quinta-feira, 3 de abril de 2008

A adolescência de Florença


Parece ser verdade que o despotismo floresce unicamente nas épocas difíceis de transição ou em períodos de incerteza ou de perigo, quando os homens começam a desesperar de resolver os seus problemas pelo esforço individual.
Edward McNall Burns (1)
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As pequenas dimensões dos Estados, suas justaposições, seus perpétuos conflitos e seus afrontamentos, a balança de forças sempre desequilibradas e mutantes, fizeram com que eles estivessem obrigados a se medir uns aos outros, se comparar, imitar seus métodos e tentar mudar as relações de força.
Michel Foucault  (2).
NOS XV e XVI  Florença perfazia o auge da adolescência.
A Renascença pertencia aos artistas: 
O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação. Os filósofos e os sábios da época, em sua compreensão do mundo, privilegiam o caráter de abstração e de esquematização. Por isso dão a máxima importância à física matemática. Assim o problema do método constitui o problema número 1 de todos os filósofos. Trata-se de descobrir um método universal de conhecimento. E o modelo é o conhecimento matemático (geométrico). (3)

Da Vinci era mestre na pintura, e na esquematização. O teatro encenava divindades; na rua era a dura realidade. Em 1513, Frá Francesco de Meleto se encarregou do alarme:
Por todo lado haverá sangue. Haverá sangue nas ruas, sangue nos rios, as pessoas navegarão em ondas de sangue, lagos de sangue, rios de sangue. Dois milhões de demônios serão largados do céu porque mais mal foi cometido nestes últimos dezoito anos do que durante os cinco mil que os precederam. (4)
Nem era assim, tanta novidade:
“O assassínio, a pilhagem, as correrias dos mercenários, a descida dos oltramonti*, a espionagem e o conluio, as conspirações e as traições formavam-se em elementos do quadro cotidiano da Itália no Cinquento”. (5)
O crime vinha com a proteção do Vaticano:
Girolamo Savonarola (1452-1498), sacerdote italiano, implantou uma teocracia ditatorial em Florença, modificou a constituição e reformou os costumes, exercendo uma verdadeira tirania sobre o povo e criticando abertamente a lassidão e corrupção do clero e do papado; excomungado, foi preso, condenado à morte e queimado em praça pública.(6)
A criminalidade oficial tornou-se banal:
No século XV, a república de Florença, que por duzentos anos gozou de um regime de liberdade individual sob o império da lei, tal como não se tinha conhecimento desde os velhos tempos de Atenas e Roma, caiu sob o domínio da família Medici, que adquiriu, por um apelo demagógico às massas, crescentes poderes despóticos. (7)
No infeliz desígnio, o uso da fraude, da violência, do terrorismo passou aceito, até exigido. As ações sócio-políticas não deveriam mais serem orientadas por determinações “espirituais”, portanto “inexistentes”, mas sim pelo pragmatismo “realista-materialista”, através do calculista florentino - Nicoló di Bernardo dei Machiavelli (1469-1527), - Nicolau Maquiavel, peste preferida por nove, entre dez arteiros.
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Notas
* Legiões advindas além dos Alpes.
1. p. 542.
2.Foucault, Michel, Microfísica do Poder, p. 81.
3. Japiassú, H., 1997, p. 81.
4. Meleto, Frá Francesco de, cit. Gruzinski, Serge, p.45.
5. Maquiavel, Nicolau, O Príncipe, introdução.
6. Nietzsche, F., Da utilidade e do Inconveniente da História para a vida, nota do tradutor, p. 93.
7. Guicciardini, Francesco, cit. Maksoud, Henry, p. 75.
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À Florença? Não viaje mal.
Voe Nav's ALL.




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