas característica, sua vocação. Lewis Thomas destaca: “Não somos seres solitários. Cada criatura está, de alguma forma, ligada ao resto e dele depende”. (12)
Graças a Planck, sabemos: “Além da estrutura atômica da matéria, há uma espécie de estrutura atômica da energia” (13), constante universal.
Relata Clemente da Nóbrega:
A coqueluche desencadeada pela Teoria do Caos começou com Edward Lorentz, um meteorologista que no início da década de 1960 trabalhava no celebrado MIT. Lorentz desenvolveu um programa de computador para simular sistemas metereológicos. O computador revelou que minúsculas variações produziam alterações drásticas. Era como se o bater das asas de uma borboleta em São Paulo acabasse desencadeando um furacão em Salvador. A partir daí, esse efeito - de que causas minúsculas podem ter efeitos enormes - ficou conhecido como 'efeito borboleta' e cientistas de diversos outros campos começaram a investigar se havia 'efeitos borboleta' em outros domínios também. E havia. (14)
O “efeito-borboleta” é provocado pelo que se convencionou chamar de “atrator”. Além das conexões locais, pois, existem as não-locais, mas instantâneas e imprevisíveis. São fenômenos que se sujeitam, como tudo, à relatividade e à realidade quântica. Lembrando a fusão do EspaçoTempo na fórmula de Einstein, eventos expressam influências remotas e futuras de todo o Universo. A isto se referem, com outras palavras, (quiçá variando um pouco pelo temor da “morte”) as doutrinas religiosas.
James Gleick, em Chaos- the making of a new science, (1987) traduzido como Caos: o Nascimento de Uma Nova Ciência, (1991) chama atenção às atuais preocupações:
Cientistas de hoje procuram saber como os sistemas se comportam na turbulência, como a ordem evolui de condições caóticas e como os sistemas de desenvolvimento alcançam níveis elevados de diversidade. Essas indagações são extremamente pertinentes para as companhias e a economia. Livros sobre gerenciamento falam como 'prosperar no caos'. (15)
Nas ciências humanas, especificamente na produção legislativa, F. Von Hayek, da Escola Austríaca de Economia, em meados do século, propôs qualquer coisa semelhante, a qual tratou de Cosmos:
Uma ordem existente, ou que se formou independentente de qualquer desejo humano, constitui uma ordem espontânea, ou um cosmos, denominação advinda do grego antigo que alguns filósofos políticos modernos recomendam para distinguir a ordem espontânea da ordem artificial, construída, projetada, sistemática ou não espontânea, que chamam taxis. Para formar um cosmos comum as pessoas só precisam, pois, concordar com regras abstratas (normas gerais de conduta aplicáveis em número incerto de casos futuros) enquanto que para formar uma organização elas precisam ou concordar ou ser forçadas a aceitar uma hierarquia de objetivos predeterminados. Portanto, somente um cosmos pode constituir uma sociedade aberta, enquanto que uma ordem política concebida como uma organização taxis será fechada, tribal. (16)
Outro espelho de eficiência e eficácia caótica da ordem espontânea, o qual nada mais é do que o Laissez-Faire, Michel Serres trouxe do comportamento das formigas:
Consideremos uma colônia de formigas cujo movimento, aparentemente browniano, vai aparecer agora, após longo tempo, ordenado na construção de um formigueiro. Esse último é uma obra gigante com relação a dimensão dos indivíduos, e uma obra bastante regular com relação a desordem do vaivém deles. (17)
George Herbert Mead (1863-1931, A filosofia do ato: 153; cit. Abbagnano: 29)) e Dewey bem souberam captar:
A comunidade fala-lhe com uma mesma voz, mas cada indivíduo fala partindo de um ponto de vista diferente; no entanto, estes pontos de vista estão em relação com a actividade social cooperativa e o indivíduo, ao assumir sua posição, encontra-se implicado, devido ao próprio carácter da sua resposta, nas respostas dos outros.
Descolarizando

O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é muito mais ingênuo como a sociedade do que como indivíduo. A sociedade jamais considera outro modo a virtude senão como meio para atingir a força, a potência, a ordem.
F. Nietzsche, Vontade de Potência - Parte 2 : 276.)
Ao redor de 1970 Ivan Illich propôs “descolarizar a sociedade”, substituindo-a por redes de descolarização. (18) Illich ainda invocava todas as formas de auto-decisão política como o legítimo direito “É decidir por si e para si mesmo”. Este “reequipamento” e esta “restruturação” da sociedade constitui, para ele, a nova tendência no âmbito da civilização industrial.
O pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Ronaldo Entler, tem se dedicado a pesquisar caóticos na produção artística e no uso dos novos sistemas de comunicação. Em suas observações, percebeu claras similaridades entre sistemas dinâmicos das ciências físicas e as teias de informação da Internet.
A rede oferece acesso a diferentes assuntos, todos interligados, em ordens que não obedecem necessariamente aos catálogos das bibliotecas e aos processos de pesquisa convencional", analisa. "A maneira como se trilha o caminho da informação acaba por alterar as indagações do pesquisador e o resultado final de seu trabalho". Em seu trabalho O Caos na Rede e a Ruptura das Hierarquias, Entler destaca a interdisciplinaridade como virtude de um novo padrão de construção do conhecimento. Na Internet, as informações não estão necessariamente arquivadas como nas estantes de uma livraria. Na busca por um dado, esbarra-se ao acaso em uma série de informações correlatas, muitas vezes capazes de enriquecer o estudo em curso. "A situação sugere que o pesquisador se coloque sensível aos eventuais novos caminhos, apontados no próprio trajeto.
Admitiam-se como científicos ou legítimos só aqueles conceitos “derivativos da experiência”; isto durou séculos. A tortuosa, estreita e escura estrada já acabou:
“Os positivistas modernos tem condição de ver mais claramente que a ciência não é um sistema de conceitos mas, antes de tudo, um sistema de enunciados.” (19)
A moderna filosofia, além de muito mais humana, mais sensível, “existencial”, também é liberal, natural e democrática. A nova geração sabe disso:
A civilização emergente estabelece um novo código de comportamento para nós e nos transporta para além da padronização, da sincronização e da centralização, para além da concentração de energia, dinheiro e poder. Essa nova civilização tem sua própria e distinta concepção de mundo, maneiras próprias de lidar com o tempo, o espaço, a lógica, e a relação de causa e efeito. (20)
Percebemos a anemia científica da sociologia no reconhecimento, até autocrítica, deste que se fez grande artífice da democracia contemporânea, o também francês Maurice Duverger:
“A Sociologia não é completamente científica”. (21)
Joseph Needham também reconheceu - a pretensão sociológica é equivocada, porque proveniente daquele mecanicismo newtoniano:
As coisas comportam-se de certas maneiras não necessariamente por causa de ações ou impulsões prévias de outras coisas, mas porque sua posição no universo cíclico em constante movimento era tal que elas foram dotadas de naturezas intrínsecas que tornaram esse comportamento inevitável. (22)
O Novo Mundo

Em contraposição a Hegel e toda a ala da supremacia estatal, defende Bergson o valor supremo da individualidade humana. Qualquer espécie de sociedade é um meio, e não um fim em si mesma.
BERGSON, Henri, cit. ROHDEN, H., A 1993, Vol II: 206.
A sociedade e a natureza se desdobram na complexidade crescente:
Assim, descobriu-se recentemente que na natureza tudo está subordinado a uma ordem, até mesmo os fenômenos confusos, sem nexo, totalmente imprevisíveis. Esta ordem 'superior' é capaz de explicar eventos aparentemente randômicos - não importa se se trata de bolsa de valores, da mudança na temperatura de nosso planeta, ou da maneira que nos formulamos nossos pensamentos - e que podem ser expressos tanto em fórmulas matemáticas e físicas, quanto em belas imagens (os chamados fractals) disformes, mas com uma atraente irregularidade. Todos esses eventos tem algo em comum: o fato de serem atraídos a certos estados da natureza, o que lhes dá unidade, se bem que disfarçada. A nova regularidade dos fenômenos deu origem a uma nova ciência, que tem o “caos” como tema central e, na qual um dia, deve se enquadrar a teoria das ondas. (23)
Nesta teoria de ponta talvez pudéssemos identificar a velha constatação de Adam Smith, elaborada no século XVIII, da ação da Mão Invisível a qual regula, melhor do que qualquer dispositivo, a sociedade, e os preços pelas quais ela se relaciona:
O esforço natural de cada indivíduo para melhorar suas própria condição constitui, quando lhe é permitido exercer-se com liberdade e segurança, um princípio tão poderoso que, sozinho e sem ajuda, é não só capaz de levar a sociedade à riqueza e prosperidade, mas também de ultrapassar centenas de obstáculos inoportunos que a insensatez das leis humanas demasiadas vezes opõe à sua atividade.
SMITH, A. cit. DOWNS: 56
Consubstancia-se com a singela proposição de TOCQUEVILLE ( 1997: 18):

Os interesses dos indivíduos se compensam entre si e o produto final coincide com o interesse da comunidade. Em outras palavras, a consciência do indivíduo é árbitro e condutor tanto do interesse público quanto do privado, que não é obra do acaso.
O poder da minoria
A sociologia, que pretendeu ser científica ao trabalhar com amostras de população e de acordo com métodos matemáticos, fracassou até no campo da cientificidade. Seus resultados não têm nenhum valor cognitivo ou de prognóstico. Por isso é que estamos numa crise de sociologia.
Brian, D: 28
Se demoramos mais de dois séculos para entender ADAM SMITH, um para EINSTEIN, e não sei quanto precisará alguém para deixar de ser bobo e se inteirar pelo menos de BOBBIO. (Sorry) Há mais de meio apregoava o socialista BERTRAND RUSSELL (Ideais Políticos: 10):
"Não um único ideal para todos os homens, mas um ideal diferente para cada homem é o que deve ser alcançado, se possível."
"Isto faz dos seres vivos elementos numa vasta rede de inter-relações que abarca a bioesfera de nosso planeta – que em si mesma é um elemento interligado dentro das conexões mais amplas do campo psi que se estende pelo cosmos." (LASZLO: 198)
A crise da sociologia pode ser real ou imaginária, mas não há dúvida de que tem sido proclamada por muitos. Em 1946, na aula inaugural pronunciada na London School of Economics and Political Sciences, T. H. Marshall se mostrou preocupado com a “encruzilhada” na qual se encontrava a sociologia. As tarefas práticas eram urgentes e os recursos teóricos pareciam inadequados. As interpretações herdadas dos clássicos seriam insuficientes para fazer face às urgências da reconstrução social. Em lugar das teorias globalizantes, caberia formular “pontos de apoio intermediário”, de modo a atender aos desafios imediatos, localizados, setoriais, quotidianos, de normalização e ordenamento dos problemas sociais.
IANNE, Octávio, A crise dos paradigmas na Sociologia - Problemas de explicação
O desenvolvimento econômico e político requer ser redescoberto e readaptado a partir da cabeceira, retorno ao Estado Liberal, como predisse, já há aproximadamente 30 anos, M. Fergunson:
“Aproxima-se uma revolução. Não será como as revoluções de antanho. Partirá do indivíduo e da cultura e só transformara as estruturas políticas em última instância. Não terá a necessidade de recorrer à violência para impor-se e a violência não poderá sustê-la.” (24)
Houve duas revoluções de antanho similares, não lembradas por Fergunson: a Revolução Gloriosa, de 1689; e a Queda do Muro, 1989. Ao fechar o século, como efeito da compreensão dos limites das ciências, da teoria do caos e das revoluções subversivas, o Parlamento da Inglaterra, curiosamente com predomínio trabalhista, rende-se totalmente aos princípios liberais, eu diria “lockeanos”, o que Roy Jenkins chama de “a sociedade civilizada”:
“Indivíduos diferentes desejam tomar decisões diferentes dizendo respeito ao seu comportamento individual; sob condição de não restringir a liberdade de outrem, devem poder fazê-lo num quadro de compreensão e tolerância”. (25)
Ora, ora, não é o mesmo que diz, em 94, Alvin Toffler:
“Tolerância ao erro, ambigüidade e, sobretudo, diversidade, apoiadas por senso de humor e de proporção são requisitos indispensáveis à sobrevivência ao arrumarmos a nossa mala para a maravilhosa viagem ao próximo milênio.” (26) E, logo adiante, a importantíssima constatação, onde resplandece a importância do indivíduo e de sua pequena comunidade:
“O primeiro princípio herético de governança da Terceira Onda é o fato do poder da minoria. Ele sustenta que o poder da maioria, o principal legitimador da Segunda Onda, está progressivamente obsoleto. Não são as maiorias que contam e, sim, as minorias”. (27)
A França reconhece o brilho, presta homenagem ao princípio de Locke e volta ao futuro:
“Depois de erguidos o Arco do Triunfo e a torre Eiffel, um projeto francês pretende criar o primeiro símbolo verdadeiramente global – no espaço. É a Estrêla da Tolerância, uma nave que usa um conceito revolucionário: a propulsão por vento solar.” (28)
Os pesquisadores se debatem pela reversão:
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de 'contingência', 'irritação', mesmo desordem. De acordo com o 'novo paradigma luhmanniano', 'na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência'. Não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja 'interiorizar a complexidade' irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur Autonomie. (29)
No país de Morin, Bachelard, Gèny, Serres, Bergson, e Chardin, a Sorbonne não rebentou o busto de Comte, como fez a Rússia com o de Marx; sintomaticamente, porém, ela o deslocou:
Durante dez dias recarreguei as baterias em Paris, no Quartier Latin, que freqüento há quase 50 anos. A não ser a mudança do monumento a Augusto Comte da frente da Sorbonne para sua direita, desobstruindo a visão da fachada da Universidade, não noto qualquer mudança notável. (30)
Parada a Sociologia, incinerada sua carga letal, uma Individuologia, que tal?

Aprecie:

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O conto de Comte

Arte & ofício de Durkheim

O grave dano social cartesiano

A falha de Einstein

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Notas
1. Warat, Luiz Alberto, Mitos e Teorias na Interpretação da Lei, p. 82.
2. Kelsen, Hans, A Democracia, p. 304.
3. Hayek, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal, p. 76.
4. Deus, Jorge Dias de, org., p. 203.
5. Wittgenstein, Ludwig, (1989-1951) Tratactus Lógico-Philosphicus, publicado no Brasil pela Edusp, cit. Prado Jr., Bento, Folha de São Paulo, 8/6/1997, Mais!, p. 5.
6. Sorokin, Pitirim A., La Sociológie au XXe Siecle, p. 96 e seguintes.
7. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 20.
8. Ormerod, Paul, Morte da Economia, p. 51.
9. Einstein, Albert, Einstein Por Ele Mesmo, p. 94.
10. Genro, Tarso, Direito e Globalização, Jornal do Comércio, Porto Alegre, 12/12/1996, p. 26.
11. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas com pessoas notáveis, p. 15
12. Thomas, Lewis, The Lives of a Cell, p. 6.
13. Planck, Max, cit. Einstein, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião, p. 241.
14. Lorentz, Edward, cit. Nóbrega, Clemente,, p. 235.
15. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 74.
16. Hayek, Friederich Von, The Confusion of Language in Polítical Thought, London, 1968; cit. Maksoud, Henry, Demarquia Um Novo Regime Político e Outras Idéias, p. 83/84.
17. Serres, Michel, cit. Descamps, Christian p. 101.
18. Illich, Ivan, cit. Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política, p. 454 e segs.
19. Popper, Karl, A Lógica da Pesquisa Científica, p. 35.
20. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 118.
21. Duverger, Maurice, Sociologia Política, p. 198.
22. Needham, Joseph, Science and Civilization in China, p. 279.
23. Richers, Raimar, Surfando as Ondas do Mercado, p. 21.
24. Fergunson, Marylin,
Conspiração Aquariana.
25. Jenkins, Roy, cit. Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política, p. 440.
26. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 113.
27. Idem.
28. A idéia, que está sendo desenvolvida pela ESA (Agência Espacial Européia) foi criada por Nersi Razavi, cientista da empres Phenix. Ele apresentou seu trabalho no 51. Congresso Internacional de Astronáutica que terminou Sexta-feira no Rio de Janeiro. (Folhaciência, Vento solar impulsiona nave espacial. - Folha de São Paulo, 8/10/2000, p. A27.
29. Luhmann, N., cit. Andrade, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: Uma Perspectiva Jurídico-criminal, p. 26.
30. Correio do Povo. - Porto Alegre, 15/6/1997, p. 4.

Homem-Aranha dá show em Sampa

.
ESPETÁCULO INUSITADO assistiram paulistanos e turistas que passavam pelo tradicional Terrasse Itália, nas cercanias da sofisticada Augusta. Valendo-se das ranhuras, e desprovido de qualquer equipamento de segurança, um francês nos brindou com sensacional escalada através dos 46 andares do monumento. Lá em cima já aguardava o indefectível batalhão militar. Diante do ineditismo, não há prévia cominação legal para tal aventura, mas logo arrumaram o enquadramento: ele estava colocando sua vida e a
dos pedestres em risco. ..............
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Todos que tiveram o privilégio de acompanhar a inesquecível proeza foram unânimes em salientar a perícia do voluntário, mas o sabre não tolera confusão. De nada adiantou o simpático homem-aranha ser ovacionado pelas milhares de pessoas ali presentes. Tampouco foi forte o argumento de que no alto ele estava justamente preservando a sua vida, porque livre dos assaltos e do trânsito maluco que envolve a paulicéia.

Jean Robert tem 46 anos, é casado, possui três filhos, e a família não o apoia. O intrépido aventureiro faz-se acompanhar de um fotógrafo. Em suas andanças pelo mundo, já visitou 76 países, já por trinta anos de subidas, sempre muito bem patrocinado. Ele já esteve no Brasil. O prédio da FIESP, em plena Paulista, desde 1996 tem lá suas digitais.
De modo completamente arbitrário, como convém à repressão, Jean Robert teve seu passaporte aprendido, e não retornará à França na noite de hoje, como era seu intento. Por certo as otoridades apreciaram a pitoresca figura, tanto que seu documento internacional foi aprendido, assim lhe obrigando a permanecer entre nós.
Agradecemos o prolongamento da estada, mesmo a manu militaire, na esperança de que o sorridente atleta carreie ainda mais algum rescaldo de sua alegria.

Espaço ao Acaso

Não se compreende o Direito Objetivo
a não ser em razão do Direito Subjetivo.

GADAMER, H.G.
(1)

NA TENTATIVA da busca sistematizada, seriada, o avanço positivista sempre depende do antecedente, do passo que o precede. O conceituado professor L.F. Coelho de certo modo discorda com tal método:"Direito não é o passado que condiciona o presente, mas o presente que constrói o futuro.” (2) (No que ouso discordar parcialmente de tão capacitado mestre. A Ética precede o Direito; e o futuro faz-se per se) E por ser expressão do passado, em que pese augurar o futuro, a doutrina positivista se frustra pela maior velocidade e amplitude do último. Não obstante, o parco conhecimento do que é ou do que foi, geralmente apenas impressões, não abre, automaticamente, a porta do devir: “Não se pode fundar a possibilidade de raciocinar do passado para o futuro na asserção de que, como até agora (passado) essa inferência deu resultados, voltará a dar os mesmos resultados (no futuro).” (3) Von Mises reforça:
O tema de todas as ciências históricas é o passado. Elas não podem ensinar algo que seja aplicável a todas as ações humanas, ou seja, aplicado também ao futuro. As ciências naturais também lidam com eventos passados. Toda experiência é uma experiência de algo que já passou; não há experiência de acontecimentos futuros. A informação proporcionada pela experiência histórica não pode ser usada como material para a construção de novas teorias ou para a previsão de acontecimentos futuros. Toda a experiência histórica está aberta a várias interpretações e, de fato, é interpretada de várias maneiras. É impossível reformar as ciências da ação humana obedecendo a padrões de física ou de outras ciências naturais. Não há possibilidade de estabelecer a posteriori uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. Os postulados do positivismo e escolas metafísicas congêneres são, portanto, ilusórios. (4)
Pois as leis físicas garantem a incerteza da órbita do elétron! Estas "ciências humanas é que tem, necessaria e humildemente, se amoldarem às implacáveis condições da natureza, senão será sempre artificial.; por conseguinte, de prazo limitado. Vejamos o que nos diz, por outras belas palavras, Deepak Chopra:
A busca de segurança é uma ilusão. Para a tradicional sabedoria ancestral, a solução deste dilema está na sabedoria da insegurança, ou na sabedoria da incerteza. Isso quer dizer que a busca de segurança e de certeza é na verdade, um apego ao conhecido. E o que é ele, afinal? O conhecido é nosso passado. O conhecido nada mais é que a prisão dos velhos condicionamentos. Não há nenhuma evolução nisso - absolutamente nenhuma. E quando não há evolução, há estagnação, desordem, ruína. (6)
Vale transcrevermos as expressões do sacerdote-cientista Pierre Teilhard de Chardin:
Cada ciência, é claro, deve debruçar-se sobre o capítulo de sua competência. Mas qual delas nos proporciona uma visão de conjunto, revelando uma significação, sentido... o tecido do acontecimento? E como fará se o livro ainda está se escrevendo e não foi lido? (7)-
O comprometimento da sociologia

O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é muito mais ingênuo como sociedade do que como 'indivíduo'. A 'sociedade' jamais considerou outro modo de virtude senão como meio para atingir a força, a potência, a ordem.
NIETZSCHE, Friedrich,
Vontade de potência - Parte 2: 276
A cátedra tem o escopo de a tudo prever. Por prepotência e designação de raiz, todavia, peca em desprezar detalhes, individualidades. Desconhecendo seu objeto, torna-se desacreditada:

