quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Cavada depressão

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O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá- lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. Norberto Bobbio
O aparelho (ilógico) do Estado -

A ECONOMIA REQUER MATEMÁTICA, mas  costuma se impor através de sofismas e devaneios. É má temática. O labirinto não acessa a realidade. Na excelência à precisão a cátedra transforma gente, coisas e ações em números. Como as possibilidades do seu universo são infinitas, maior quantidade deles sempre é necessária. A abundância, contudo, torna-se, na mesma proporção inadequada, irrisória diante da chuva de variáveis incidentais, multiplicadas em velocidade muito superior à parca imaginação tecnocrata. Impossível calculá-las. Podemos arriscar, apenas, tênues probabilidades, via-de-regra expressões de meros subjetivismos. Tal escassez deveria ser eloqüente para elidir a hegemonia que pretende. A matéria, contudo, é visível; por isso, desejada. O brilho do ouro, como luz à mariposa, provoca intenso facho gravitacional; e condena os incautos à sua órbita exclusiva, até a queda letal. Onde há baús, cofres, diamantes e fortunas, mora a cobiça de ladrões, piratas e caçadores de tesouros. Com raras exceções, acabam muito mal. Se fosse o conhecimento que circulasse, e não somente a espécie, todos se salvariam. Na época dos gangsters, contudo, ninguém sabia nada. Como o Brasil retroage à data, colho o ensejo para ofertar-lhe a reminiscência.
O engenheiro de papel*
John Maynard Keynes (1883-1946), o economista mais festejado do século XX, nas academias e nos palácios, veio ao mundo no marcante ano dos nascimentos de Benito Mussolini, Getúlio Vargas, e da morte de Karl Marx. Da “Cambridge-geradora-de-Newton” o astro atingiria o sucesso com o slogan de Newton da Economia" (Emma Gori, cit. De Masi, 2000:143). No College, todavia, obteve a alcunha de hermafrodita mental. Para Oskar Morgenstern (Strathern: 242) o lord-gay não passava de um “charlatão científico”. Perfeitamente.
Quando Mussolini se agadanhou do poder, Keynes propôs a “oração fúnebre do liberalismo”, vaticínio intitulado O fim do laissez-faire. Passados três anos do impropério, abateu-se a Grande Depressão. O mundo reverenciou o pseudo-visionário: "Os economistas passaram quase todo o século XX encantados com a pseudopanacéia keynesiana e com a venenosa serpente marxista." (Iorio: 134)
Teve o astuto de Bloomberg premonição, ou teria contribuído diretamente para o desastre, a fim de saquear a carga? Peringer entende pela primeira:
Keynes teve, porém, a inteligência de, primeiramente, ter apresentado uma análise alternativa para explicar os fenômenos depressivos de sua época que pareciam encontrar suporte nas evidências dos fatos, provocado pela Grande Depressão, e, em segundo lugar, inserir o seu pensamento dentro de um arcabouço teórico bem fundamentado. Ademais, mesmo apresentando uma teoria muito bem estruturada para sua época, nunca colocou qualquer dúvida na validade da equação quantitativa da moeda, apresentando, apenas, novas funções a algumas de suas variáveis.
Especulamos pela segunda:
Antes de Keynes os governos liberais temiam, com razão, perturbar os equilíbrios econômicos se manipulassem a moeda, o orçamento, o imposto, as taxas de juros. A partir de então, tendo justificativas para atuar nesta direção, a estatização se torna 'científica', 'intelectualmente respeitada'. (Sorman:55)
Sua razão não divergia da plêiade ora instalada neste país: "A despeito de três grandes reveses - em 1920, 1928 e 1937-8 - Keynes aumentou seu ativo líquido de 16.315 libras em 1919 para 411.238 - equivalentes a 10 milhões de libras em valores atuais - quando morreu." (Skidelsky: 35)
O medo da sangrenta revolução bolchevique, conforme a maldição de Marx, tornou o povo refém daqueles que ofereciam uma saída fácil. O esperto Keynes vislumbrou a freeway:
Estamos hoje no meio da maior catástrofe econômica – a maior catástrofe devida quase inteiramente a causas econômmicas – do mundo moderno. Sustenta-se em Moscou a idéia de que é a crise final, culminante no capitalismo e que nossa ordem existente da sociedade não sobreviverá a ela. (Keynes, cit. Strathern: 224)
Alguém pode supor que as civilizações americana e britânica pudessem descambar para uma revolução comunista? Donald foi induzido a supor. Caiu como patinho. E arrastou milhões, pelo mundo afora, ao precipício da insensatez. A saída, portanto, de nada foi fácil. O que se viu foi a privação da liberdade, a corrupção reinando, e a guerra alastrada, não de patrões contra empregados, mas de nações contra nações: "O Führer era idolatrado não somente em sua terra natal; tinha adeptos em número considerável de americanos barulhentos e vociferantes." (Brian: 329)
JURO (sic) PARK
O método que afastaria o perigo da foice se impunha prático, viável e oportuno. Não requeria pudor ou piedade; apenas ação, ou demolição. Viva a politicanagem:
Examinando com acuidade o significado dessa crise na passagem da democracia liberal para a democracia social, Gustavo Radbruch excelentemente escrevia, ao abrir-se a década de 1930, que em semelhante estado de coisas não se trata de convencer o competidor, mas de coagi-lo ou esmagá-lo, pois a luta pelo poder substitui em definitivo a luta pela verdade. Bonavides, P. : 280
