quinta-feira, 17 de abril de 2008

A inflação legiferante

.

O problema de nosso tempo, no entanto, parece ser justamente o contrário: não é o de nos contentarmos com regras inadequadas, por uma escassez fundamental e uma 'fome de regras', mas o de nos livrarmos de um bando de regras prejudiciais, ou, no mínimo, inúteis, em razão de sua tremenda abundância e, por assim dizer, 'má digestão'."
Bruno Leoni
*
Brasil faz 18 leis por dia, e a maioria vai para o lixo
Supremo mantém normas de condutas para motoboys O nível da cultura, de maturidade de um povo pode ser medido pela maior ou menor incidência dessas "normas de conduta", de comportamento. Onde há pouca, elas regulam a vida grosso modo. Onde há muita, as leis penetram até o pormenor de todas as atividades, justamente pela ignorância generalizada. Porém nestas, igualmente se pressupõe a ignorância de quem as impõem,  posto emergente do meio. O príncipe tem direito a não ter razão. Não lhe é mister pensar, raciocinar, ou estudar - basta mandar. . Ou, melhor: ele profere sua pretensa razão sem requerer nenhuma razão. Sabe usar os aparelhos legiferantes, mas ignora de raiz os princípios que regem as leis, e mesmo a civilização. Importa-lhe o seu desejo, ou aquele que seus patrocinadores de campanha preferem. Dilma diz que fiscalizará e punirá empresas de energia; ouça trecho do anúncio Não podemos comprar picolés em farmácias, nem remédios em gôndolas. Devemos estimular tal setor da indústria nacional. Não podemos dispensar quem não interessa. Há que haver um motivo justo. Nossos filhos devem ser educados de acordo com o padrão e o currículo preestabelecido, e até à língua estrangeira estão obrigados, tanto quanto assistirem pelo menos tantos filmes nacionais.O príncipe nos priva da liberdade para nosso próprio bem!
MUSSOLINI
morreu de cabeça para baixo, e MARX embaixo do muro.
Já que gostamos de cores e bananas, porque não copiamos uma receita que dá certo?
?