A sociologia, que pretendeu ser científica ao trabalhar com amostras de população e de acordo com métodos matemáticos, fracassou até no campo da cientificidade. Seus resultados não têm nenhum valor cognitivo ou de prognóstico. Por isso é que estamos numa crise de sociologia. (8)
Pode-se acreditar que possuia Comte, pelo menos, alguma intuição do que se punha a orientar? Respondemos com o insólito fato trazido por Brian:
Em 1844, Auguste Comte previu que o homem nunca iria conhecer a composição das estrelas e dos planetas e que isso permaneceria um eterno mistério. Apenas dois anos após a morte de Comte, em 1857, Kirchhoff provou que ele estava errado, ajudando a desenvolver o espectroscópio. (9)
Quem, todavia, conhece Kirchhoff?
Não se pode afirmar que havia incoerência:
“Ao considerar a Sociologia como ciência positiva, [Comte] admitiu a existência de certas constantes e regularidades nos fatos sociais que lhe permitiam a indução de leis objetivas e válidas como na física.” (10)
As instituições se curvaram diante da estupenda avalanche mecanicista, forjada coincidência. Na estratégia de Bacon - “Ciência, logo previsão; previsão, logo ação”- cabia à Ciência Política, desenhar o futuro, “a fim de evitar qualquer ação inútil, efêmera ou perigosa” (11).
Vale a lembrança de Proudhon:
“A política é uma ciência, não uma estratégia e a função do legislador se reduz, em última análise, à procura metódica da verdade.” (12)
O que Proudhon não menciona é que o legislador, numa democracia, antes de sê-lo, precisa da estratégia para a própria eleição; no cargo, precisa dela para manutenção de seu status - quer dizer: no exercício democrático de poder concentrado é quase impossível dissociar a estratégia da ciência, a ideologia, da procura e aplicação metódica da verdade. Se queremos ciência, mister observarmos o mestre Einstein:
“Podemos ter o conhecimento mais claro e completo do que é, sem contudo sermos capazes de deduzir disso qual deveria ser a meta das nossas aspirações humanas.” (13)
-
A presença do acaso
Um contemporâneo de Einstein já percebia:
Nos sistemas não-lineares existe um aspecto muito significativo das bifurcações ou pontos de crise que ressalta muito bem o tempo como meio de inovação para o qual o filósofo Henry Bergson tanto procurou chamar a atenção em seus trabalhos. O papel crucial do indeterminismo, das flutuações ao acaso, é controlar o desfecho que se dá nos pontos de crise que faz do tempo uma entidade inovadora: entre um estado estável e o seguinte, o futuro do sistema inteiro está nas mãos precárias do acaso, ao contrário do passado do sistema." (14)
O professor Luiz Carlos Meneses, em programa de tv recente (Diálogos Impertinentes,TV SENAC/SP), testemunha com impecável espírito: “O acaso existe, graças a Deus!”.
José Eduardo Faria põe sua colher:
Tanto o Direito como a Política jamais poderão ser reduzidos aos esquemas axiomáticos-dedutivos, expressos pelas ciências exatas, as quais se caracterizam por conter um elemento interno de coerção, que as torne indiscutíveis - mas sim, com um repertório de topoi, ou seja, certas fórmulas de procura - para usar as palavras de Viehweg, pontos de vistas universalmente aceitos e utilizados, empregados tanto a favor como contra e parecem conduzir a verdade. (14)
Tocqueville, demonstrando uma noção da relatividade provada por Einstein, já criticara a analogia do grande barco e sua quilha, trazida por Bodin e incrementada por Comte:
“O legislador parece o homem que traça sua rota no meio dos mares. Ele também pode dirigir o barco que o transporta, mas não poderia mudar sua estrutura, criar os ventos, nem impedir que o Oceano se erguesse a seus pés.” (15)
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O fim do conto
Não por acaso entende Popper:
“Em meu Poverty of Historicism sustento (no prefácio) que a ampliação de nosso conhecimento não pode ser prevista através de meios científicos, sendo conseqüentemente imprevisível o futuro curso da História” (16)
Caro Baroja diz que “o intento de racionalizar o porvir é obra de nossos tempos, talvez mais perigosa que a piromancia, a hidromancia ou a oneirocrítica”. (17)
Físico que se preze não se mete a predizer condições atmosféricas ou a dispor sobre aerodinâmica em altas velocidades. Muito menos um sociólogo pode vaticinar e dispor sobre o futuro; exceto Comte:
Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores? (18)
Canguilhem emparelha:
Augusto Comte fica obcecado pela idéia de determinar especulativamente as leis da normalidade. Assim, um de seus amigos positivistas imagina recolher a urina nos banheiros de uma estação de trem onde passam pessoas de todas as nações. Ele quer efetuar a análise da “urina média dos europeus. (19)
Augusto Comte, cujas idéias hoje fossilizadas são simples curiosidade nos museus filosóficos, pertencia à perigosa espécie dos que se julgam donos da verdade e se auto-atribuía uma missão que o levou à beira da loucura. Suas idéias eram uma mistura de messianismo e dogmatismo: uma monomania pseudocientífica. A política devia obedecer a critérios científicos, impostos por uma minoria de especialistas. A representação política não tinha qualquer valor; o único que importava era a competência. A política “científica” consistia em fazer de cada indivíduo um funcionário social, totalmente subordinado ao poder. Nada mais estranho ao pensamento de Comte do que a noção liberal de direitos individuais: 'Todo direito individual é uma abstração, a sociedade é a única realidade'. Nada de divisão de poderes: o Legislativo e o Judiciário deviam ser inteiramente subordinados ao Executivo. Tudo para o Estado, nada para a sociedade; em suma, um completo sistema de despotismo espiritual, político e social. (20)
Miguel Reale sela o sepulcro do mito:
É sabido que Augusto Comte não teve uma compreensão plena e segura do fenômeno jurídico, tendo seu espírito dominado por um determinado tipo de ciência do direito e por uma determinada espécie de jurista: o filósofo de Montpellier tinha diante dos olhos uma Jurisprudência formalista e convencional, enclausurada no mundo dos conceitos e dos silogismos, distante das mutações sociais, por força de sua fundamental inspiração racionalista e abstrata. Pelas mesmas razões, não concebia ele o jurista senão um 'leguleio' divorciado das realidades humanas, apegado em demasia ao casuísmo, perdido no sonho de subordinar o devir histórico a regras estereotipadas e frias. (21)
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Notas
1. Elogio de la teoria, Barcelona, 1993; cit. Andrade, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: Uma perspectiva jurídico-criminal, p. 24.
2. Coelho, Luis Fernando, Lógica Juridica e Interpretação das Leis, cit. Reale, Miguel, O Direito Como Experiência, p. 294.
3. Silva, Porfírio, p. 23.
4. Von Mises, Ludwig, Ação Humana - Um Tratado de Economia, p. 72.
5. Chopra, Deepak, As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 77.
6. Chardin, Teilhard, cit. Archanjo, Ph.D. Prof. José Luiz, p. 49.
7. Morin, E., p. 87
8. Brian, D, pg 28
9. Nader, Paulo, , p.174
10. idem, p. 15
11. Proudhom, J., cit. Woodcock, G., p. 61
12. Einstein, Albert, cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 143.
13. Bergson, Henry, cit. Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 187.
14. Faria, José Eduardo, Justica e Conflito, Os juizes em face dos novos movimentos sociais, p. 87.
15. Tocqueville, A, A Democracia na América, p. 185.
16. Popper, Karl, A Lógica da Pesquisa Científica, p. 307.
17. Baroja, Caro, cit. Goytisolo, Juan Vallet de, p. 86.
18. Comte, Augusto, cit. Von Mises, Ludwig, p. 31/32.
19. Comte, Augusto, cit. Canguilhem, Georges, Cahiers pour l'analyse; cit. Descamps, C., p. 88.
20. Freitas, Décio, As ditaduras gaúchas, Zero Hora, Porto Alegre, 1/11/1996, p. 27.
21. Reale, Miguel, Pluralismo e Liberdade.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Jogo de Xadrez & Educação



vantagem competitiva de uma sociedade não virá da eficiência com que a escola ensina a multiplicação e tabela periódica, mas do modo como estimula a imaginação e a criatividade. EINSTEIN, A., cit. ISAACSON, W.: 26
O aprendizado à profissão, a educação física, e em algumas o ministério religioso constituem a função das escolas. Tirante a última, a qual considero mera ideologia, e como todas, capciosa, à qualificação ao trabalho não podemos nos insurgir. Ea destreza, a rigidez muscular, a força, o fôlego, a persistência, a endorfina decorrente, e vários outros predicados tornam as atividades físicas prazeirosas e necessárias. As escolas remetem as mentes à preocupação com o Reino Celestial, cuidam do corpo, profissionalizam, e desse modo dispõem o ser à função social,, mas raras se atém desenvolver a arte, a intuição, o intelecto.
Os bens são adquiridos com dedicação; porém, não há empenho algum pela pessoa que os vai possuir. Erasmo de Roterdã, De Pueris: 27.
Tamanha desídia reflete o sucesso da alienação
O que você diria hoje do grande número de estudantes que consideram o saber como meio utilitário, como um meio de se tornarem uma engrenagem na máquina econômica e social? Os estudantes da máquina de que você fala fazem o que lhes mandam fazer. Adultos construíram essa máquina, essa ratoeira, esse labirinto. Num labirinto onde os ratos se perdem, as pessoas não dizem, ao observá-los 'os ratos estão loucos'; dizem 'construiu-se um labirinto para deixar os ratos loucos'. Em muitos países, o ensino foi construído para deixar os estudantes não muito felizes. SERRES, MICHEL, De duas coisas, a outra; cit. DERRIDA, J.: 67
O jogo de xadrez pode encaminhar a gente, e de modo divertido, atraente, prazeroso. No entanto, talvez alguma rara exceção, entre nós não figura no curriculo pedagógico. Tive a sorte de contar com um avô aficcionado, e ele, com um parceiro até seus últimos dias.
O que a cultura americana faz de melhor? É a preocupação que os pais têm com o que os filhos fazem fora da escola. A maioria das instituições possui clubes de xadrez, debate, inovação e fazem visitas a museus e galerias de arte”, disse o professor ao explicar sobre um grupo de japoneses que buscou junto às escolas dos Estados Unidos o motivo para o empreendedorismo dos americanos. Papel de professores é questionado no Fórum da Liberdade
 O pequeno quadrilátero qualifica e vai nos aprimorando no decorrer de toda a vida. Até a hora fatal, estimula o pensamento, naturalmente o raciocínio, a reflexão, a arte, o cavalheirismo, a cortesia, a ética, o respeito, e até o amor às regras. Por se valer constantemente da memória, a consciência pode exercitar quiçá seu principal atributo, aliás o que nos diferencia de todas outras espécies. Seu cultivo minimiza até mesmo doenças senis, tais como o intolerável Mal de Parkinson.
Há até quem dele retire proventos. Não são poucos os profissionais que faturam milhares de dólares em competições internacionais.  A França patrocina competições e sugere às autoridades acadêmicas que incentivem o ensino do xadrez como atividade “sócio-educativa”, como atividade de “estimulação cognitiva” e como “estudo dirigido”. A U.R.S.S. apresentou os célebres Karkov e Kasparov. Na Holanda o estudo é reconhecido oficial, já no primário.
Nos últimos anos, o tema 'xadrez e educação' tem estado presente nos debates institucionais. Se em países desenvolvidos a utilização de jogos de estratégia em salas de aula já se encontra perfeitamente aceitável, o mesmo não se pode afirmar, salvo algumas exceções, quanto aos países em desenvolvimento, entretanto, no Brasil, a implantação do xadrez nas escolas já é vista como fundamental por pedagogos e coordenadores, e isto vem sendo feito, mas mais especificamente nos últimos quinze anos. No estado do Paraná o projeto encontra-se em fase bastante avançada, sobretudo pelos esforços do grande mestre Jaime Sunye Neto e de sua equipe de trabalho. Em Curitiba já existem torneios que mobilizam mais de oitocentas crianças em cada etapa, e em todo estado estima-se que o número de alunos envolvidos com o xadrez passe de quinhentos mil. www.cdof.com.br/xadrez
Os Jogos de Tabuleiros são considerados ciência (tem sido investigado por áreas como psicologia, pedagogia, história, matemática, informática, entre outras), arte (ao realizar uma bela partida experimenta a sensação estética similar à sentida ante uma obra mestra da pintura ou da música) e esporte (pelo seu caráter competitivo, cooperativo). O xadrez é reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional – COI –, como modalidade esportiva desde 1999). A Fide (Federação Internacional de Xadrez), com sede na Suíça, é a segunda maior federação esportiva do mundo, com 161 países filiados, ficando atrás somente da Fifa. PROJETO ESCOLAR -

Esse jogo cria uma disciplina, a relação entre as crianças é diferente, mais harmoniosa, e tem o conflito, que ajuda a amadurecê-las, mas não confrontos", conclui a pedagoga. E durante as partidas, concentradas nas estratégias das próximas jogadas das peças no tabuleiro, as crianças ficam quietas. Bom para elas, para os professores e para os familiares. Pedagoga Solange Ferreira, Estadão, 28/9/2008
Da invenção
O grão-vizir, principal conselheiro do rei, na falta de guerras entendeu distraí-lo, e inventou um jogo. A peça mais importante era também um rei, e a segunda, naturalmente, o grão-vizir. Tanto quanto nas pelejas, ganhava o confronto quem capturasse o rei inimigo, e por isso o jogo se chamava, em persa, shamat - sha, de rei, e mat, de morte. Os anglo-saxões adaptaram o lance final, designando-lhe checkmate. Em russo permanece a grafia original, uma expressão que se coaduna com seu viés revolucionário.
Peças e movimentos, as regras, enfim, foram se aperfeiçoando. O grão-vizir foi trocado por uma rainha, dona de poderes muito mais contundentes, terríveis mesmo. Ademais encostou a Igreja, com seus bispos salvadores, em diagonais. A dinâmica cavalaria e as torres de segurança permaneceram, bem como os peões, sempre os mesmos, coitados, os primeiros que sucumbem.. A qualquer movimento de peças, corresponde antecipada meditação. A lógica matemática ocupa lugar preponderante. O ato requer planejamento, técnica executiva, precisão, estabelecimento de metas, estratégias, persuasão, sangue-frio, até condicionamento dos reflexos, ainda que em cada jogada se tolere algum tempo para maturar o objetivo, mas não muito. Diferentemente de uma empresa, contudo, e até da vida, uma vez tocada a peça, não se admite o retorno. A responsabilidade é plena, mas há compensações.
Disciplina o cérebro
O xadrez é a ginástica da inteligência 
Goethe  
Jogos são ferramentas com grande potencial para o ensino, não só de ciências, mas em diversas áreas. O motivo é a criação de ambientes propícios à simulação e experimentação, que estimulariam a interpretação dos resultados obtidos.Eduardo Galembeck, prof. do Instituto de Biologia, Unicamp
"O processo de reflexão que o jogo promove ajuda no desenvolvimento e fixação do conteúdo. É a metacognição, o pensar sobre o pensar, com a verificação das decisões e resultados obtidos." (Cesar Nunes, diretor executivo da Oort Tecnologia e coordenador do Laboratório Didático Virtual na Escola do Futuro da USP)
O tabuleiro pode bem auxiliar crianças hiperativas. Rafael Vinha tinha poucas amizades, notas baixas na escola e não conseguia prestar atenção nas aulas ou em filmes. Quando foi confirmado o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Rafael iniciou um tratamento que incluía, além de medicamentos, aulas de xadrez. "O jogo exige concentração e isso ajudou na minha vida", diz ele, que hoje com 13 anos sonha em ser veterinário. (www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080928/not_imp249572,0.php)
Seriam bizarras, contudo, as corriqueiras avaliações sobre o desempenho, o desenvolvimento do aprendiz. durante o lapso estipulado. Nada pode ser obrigatório. Sempre haverá quem não encontre a menor afinidade. não se disponha a pensar sobre qualquer abstração, que dirá um estratificação par excellence.   Para não favorecê-lo com total liberdade, assim inclinando a preguiça geral, é prudente manter, pelo menos, mais uma ou duas atividades extra-curriculares à disposição.
O enfrentar das adversidades
Nenhum jogador de xadrez jogará jogos medíocres. Desse modo, a aptidão pode contribuir para a virtude.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 193
No tabuleiro se aprende a sobrepujar intempéries, casos fortuitos, pelo menos enfrentá-los com maior ímpeto e destreza, em situações aparentemente intransponíveis pela carência de peças. A imaginaçãocopiloto Einstein. sempre é aguçada, estimulada. É ingrediente preponderante. O embate proporciona a evolução dessa que é até mais fundamental do que o próprio conhecimento, e assim atende a relevância também enaltecida, paradoxalmente, pelo maior dos cientistas, nosso copiloto: "A vantagem competitiva de uma sociedade não virá da eficiência com que a escola ensina a multiplicação e tabela periódica, mas do modo como estimula a imaginação e a criatividade." (EINSTEIN, A., cit. ISAACSON, W.: 26)  
