sábado, 27 de outubro de 2007

A Rês ex-Pública

APROXIMA-SE A DATA da Proclamação da República. Como se antes não fosse. A diferença foi só no mando: do cetro, passou à espada. Com D. Pedro II era mais pública. Havia até um Poder Moderador. O da Sorbonne tornou-a radicalmente privada. E fedorenta, muito fedorenta! O Brasil padece na dor, sem moderador.
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Deve qualquer traição merecer festejo? O que aconteceu a partir da tal "proclamação", na verdade usurpação? Quantas constituições? Quantos golpes de Estado? Quantos fardados assumiram funções políticas, portanto usurpando funções eminentemente civis, a partir do golpe de 1889? Quantos civis partiram para luta armada, portanto largando a produção para mexer em canhão? Isso é negócio a ser brindado?
Vejamos alguns países que saíram de monarquia para res ex-pública: o país da Sorbonne de de plano ganhou o comandante Napoleão; a Itália, padeceu com exércitos de brancaleones: Garibaldi, Cavour, Mussolini e brigadas vermelhas; a Alemanha e o mundo, com o cabo Hitler; a Espanha suportou a trágica guerra, ao gáudio do Gen. Franco. E por aí vai. Agora comparemos com quem não extinguiu a tradição: Mônaco, Luxemburgo, Suécia, Reino Unido, Dinamarca, Holanda e outros mais, inclusive a Espanha, que conseguiu uma brecha para retornar. Nenhum teve sobressalto, nem por isso deixaram de ser democráticos.
Não, o objetivo não é uma ode à Monarquia; é apenas conscientização: a verdadeira república ainda está para ser conquistada, justamente por ter sido usurpada.
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A CONSTITUIÇÃO DOS ESTELIONATÁRIOS