O modelo que dá certo
“Os republicanos estão basicamente certos quando defendem uma desregulamentação em grande escala porque os negócios precisam agora de toda a flexibilidade possível para sobreviver à concorrência global." (1)
Na verdade a desregulamentação por lá é tradicional. Independe de partidos. Os estadistas Madison e Jefferson já a recomendavam. O primeiro alertou:
“A facilidade que se tem de mudar as leis e o excesso que se pode fazer do poder legislativo parecem-me as doenças mais perigosas a que nosso governo está exposto." (Federalist, n. 62.) (2)
Jefferson chegou a propor uma barreira para arrefecer o ímpeto legislativo, faina comumente levada à cabo de modo banal, circunstancial, e inconseqüente:
A instabilidade de nossas leis é realmente um inconveniente gravíssimo. Acho que deveríamos remediá-la decidindo que sempre haveria um intervalo de um ano entre a apresentação de uma lei e o voto definitivo. Seria em seguida discutida e votada, sem que se pudesse mudar uma só palavra nela e, se as circunstâncias parecessem exigir uma resolução mais pronta, a proposta não poderia ser adotada por maioria simples, mas por maioria de dois terços de ambas as Câmaras. (3)
O que (sempre) dá errado
Quem se der ao trabalho de visitar os sites dos deputados poderá observar que quase todos se preocupam em listar uma série - em geral longa - de projetos de lei e outras proposições por eles apresentadas. Atendem assim ao que parece ser uma das crenças mais arraigadas do País, a de que o bom parlamentar é aquele que produzir dezenas e dezenas de leis. Isso é o que caracterizaria, pensa o povão, um senador ou deputado trabalhador. Nem é preciso dizer que se trata de bobagem. O País já tem leis demais - importante mesmo seria fazer com que as já promulgadas funcionem. (JB, 9/5/2005)
Sem embargo, a fúria legiferante evolui cada vez mais exacerbada. Ela é imprescindível aos diletantes, mas principalmente ao tirano da vez:
Outros paradigmas, estes forjados e consolidados no decorrer da modernização sócio-econômica do país induzida pelo Estado com grande ênfase especialmente a partir da segunda metade dos anos 50, estão basicamente vinculados ao caráter normativista do positivismo de inspiração kelseniana. Tais paradigmas consideram o Estado como fonte central do direito e a lei como sua única expressão, formando um sistema formalmente coerente. Esta abordagem implica, de acordo com o que já foi dito antes, a concepção de dogmas, atuando como um código latente que determina a natureza, o sentido e o alcance das atitudes, dos valores e das orientações dos manipuladores técnicos do direito. (4)
Kelsen havia se arrependido ainda antes de 50, mas a obssessão ordenativa que ele ajudou a plantar, como vimos, não parou mais de dar frutos; ainda mais no Brasil:
Deixada de lado qualquer preocupação ideológica e apenas para conceder às novas gerações brasileiras o direito de conhecer o que se passou no país durante um período assinalado por grandes transformações no mundo, referimos que, no bojo da Carta de 37, criou-se a figura da legislação autoritária, fruto exclusivo da vontade do Executivo. Por incrível que isso possa parecer, o decreto-lei ficou para sempre nas constituições promulgadas após. Apenas mudou de nome na carta vigente, em cujo texto surge como 'medida provisória', adequada a situações de excepcional urgência para matérias de grande importância. Condicionamento apenas lírico, porque, em verdade, o Executivo usa e abusa da MP. É de esperar prevaleçam o bom senso e a auto-estima do Congresso para acabar com a postura imperial do Poder Executivo. (5)
Não sabemos o que significaria “bom senso”, mas a “auto-estima” foi vendida por duzentos à cabeça. E a reeleição, assim legitimada. A permanência de milhares de dispositivos só podem gerar o colapso:
“Leis demais confundem Justiça brasileira - O País tem 16.946 leis em vigor, das quais 9.252 são ordinárias, que dizem respeito ao dia-a-dia do cidadão. Elas são distribuídas em 17 códigos.” (6)
Há quem fale em duzentas mil leis (7).
"Nada há de mais subdesenvolvido do que o pandemônio da legislação brasileira. [...] Há leis contra leis que falam de outras leis. [...] Assim, os tribunais ficam cheios de processos e ninguém sabe quais as leis em vigor.” (Ex-Presidente, Senador José Sarney, Folha Online: 17/2/2004)
É inviável, sequer, ler o exemplar do Diário Oficial no dia de sua publicação. Para tanto, são necessários semanas, ou até meses:
“Diário Oficial no Guiness - A edição de ontem do Diário Oficial da União bateu o próprio recorde e circulou com 2.472 páginas gasta 1,1 toneladas de papel. Deve conquistar mais uma vez o título no Guiness Book 99”. (8)
“Assembléia remove entulhos legais - O coordenador técnico do projeto, ex-senador José Paulo Bisol calcula que de 1947 a 1996 existam 12 mil leis e 36 mil decretos sem qualquer função prática. O grupo descobriu muitas aberrações jurídicas.” (9)
“Emaranhado jurídico confunde cidadãos - O presidente da Câmara criou uma comissão de deputados-juristas para consolidar e atualizar a legislação” (10)
Deve ter confundido também o ex-senador. Seu projeto deve ter ido ao lixo.
O modelo monopolista sindical que temos é fascista. Só que o corporativismo fascista falava, pelo menos, na harmonização dos interesses de toda a sociedade, em oposição à luta de classes que o ex-recente líder socialista Mussolini conhecia bem. Conseguimos combinar resíduos do corporativismo fascista com o mercantilismo colonial e acabamos reduzidos à condição de súditos, não de cidadãos. (11)
Nas escolas não ensinam bem as lições. Em chão-de-fábrica elas são prescindíveis, Cabe-nos reiterá-las:
“Economistas redescobrem o trabalho de Joseph Schumpeter, que falou da 'destruição criativa' como necessária ao progresso. Numa tempestade de tomadas de controle acionário, alienação de bens, reorganizações, falências, deslanches, joint ventures e reorganizações internas, toda a economia está adquirindo uma nova estrutura que é anos-luz mais diversa, ágil e complexa do que a antiga economia das chaminés. (12)-
Fim de papo
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada. (13)
"O positivismo, como todas as correntes de pensamento, teve seu momento e valor, entretanto seu unideterminismo causalista e sua pretensão hegemônica, mesmo maquiada, não podem mais ser parâmetros para construção dos genuínos diálogos científicos." (14)
_______
Notas
* A Liberdade e a Lei, p. 39.
1. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 96.
2. Madison, J., cit. Tocqueville, A, A Democracia na América, Leis e Costumes, p. 237.
3. Jefferson, T., cit. idem, ibidem..
4. Casado, José, Folha de São Paulo, Planalto tenta mapear labirinto jurídico", 18/6/1995, A, p. 12.
5. Correio do Povo, Editorial, Limitação constitucional às MPs, 11/12/1996, p. 4.
6. Folha de São Paulo, Planalto tenta mapear labirinto jurídico.
7. Campos, Roberto, O Estado do Abuso. - Jornal do Comércio, Porto Alegre, 22/05/1995.
8.Zero Hora, 6/4/1997, p. 16.
9. Zero Hora, 5/12/1998, p. 10.
10. Vargas, Milton, História da Técnica e da Tecnologia no Brasil; cit. Makiyama, Marina, O Estado de São Paulo, 21/5/1995, p. D14.
11. Idem, ibidem.
12. Cit. Toffler, Alvin e Toffler, Heidi, p. 74.
13. Einstein, Albert, cit. Popper, K., A Lógica da Pesquisa Científica, p. 525.
14. Das razões da medicina
Paulo Rosenbaum em 3/8/2007 (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br)

Um comentário: