terça-feira, 4 de março de 2008

O papelão behaviorista

A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática. JAPIASSÚ, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas: 97
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. GLEISER, Marcelo: 164.
O Behaviorismo Clássico (também conhecido como Behaviorismo Watsoniano, menos comumente Psicologia S-R e Psicologia da Contração Muscular) apresenta a Psicologia como um ramo puramente objetivo e experimental das ciências naturais. A finalidade da Psicologia seria, então, prever e controlar o comportamento de todo e qualquer indivíduo 
Wikipédia
Por almejar a carteira de identidade da comunidade científica, a novel cátedra também passou a apresentar seu êxito através do rigorismo quantificado, única way confiável para a ferição das peciuliaridades mentais. 
,A geometria analítica poderia traduzir as operações de pensamento. E as ciências humanas, agora as “mentais”, ficavam mais uma vez privadas de seu sujeito e de seu objeto. Em nome do racionalismo, apelos simétricos.
 A maquinaria
A estatística (7) foi mesmo a grande vedete. A intensidade da entropia apurada na famosa Segunda Lei da Termodinâmica, a Química, a Biologia, a Psicologia, até o estudo do comportamento de massa pela Sociologia, Direito, Antropologia, Economia, Genética, tudo seria suscetível dessa tradução numeral.
Na Geologia e na Palenteologia, o estudo sobre os fósseis concluía que o estado atual da Terra era fruto de um desenvolvimento cíclico sobre imensos períodos de tempo, confirmando nosso planeta como produto de ações e reações, de forças naturais agentes umas sobre as outras, algumas vezes contra, outras a favor, no mesmo sistema das bolas de bilhar, ou do pêndulo.
A verificação dos processos emocionais evidenciava semelhantes mecanismos.
A realidade foi assim progressivamente substituída pelo universo do discurso formalizado, forjado por essas medições de quantidade, peso, potência e intensidade. Não seria logo a Psicologia o mar apropriado para novo método de averiguação; ao contrário - afinal - , sensibilidade e emoção, desde Bacon e Descartes, já tinham virado número; tudo seria possível medir, e projetar: “Não apenas os vegetais e os animais, mas também o próprio corpo humano eram máquinas”. (8)
Julien De La Mettrie reduzia a memória à função mecânica; paixões e experiências afetivas só se diferenciariam em termos quantitativos, O contemporâneo Voltaire, com a costumeira ironia, informou que o artífice morreu por causa de seus próprios remédios.
A estatística matemática foi desenvolvida pelo belga Lambert Quetelet, que nasceu em Gand, no ano de 1796, estudou na universidade local e se tornou seu primeiro professor de matemática elementar. Mais tarde assumiu o cargo de astrônomo do Observatório de Bruxelas e, em 1834, o de secretário permanente da Academia de Bruxelas. Em 1825 o filósofo Auguste Comte estava ensinando o que chamavam de 'sociologie', e, por isso, Quètelet se interessou pela 'física social'. RONAN, Colin A., Universidade de Cambridge, História da Ciência Ilustrada, Volume IV, A Ciência dos Séculos XIX e XX, p. 74.
G. T. Fechner e Ernst Weber (1860) estenderam a esteira da psicologia à “Psicofísica - a ciência exata das relações funcionais ou de dependência entre corpo e alma e, em geral, entre o mundo corporal e espiritual, entre o mundo físico e psíquico”. (9)
Saída da realidade, em prol da desumanidade
O intelecto não produziria per se a realidade concreta, devendo ser passivo de colisões e balanceamentos permanentes entre os extremos mencionados. Ao invés de elementares complementações, antagonismos vetoriais. Os combates nos eixos estendidos proporcionariam a síntese ideal. Fraissè destaca a sutileza:“A história da psicologia, depois de Descartes, poderia ser escrita como seguindo um movimento dialético entre a ciência da psiquê e uma ciência naturalista do homem que recusara tanto o dualismo metafísico quanto o metodológico.” (10) Michel Polanyi (11) encontra o comum viés pautado pela Neurologia e pela Psicologia:

A neurologia baseia-se na premissa de que o sistema nervoso - funcionando automaticamente segundo as leis conhecidas da física e da química - determina todas as operações que normalmente atribuímos à mente do indivíduo. O estudo da psicologia revela uma tendência paralela no sentido de se reduzir o objeto a relações explícitas entre variáveis mensuráveis; relações que sempre poderiam ser representadas pelos desempenhos de um artefato mecânico.
Ao que comenta Roszac (12) :

Quando a consciência humana passa a ser concebida dessa forma, o passo seguinte consiste em substituí-la por uma máquina, tão boa quanto ela, ou melhor. Chegamos assim a ironia suprema: a máquina, que é uma criatura do ser humano, torna-se - de preferência na forma do processo de computarização - o ideal de seu criador. A máquina atinge o estado perfeito de consciência objetiva, e por isso torna-se padrão para todas as coisas.-
O papelão
Tal "ciência" mergulhou pelo viés mecânico-dialético-positivista-newtoniano para assinalar os princípios psicológicos da ação/reação:

O behaviorismo nasceu da tentativa de psicólogos influenciados pelo positivismo lógico de transformar a psicologia em ciência empírica. Em seu artigo de 1913, 'Psychology as the Behaviorist Views It', quase sempre chamado de manifesto behaviorista, John B. Watson anunciou 'um ramo das ciências naturais puramente objetivo e experimental', independente de juízos subjetivos, 'cuja meta é a previsão e controle do comportamento'. (13)
Como o behaviorista nos diz, o homem pode ser pensado como "uma máquina montada orgânico pronto para ser executado". [ Watson, p. 269.] Ele ignora o fato de que enquanto as máquinas de executar a forma como o engenheiro eo operador de fazê-los funcionar, os homens dirigem espontaneamente aqui e ali . "No recém-nascidos humanos, independentemente da sua hereditariedade, são tão iguais quanto Fords". [Horace M. Kallen, "Behaviorism," Encyclopaedia of the Social Sciences, 2, 498.] A partir dessa falsidade manifesto, o behaviorista propõe a operar o "Ford humano" a forma como o operador dirige seu carro. Ele age como se fosse o dono humanidade e foram chamados para controlar e moldá-la de acordo com seus próprios desenhos. Para ele próprio está acima da lei, o governante Godsent da humanidade. Positivism and Behaviorism
A extensão à Economia
Cientistas comportamentais (behavioristas) se mostraram altamente contagiados pela obsessão de fazer de sua ciência uma 'física humana' ao proclamarem que uma psicologia só seria confiável se fosse erguida sobre os critérios de estímulos e respostas, as forças de ação e reação da dinâmica newtoniana, sendo que era pura fantasia tentar erguer uma ciência calcada em relatos individuais de experiências subjetivas internas.
(Harman, 1989; Capra, 1986; Grof, 1988).
Assim sendo, a ciência têm estimulado e influenciado uma visão de mundo em que tudo o que existe existe de forma fortuita e se relaciona com as demais coisas de uma maneira mecânica, previsível, controlável e mensurável. A mesma maneira pela qual deve seguir e agir o mercado financeiro. (14)
Para completar, parodiou-se Malthus(15) : enquanto os estímulos aumentariam em progressão geométrica, as sensações obedeceriam progressões aritméticas. Na linguagem técnica que lhe é própria, 'a sensação variava com o logaritmo do estímulo'.” -
A extensão à Ciência Política
Levada a diversos campos de aferições, a Psicologia atingiu o auge quando suas predisposições se imiscuíram na “ciência” política. A tanto, o copiloto foi buscado especialmente no passado - nada melhor que Leviathan, legitimado pelo Contrato Social. Segundo o racionalismo clássico, a vontade obedece a razão. Para Hobbes e de resto ao behaviorismo, todavia, a vontade é apenas uma questão de apetite. O livre arbítrio não passaria de ilusão: seria apenas uma expressão destinada a ocultar a ignorância das verdadeiras causas das decisões humanas e a “guerra de todos contra todos" seria nosso estado natural antes de ingressarmos no estado social. O homem seria governado por suas paixões e teria como direito seu conquistar o que lhe apetecesse.
Como todos devem ser dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também devem se igualar, o recurso à violência se generaliza. Mister o Estado Leviathan, o Contrato Social. O carbono francês, a partir da constatação dos caracteres egoístas e deturpados do “homem lobo do homem”, induziu a que escolas de Psicologia apurassem e tentassem corrigir os comportamentos. Le Bon
(16) elencou as conseqüências da "sociologia" divisada desde a famosa dupla Hobbes/Rousseau:
As principais características do indivíduo no grupo são, portanto, o desaparecimento da personalidade consciente, o domínio da personalidade inconsciente, a orientação de pensamentos e sentimentos em uma só direção mediante a sugestão e contágio, a tendência à realização imediata de idéias sugeridas. O indivíduo não é mais ele mesmo, é um autômato destituído de vontade. Ademais, pela mera participação num grupo, o homem desce vários degraus na escada da civilização.
Há alguns anos escrevi dois livros, “Introdução à epistemologia da psicologia” e “A Psicologia dos psicólogos” (Ed. Imago), para tentar demonstrar que o esquema da psicologia behaviorista, tal como foi formulada por Watson , desenvolvida, aprimorada e amplamente difundida por Skinner, teve por projeto fundamental (consciente ou não) conduzir a humanidade para além da liberdade e da dignidade (título de um livro de Skinner). No entender de seus epígonos mais influentes, a humanidade deveria renunciar a todas as ilusões que implicam as noções de “pessoa” e de “liberdade”. É nessa perspectiva de um “materialismo” integral que ela deveria organizar metodicamente a satisfação de suas necessidades vitais elementares. Como se a psicologia do comportamento estivesse na origem de uma verdadeira revolução cultural!  Hilton Japiassu 
Autômato não é gente, mas aparelho programável à utilidade: “Nos sistemas compactos da ordem totalitária, o homem, perante as esferas políticas, deixa de ser politicamente 'sujeito' ou 'pessoa', para ser 'objeto, que fica sendo, da organização social'." (17)
O comportamento desse "objeto" foi visto como reflexo fisiológico da química e da física, o que se encaixava perfeitamente nas pretensões dos ditadores. Schwartzenberg
(18) captou esse desenvolvimento, concorda com a supra expressão, mas se coloca aliviado:

Os domínios mais explorados serão aqueles em que os dados quantitativos ou quantificáveis são mais abundantes. Daí todos os estudos compreendidos em matéria de voto, de participação eleitoral e de opinião publica. Daí a amplidão das pesquisas sobre os partidos políticos, os grupos de interesse e os processos de tomadas de decisões (decision-marketing). Essa 'tirania de instrumento' explica, em boa parte, a 'desigual penetração behaviorista'. Na ciência política a voga do behaviorismo alcança seu apogeu nos anos de 1950. Mas a idade de ouro behaviorista está prestes a encerrar-se.
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Notas
8. Descartes, Rene, cit. Lemkow, Anna, p. 84.
9. Fechner, G. T., Weber, Ernst, cit. Penna, Antônio Gomes, p. 133.
10. Fraissè, Paul, cit. Penna, Antônio Gomes, p. 32.
11. Polanyi, Michael, Personal Knowledge, p. 262; cit. Roszac, Theodore, A Contracultura, p. 232.
12. Roszac, Theodore, ibidem.
13. Rohmann, C., p. 45.
14. Carey, H.C., Principles of Social Science, I, p. 57; cit. Hugon, P., História das Doutrinas Econômicas, p. 360.
15. Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 82.
16. Le Bon, cit. Kelsen, Hans, A Democracia, p. 315/16.
17. Bonavides, Paulo, p. 273.
18. Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política, p. 26/27.


3 comentários:

  1. Seus comnetários são sem fundamentos, demonstrando um profundo desconhecimento sobre as teorias das quais fala

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  2. Agradecemos o prestígio e as corajosas e abalizadas manifestações.

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