Todo homem possui sua finalidade particular, de modo que mil direções correm, umas ao lado das outras, em linhas curvas e retas; elas se entrecruzam, se favorecem ou se entravam, avançam ou recuam e assumem desse modo, umas com relação às outras, o caráter do acaso, tornando assim impossível, abstração feita das influências dos fenômenos da natureza, a demonstraçãode uma finalidade decisiva que abrangeria nos acontecimentos a humanidade inteira. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, Da utilidade e do inconveniente da História para a vida; 74
Onde o homem nada encontra para ver e pegar, nada tem para fazer.
Idem.
QUANDO MORREU o
Tirano de Siracusa, Platão nada mais pode pegar. Na Grécia, porém, morava
Academus, dono de belo rincão. No frontespício da pioneira escola, o ladino ergueu seu veredicto:
"Que aqui não adentre quem não souber geometria".
(http://www.consciencia.org/platao.shtml)
O cortejador prescrevia
(Epinomis):
"A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, (ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis) é a mais nobre e excelsamente divina."
Ao ser questionado porque o homem se diferenciava doa animais, a sapiência foi categórica:
"Porque sabe lidar com números."
Eles possibilitariam mais segurança, tornam as atividades concretas, lógicas e práticas, e poderiam melhor compor os elos da ciência. A matemática se tornou cimento, segura vedação contra qualquer tentativa de acolher, “com distorções de palavras”, proposições de variadas e incompatíveis procedências. Sequer
O Inferno, de Dante
(Palestra na Academia Florentina, A Geografia do Inferno de Dante Tratada Matematicamente, 1588) escapou ileso. O longo eclipse das ciências humanas se iniciou, justamente, na singela premissa:
A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto.
PERELMAN, Chaïm, Ética e Direito: 672
A má tese, ou a má temática, a "quantofrenia", conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como diz Georgescu-Roegens, coroou o
homo faber tal
homo mathematicus. Pela hábil dialética, aquela que faz da sombra realidade, a simples projeção numérica trouxe a perfeição à vista, e o imaginário concretizável. Ela garantia coerência, a certeza, e por ela todos se quedaram pautados. No século XVII os matemáticos e astrônomos jesuítas do
Collegio Romano eram reconhecidos entre as mais altas autoridades científicas. Essa “verdadeira ciência”, lambuzada de preconceitos, se constituia em guia e fim, razão e justificativa, até à metafísica:
Pitágoras apreciava a tal ponto a teologia órfica que dela fez modelo
para plasmar a própria filosofia. Em decorrência disso, as sentenças
de Pitágoras passam a ser chamadas sacras na medida em que são
derivadas dos esquemas órficos.
MIRANDULLA, Pico della, A dignidade do homem, p. 73.
O resultado ora podemos aquilatar:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou- se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
Os números ainda sustentam a ciência, de modo que se para tornear uma personalidade, o melhor é demonstrá-los em profusão:
O que a ciência faz é precisamente mascarar, por detrás da racionalidade,
sua função ideológica de justificar o poder, deformar o irracionalismo das
relações humanas e dissimular a heteronomia dessas mesmas relações.
A racionalidade, como ideologia, ocasiona uma cegueira parcial da
inteligência humana, entorpecida pela propaganda dos que a forjam.
COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 340.
A própria
Nav's ALL pode provar: na proporção em que é prestigiada, aceleram-se as visitas. Se ninguém gostar, ninguém volta, mas o sulco lavrado precipita cada dia maior contingente. A todos agradecemos, mas convém mencionar, por oportuno: nossa satisfação se completa na medida do retorno dos passageiros.
Se o restaurante está vazio, dificilmente alguém entrará. Se tiver fila, ela se estenderá.
A promoção eficaz mostra o produto popular. Se todos compram, é porque deve ser bom.
A fila da segunda sessão é maior; se lá dentro houve frustração, não vem ao caso. A bilheteria está garantida.
Conheci um dono de posto de gasolina que aplicava exitosa estratégia. Quando demorava o freguês, ele colocava dois ou três carros da frota na frente das bombas. Pronto. Lá vinham as moscas no mel.
As agências de publicidade desenvolvem esses efeitos gravitacionais, no fito de atrair a freguesia aos seus clientes. Abundam depoimentos, de tal modo que a vítima é conduzida a acreditar na veracidade. Para todos, é a quantidade de adesões que lhe garante a certeza da opção, ao tempo em que lhes coloca em dúvida o que antes supunham. E onde passa um boi, passa a boiada.
* * *
Os políticos, vazios de conteúdo, e desprovidos de conhecimento, ao eleitor se apresentam como produto de consumo. Como tais, são as agências de publicidade que formulam os apelos à "clientela". A técnica é a mesma, mas no caso de servirem aos aspirantes, ou aos titulares de cargos elas ainda podem contar com entidades oficiais a amparar qualquer arranjo. Dessa maneira, formulam estatísticas , e contabilidades, que provam o acerto de suas designações:
Os domínios mais explorados serão aqueles em que os dados quantitativos ou quantificáveis são mais abundantes. Daí todos os estudos compreendidos em matéria de voto, de participação eleitoral e de opinião publica. Daí a amplidão das pesquisas sobre os partidos políticos, os grupos de interesse e os processos de tomadas de decisões (decision-marketing).
SCHWARTZENGERG, Roger-Gérard, Sociologia Política: 26
Na falta de mais adequada designação, mantém-se convencionada coleção de dados como "pesquisa". Neste caso, apenas contadores e economistas poderiam receber títulos de doutor!
O pacto com o diabo Não obstante, elas formam a modalidade mais fácil de conduzir quem quer que seja, na quantidade que se deseja:
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material.
ZOHAR, Danah: 191
Estatísticas são improváveis, porque relatam um passado, com vistas a projetar o futuro. Portanto, estão fora da realidade. Elas variam no corte, no momento, e no local que são aplicadas, requerem uma formulação de perguntas que podem ser traiçoeiras ou tendenciosas, e interpretações favoráveis, naturalmente, aos próprios agentes, mais preocupados em demonstrar sua eficiência, e salvar seu interesse.
O professor Jean L. Benson, professor em ciências econômicas da Universidade de Grenoble, elaborou conceituada obra, justamente intitulada A Ilusão das Estatísticas (SP :UNESP,1996) , ondeaponta a democracia como uma superstição daí advinda. Já no raiar do XIX era aplicada a perfídia. Tocqueville (Democracia na América: 254) pode reparar:
Quando a estatística não se funda em cálculos rigorosamente verdadeiros, ela confunde em vez de orientar.O espírito se deixa enganar facilmente pelos falsos ares de exatidão que ela conserva até mesmo em seus desacertos, e repousa sossegado em erros que lhes são revestidos com as formas matemáticas da verdade. Abandonemos, pois os números e tentemos procurar nossas provas em outro domínio.
É boa-vontade. Nenhuma estatística pode obter "cálculos rigorosamente verdadeiros", pelo prosaico motivo: como o próprio nome que a designa, ela provém de status, ou seja, de estado, daquele instante, como se qualquer tempo pudesse ser assim congelado. Para se desculparem da errônea informação que tem consciência oferecer é que seus autores a propalam como uma fotografia do momento. Portanto, ela jamais espelhará o real. Nunca será passível de comprovação. A realidade é cinética, mutante a cada instante, e por isso o compromisso estatístico com a verdade é absolutamente nulo, ainda que possa oferecer alguma pista ao navegante. Porém, se navegar tem que ser preciso, e a escolha democrática também isso pretende, ao pressupor que o resultado das urnas seja a mais exata expressão, convém lembrar-lhes que ao excesso de precisão no reino da quantidade corresponde exatamente o excesso do pitoresco no reino da qualidade. O mais importante, contudo, nem se trata de honestidade científica, mas de propósitos : os índices de popularidade que medem tem o fito da propagação, de modo que se algum número não satisfizer, ele não será divulgado. Não obstante, esses chamados institutos são como seus congêneres de cabelos: como o cliente sempre tem razão, eles ajeitam o corte, e formulam o penteado conforme o gosto do freguês.
O tema de todas as ciências históricas é o passado. Elas não podem ensinar algo que seja aplicável a todas as ações humanas, ou seja, aplicado também ao futuro. As ciências naturais também lidam com eventos passados. Toda experiência é uma experiência de algo que já passou; não há experiência de acontecimentos futuros. A informação proporcionada pela experiência histórica não pode ser usada como material para a construção de novas teorias ou para a previsão de acontecimentos futuros. Toda a experiência histórica está aberta a várias interpretações e, de fato, é interpretada de várias maneiras. É impossível reformar as ciências da ação humana obedecendo a padrões de física ou de outras ciências naturais. Não há possibilidade de estabelecer a posteriori uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. Os postulados do positivismo e escolas metafísicas congêneres são, portanto, ilusórios.
MISES, Ludwig von, Ação Humana - Um Tratado de Economia: 72
Variações do PIB são medidas por estatísticas. (Diz o filósofo popular: estatísticas são quase como biquínis - mostram tudo, mas não o essencial). Os artífices supoem possível uma equalização. O número aproximado, todavia, só traduz mero palpite.
Oferta de emprego, mão de obra disponível (como se trabalhadores fossem peças de estoque/reposição), capitais financeiros de estado, gigantescas, por isto incomensuráveis taxas de retorno, medições de renda, poupança, consumo, investimento, só faltando medir também o QI de inteligência de toda a população, lastreado na fria e dura, porém “científica” fórmula estatístico-matemática, servem a balizar pari passu os maquinistas dos rolos compressores.
Metros, litros, quilogramas, quantidades, as quatro operações presumem-se suficientes, mas os dados aferidos jamais correspondem à realidade:
"Em nenhum outro campo da investigação empírica foram usados tantos mecanismos estatísticos de forma tão massiva e sofisticada e com resultados tão nulos." ( WASALY, cit. GLEICK, J.: 120)
Os coletores juram que fazem tudo dentro das normas técnicas, e por certo não estarão mentindo. Contudo, pode haver ciência impossibilitada de comprovação?
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Tratar a gente como número bem demonstra a redução submetida. Ao nos tornarmos objeto, somos inseridos no mercado como mercadorias. Foi esta conceituação literal que ouvi nesta semana, na rádio CBN, sempre ávida em divulgar tudo que é estatística a todos os quadrantes do Brasil. Aliás, coincidentemente com eleições aqui e acolá, desaba uma enxurrada de percentuais para lá e para cá impressionante. Preocupada com os índices de casamento na terceira idade, a fundação que leva o nome do maior ditador que o Brasil já conheceu enviou sua coletoria para precisar quem seria o maior privilegiado. Veio douta porta-voz para dar o veredicto. A conclusão foi brilhante. Para o homem é mais fácil casar com mulher mais nova. As mais velhas tinham mais dificuldades "no mercado" do casamento.
Para mim essa fundação, e suas congêneres, de fato cavam no fundo. Na cova poderão alojar todo mundo.
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