Nossa atual constituição mostra o desvio de caráter a que fomos submetidos. Apesar de roupa nova, desenhada e costurada por famosos estilistas, ela é mais emendada do que macacão de pobre. Está mais para corvo, do que para colibri.
O estilista era estelionatário.Quanto pior o povo estiver, mais fácil espoliá-lo. A digital identifica a voracidade do lobo que invadiu o pavilhão. O banquete, cujo prato é Zé Carioca ao molho bárbaro, permanece na mesa, à disposição.
Dona de precária técnica jurídica, sequer alguma coerência política, o arremedo constitucional é conseqüência do estupendo golpe cruzado sofrido pela Nação. A parca engrenagem passou a girar justamente quando o executivo brasileiro, não o português, propiciava que o boi magro valesse mais do que o gordo, e o carro usado mais caro do que 0 Km. O único artigo que defendia a Nação, foi considerado enxêrto, por isso maculado de imediato sem a menor cerimônia: a limitação dos juros à taxa de doze por cento ao ano, não ao mês, como sói acontecer nesta terra de símios e aves bicudas.
De fato, taxas de juros não devem compor constituições, mas regramentos trabalhistas e sociais, também não. E a divisão de tarefas e prerrogativas oficiais deve ocupar apenas um acento, ou mesmo ir de pé, deixando vagos os demais lugares aos infortunados passageiros.
Para completar, o atual ministro da defesa, sempre pelego-mor, não teve escrúpulos em confessar perante a Nação: com a prerrogativa de relator, levou o texto para casa, alterou os artigos que convinha à sua grei, e colheu as assinaturas dos patos, que sequer olhavam o que assinavam. Tanto fazia. O deles estava garantido.
Terminado o circo, a festa do aviãozinho deu mostra do tipo inconseqüente, escolar, aliás, pré-primário, que a Nação escolheu, (ou seria por fraudes, tão comuns?) para compor sua Magna Carta.
A rigor, mesmo, qualquer Constituição se atém a delimitar algumas competências espaciais, posto versar sobre o Country, ou seja sobre o país, ou seja, ainda é tempo: deve ser uma Constituição do Brasil, não de sua gente, o que é uma confusão própria de leigos ou ignorantes, mas geralmente de oportunistas e velhacos. O brasileiro em si não necessita, e nem quer, constituição. Ele já está constituído, no mínimo, desde que nasceu. Senão, nem nasceria! Para ele existem leis civis, comerciais e administrativas, e até do trabalho, graças a astúcia fascista. Empurrar-lhe goela abaixo o remédio que lhe engessa é uma atitude arbitrária, prepotente, arrogante, covarde and, at last, but not least, burra! Ainda que contenha argumentos sociais e até econômicos, (estes são apenas isso mesmo, argumentos, mas não ações, sequer deliberações), nossa Lei Maior é como um travesti marciano. Perdõe a despudorada comparação. Nada contra travestis, muito menos se de outro planeta, mas o realce é mister: tal corpo é esculpido com traços socialistas, braços fascistas, lábios parlamentaristas, abraços às causas sociais, alcunhada cidadã. Tudo integrado. A gente se desintegra.
A dialética sempre foi a técnica empregada pelo astuto, desde Platão a Maquiavel, de Hegel, Marx e Sorel a Lenin, Stalin e Mussolini. Quem se presta na Sociologia conhece o macete. Devia morar na Filosofia: "Somos nós, e nossas circunstâncias. Se não as salvamos, não nos salvamos." (José Ortega Y Gasset)
Na ocasião caia o muro, de podre. A constituinte colheu o ensejo, e se apresentou com o mais moderno figurino, extraído da bandeira do cidadão, do indivíduo. A função maior, todavia, a defesa do indivíduo, do eleitor, encontra-se ao máximo reduzida. É só bandeira, mesmo. Slogan. Rótulo. Por dentro ela se auto-anula. Invoca extenso rol de composições burocráticas, reservando um diminuto espaço aos estados e menor ainda aos municípios. Apresenta-se democrática, mas deixa as pernas fascistas à mostra. Em vez de cidadã, é uma constituição vilã.
Os feitores tinham a consciência do mal. Pediram expressas desculpas, nas disposições transitórias. Não eram sinceras. Para "reparar" a atrocidade, contrabandearam da Itália, (de novo!) um dispositivo chamado provisório. Mais uma vez enganaram, e continuam, descaradamente. Quase todas as milhares de medidas são permanentes. O país é provisório, porém permanentemente provisório, vê se pode. Também quase todas (aliás não sei de nenhuma que não o seja) são de interesse exclusivo do titular do poder executivo, um disparate consentido na Inglaterra, mas só até 1689, e até ao século XVIII nos Estados Unidos e alhures.
O país da Sorbonne marchou com Napoleão. A Terra que se diz do Galo, como o Brasil, fez um monte de constituições. Todas demonstram o apreço à ficção. Eis a razão do paradoxal lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade: "me engana que eu gosto". É para inglês ver. Ele vê, e ri. Até o vizinho da frente sabe: liberdade, per se, exclui a igualdade, ora pois!
Franceses, como de resto latinos, adoram cantos de galo, galinha e de sereia. E, ultimamente até de símios e aves bicudas.

ORDEM E RETROCESSO

Nós, nossos vizinhos, e primos europeus, como vemos, continuamos atrelados às perfídias do Leviathan, mais faminto do que qualquer reinado, por isso impondo contratos sociais, positivismos e tal, tudo dentro da ordem para haver progresso, só não se sabe de quem. Alienamos nossas existências ao sabor de medíocres interesses de exércitos partidários, ou melhor, de generais sem farda.
A Medida Provisória é mais eficaz do que qualquer baioneta. Atos institucionais foram meros trombadinhas. Tanto quanto os decretos tão repudiados, a MP é instrumento vil, completamente apartado do princípio da democracia. É avessa à divisão de poder. Como se não bastasse, os líderes das “diretas já” de fato pregaram e cumpriram: enfiaram uma série de golpes por sobre a face do povo que os elegeus. (Se é que de fato os elegeu, posto as eletrônicas não permitirem nenhuma conferência.) Tantas maracutaias impunes só poderiam desaguar no que se vê: nossas leis, já há mais de uma década, são apenas frutas de votos vendidos, pagos à prestação, em polpudo mensalão.
Nosso texto constitucional prima por tosca caricatura humanista. Pelo espelho se vê o rabo do macaco. Pela frente, o grande bico, para abiscoitar esquálidos.
Volta, Geraldo Vandré. Vem, vamos embora, que esperar não é saber!

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