Um dado que o diferencia dos demais jogos  muito me apraz. Mesmo estando em desvantagem numérica e mesmo de posição,  um ou dois lances podem virar o jogo, até um xeque-mate.
Devaneio
Das qualidades necessárias ao xadrez, Iaiá possuía as duas essenciais: vista pronta e paciência beneditina, qualidades preciosas na vida, que também é um xadrez, com seus problemas e partidas, umas ganhas, outras perdidas, outras nulas. ASSIS, Machado, A Semana
A trajetória de um ser humano talvez possa ser mesmo descrita como um grande jogo de xadrez, num tabuleiro repleto de peças. Podemos começar ao momento que determinarmos, ou dele tivermos consciência. Para ambos, é vedado o retorno, embora a vida admita correções. Qualquer movimento acarreta consequências ao jogador, e ao adversário.
A abertura do jogo requer passo dos peões, que podem ser os centrais, os laterais, ou até os quase-ponteiros, no caso de um projeto em Fianchetto. O folclórico sai com cavalos, mas o movimento da pionada logo se faz obrigatório.
Esses primordiais instantes corresponderiam ao pré-primário, o jardim-de-infância, e ao primeiro grau.
Com o desenrolar, joga-se no front peças de maior realce. Esta fase equivaleria ao segundo grau. É o pré-vestibular.
No curso superior, ou já no desenvolvimento profissional, surgem os decisivos reforços das torres e da Rainha, se esta ainda não tiver atuado.
Ao endereçarmo-nos para o último quarto da existência, vislumbramos o cheque-mate, ou tentamos dele escapar.
A cada jogada, uma nova chance
Há quem perca, no rallye, muitos peões e peças de grande valor. Ainda assim, contudo, não está alijado da disputa, pois o jogo não é de come-come, e sim de eficácia. Destarte, você poderá chegar ao fim com apenas um peão, e dar o mate campeão. Eis o sabor da vida, a esperança nutrida a cada movimento, mesmo que subsistam alguns deles em falso. Sempre é possível uma recuperação, malgrado as intempéries. -
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O PRAZER
O xadrez é uma das mais ricas fontes de prazer, um meio no qual se encontram elementos para representar as mais admiráveis concepções artísticas, um campo pelo qual a imaginação pode voar livremente, produzindo, com encantadora beleza, idéias deliciosamente sutis e originais. O xadrez é uma das raras e preciosas atividades em que o homem pode explorar ao fundo suas emoções, atingindo estados de prazer tão sublimes, tão ternos, tão intensos, que só podem ser igualados pelas sensações proporcionadas pelo amor e pela música. MELÃO JÚNIOR, Hindemburgo. Tributo à Deusa Caissa. www.terravista.pt/Enseada/2502/Tributo2.
O jogo de xadrez é lúdico, recreativo, enobrece e cultua o cérebro. Todas as escolas deveriam adotá-lo. É lazer e instrução, os dois ao mesmo tempo. Um ócio criativo, como prefere De Masi. É atraente, escapa das mesmices das más temáticas e portuguesas, não perdendo suas características de exercitar o raciocínio, o cálculo, e de se constituir numa plataforma de expressão pessoal, sem deixar de ser social, por envolver o parceiro.
A simplicidade da prática
Trivial é explicar modos e fins dos movimentos das peças. Ao aprendiz não lhe é exigido a prática, naturalmente, tampouco habilidade. Os próprios alunos podem ir ensinando uns aos outros. Neste caso, promove-se a integração social, em empresa cooperativa, solidária. O espaço físico utilizado é insignificante. E faz-se complementar a toda cultura por nós perseguida.
Se queremos uma personalidade criativa e responsável, com capacidade de inteligência elevada, nada melhor do que dotá-la de tão singelo quanto dignificante treinamento.
O peão ocupa a linha de frente.
Pobre diabo sói sucumbir à granel.
Morre pra salvar a gente,
tal boi-de-piranha, o bedel.

O bispo corre na diagonal,
obtuso, como convém ao velhaco.
É capaz de livrar-nos do mal,
mas é o segundo a ir pro buraco.

O cavalo é mais arisco.
Anda por "L", de frente e lado.
Porém, quando se mete no cisco,
faz-se também sepultado.

A torre dificilmente cai;
Mas por vigia do reino,
por isso também se vai,
e deixa passar o demo.

A Rainha, por andar por todo canto,
dana-se na correnteza.
Lá se fica Rei em pranto,
quase só, em sua mesa.

Disse quase por restar o garçon,
pequeno peão, de grande quilate.
A vida passou como avião;
ora é hora do xeque-mate!