O capitalismo de livre empresa, um mercado onde perdurassem a competição e a livre iniciativa, passou a ser considerado como instrumento de exploração do povo, enquanto uma economia planejada era vista como alavanca que colocaria os países no caminho do desenvolvimento. Caberia ao Estado, portanto, o controle da economia doméstica, das importações e a alocação dos investimentos de maneira a assegurar que as prioridades sociais se sobrepusessem à demanda egoísta dos indivíduos. FRIEDMAN, Milton, Capitalism and freedom; cit. Peringer: 126
O vilão conhecia a vilã, a via veneto da depressão econômica - a escassez monetária - mas os financistas com ela lucravam duplamente: “Por conseguinte, os devedores tendem a perder com a deflação, e os credores, a ganhar.” (Friedman:114)
O Tri Pulante Russel também flagrou: "Na verdade os interesses dos banqueiros têm sido contrários aos dos industriais: a deflação que convém aos banqueiros paralisou a indústria britânica." (cit. De Masi: 99)
Tal efeito deve ter encantado a Sorbonne, reduto de nove entre dez banidos do terceiro mundo. Decerto por isso saboreamos o produto requentado da magnífica receita. Agora, até no ABC se sabe como fazer.
Altas taxas de juros e extorsões oficiais sobre o patrimônio privado frustram gastos e investimentos de consumidores e empresas, de modo que a economia interna se enfraquece e o desemprego aumenta. Matando a vaca, acaba o leite, naturalmente:
Não obstante, o que se observou no sistema financeiro internacional foi o surgimento de uma brecha entre as duas taxas: os juros incidentes sobre empréstimos bancários mantiveram-se elevados enquanto o retorno esperado de investimentos produtivos declinava. Hilferding: 101
A elevação do juro retroalimenta a depressão por estrangulamento progressivo.
“O juro não depende do valor da moeda, mas da sua quantidade” (Smith: 26)
O obsoleto Zé Paulista se propala neokeynesiano. Antes, cadenciava com o pé esquerdo. Agora, usa o direito. Se conhecesse Tocqueville, da mesma época marxiana, mudaria sua cabeça-de-papel:
Estou profundamente convencido de que qualquer sistema regular, permanente, administrativo, cuja finalidade seja assistir as necessidades do pobre, fará nascer mais misérias do que as que pode sanar, depravará a população que deseja assistir e consolar, reduzirá com o tempo os ricos simplesmente ao papel de funcionários dos pobres, acabará com as fontes da poupança, parará a acumulação de capitais, deterá o progresso do comércio, entorpecerá a atividade e a indústria humanas e terminará por conduzir a uma revolução violenta no Estado, quando o número dos que recebem esmola for quase do tamanho dos que a pagam e quando o indigente, não conseguindo tirar dos ricos empobrecidos o necessário para satisfazer suas necessidades, achará mais fácil espoliá-los de uma vez por todas de seus bens do que solicitar seus auxílios. Cit. Rodríguez: 56
At last, but not least: "O governo não é capaz de tornar o homem mais rico, mas pode empobrecê-lo." (Mises: 21)
Sancho, Quixote, Zé Bedeu & Mula lá não concordam. Com mensalão ninguém é pobretão.
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FONTES
BOBBIO, Norberto, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero; tradução de Daniela Beccaccia Versani. - Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BRIAN, Denis, Einstein: a ciência da vida. Tradução de Vera Caputo. - São Paulo: Ática, 1998.
BONAVIDES, Paulo, Ciência política. 10. ed. - São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
DE MASI, Domenico, A economia do ócio / Bertrand Russell, Paul Lafargue; Domenico De Masi organização e introdução. Tradução de Carlos Irineu W. da Costa, Pedro Jorgensen Júnior e Léa Manzi. - Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
__________A emoção e a regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950; Domenico De Masi (organização). Tradução de Elia Ferreira Edel. 8. ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.
FRIEDMAN, Milton, Episódios da história monetária. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. - Rio de Janeiro: Record, 1994.
HILFERDING, Rudolf; SCHUMPETER, Joseph A.; KEYNES, John Maynard; HICKS, John R.; HAYEK, Friedrich A.; FRIEDMAN, Milton, Os clássicos da economia. Organização de Ricardo Carneiro; revisão de Fátima de Carvalho M. de Souza (coord.) Isaías Zilli e Márcio Guimarães. - São Paulo: Ática, 1997.
IORIO, Ubiratan J., Economia e liberdade: a Escola Austríaca e a economia brasileira. 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
VON MISES, Ludwig, Uma Crítica ao Intervencionismo. Tradução de Arlette Franco. - Rio de Janeiro: Instituto Liberal/ ed.Nórdica, 1987.
PERINGER, Alfredo Marcolin, Monetarismo vs keynesianismo vs estruturalismo: inflação, desemprego e taxas de juros. - Rio de Janeiro: Globo, 1985.
POLANYI, Karl, A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrobel. 2. ed. - Rio de Janeiro : Campus, 2000.
RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez, A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville. - São Paulo: Mandarim, 1998.
RUSSEL, Bertrand, O elogio ao ócio. Introduzido por Howard Woodhouse; tradução de Pedro Jorgensen Júnior. - Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
SMITH, Adam, Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Prefácio de Hermes dos Santos; tradução e notas de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar. 4. ed. - Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
SORMAN, Guy, A solução liberal. Tradução de Célia Neves Dourado; 3. ed. - Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989.
SKIDELSKY, Robert, Keynes. Tradução de José Carlos Miranda.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
STRATHERN, Paulo, Uma breve história da economia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

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