segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Falta de imaginação

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"O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. "
Norberto Bobbio


NA DÉCADA de1920, Mussolini, e em seguida Hitler, se agadanhavam do poder. Keynes colheu o ensejo para publicar a “oração fúnebre do liberalismo”, vaticínio intitulado O fim do laissez-faire. Em apenas três anos a Grande Depressão confirmou o prenúncio, granjeando-lhe a fama. Premonição ou autoria?
Peringer entende pela primeira:
"Keynes teve, porém, a inteligência de, primeiramente, ter apresentado uma análise alternativa para explicar os fenômenos depressivos de sua época que pareciam encontrar suporte nas evidências dos fatos, provocado pela Grande Depressão, e, em segundo lugar, inserir o seu pensamento dentro de um arcabouço teórico bem fundamentado. Ademais, mesmo apresentando uma teoria muito bem estruturada para sua época, nunca colocou qualquer dúvida na validade da equação quantitativa da moeda, apresentando, apenas, novas funções a algumas de suas variáveis." (Peringer: 6)
Especulamos pela segunda:
"Antes de Keynes os governos liberais temiam, com razão, perturbar os equilíbrios econômicos se manipulassem a moeda, o orçamento, o imposto, as taxas de juros. A partir de então, tendo justificativas para atuar nesta direção, a estatização se torna 'científica', intelectualmente respeitada." (Sorman, 1989: 54/55)
O método se impunha prático, viável e oportuno. Não requereria qualquer pudor ou piedade:
"Examinando com acuidade o significado dessa crise na passagem da democracia liberal para a democracia social, Gustavo Radbruch excelentemente escrevia, ao abrir-se a década de 1930, que em semelhante estado de coisas não se trata de convencer o competidor, mas de coagi-lo ou esmagá-lo, pois a luta pelo poder substitui em definitivo a luta pela verdade." (Bonavides: 280)
Agora era Keynes, e não mais o mercado, quem comandava as escolhas:
"Mesmo o leitor menos generoso admitirá que o valor lúdico da General theory of employment do sr. Keynes é realçado consideravelmente pelos seus aspectos satíricos. Mas também está claro que muitos leitores ficaram bastante perplexos com essa Dunciad." (Hicks, J. R., O sr. Keynes e os clássicos: uma sugestão de interpretação, in Hilferding: 143)
Os destemidos yankees e o mundo inteiro se renderam à mágica estória do Chapeuzinho Vermelho:
"O capitalismo de livre empresa, um mercado onde perdurassem a competição e a livre iniciativa, passou a ser considerado como instrumento de exploração do povo, enquanto uma economia planejada era vista como alavanca que colocaria os países no caminho do desenvolvimento. Caberia ao Estado, portanto, o controle da economia doméstica, das importações e a alocação dos investimentos de maneira a assegurar que as prioridades sociais se sobrepusessem à demanda egoísta dos indivíduos." (Milton Friedman, Capitalism and freedom; cit. Peringer: 126)
O Lord conhecia a vilã, a via-veneto da depressão econômica - a escassez monetária - mas os financistas com ela lucravam duplamente:
“Por conseguinte, os devedores tendem a perder com a deflação, e os credores, a ganhar’.” (Friedman: 114).
Russell confirma:
"Na verdade os interesses dos banqueiros têm sido contrários aos dos industriais: a deflação que convém aos banqueiros paralisou a indústria britânica." (2002: 68; cit. De Masi, 2001:99)
Inéditas taxas de juros frustraram gastos e investimentos de consumidores e empresas, de modo que a economia interna se enfraqueceu e o desemprego aumentou:
"Não obstante, o que se observou no sistema financeiro internacional foi o surgimento de uma brecha entre as duas taxas: os juros incidentes sobre empréstimos bancários mantiveram-se elevados enquanto o retorno esperado de investimentos produtivos declinava." (Hilferding: 101)
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Em 1968 os estrangeiros residentes da Sorbonne se debruçavam nos mirabolantes planos de manipulação de massa, a fim de persuadir os do chão-de-fábrica. Na Saint Michel des Près, bem em frente ao portão, surgiu o famoso cartaz:
"É PRECISO QUE A IMAGINAÇÃO CHEGUE AO PODER."
Marcos Valério foi requisitado.
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* P. 252.
Fontes
BOBBIO, Norberto, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BONAVIDES, Paulo, Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
DE MASI, Domenico, A economia do ócio / Bertrand Russell, Paul Lafargue; Domenico De Masi organização e introdução; tradução Carlos Irineu W. da Costa, Pedro Jorgensen Júnior e Léa Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
FRIEDMAN, Milton, Episódios da história monetária; tradução Luiz Carlos do Nascimento Silva. Rio de Janeiro: Record, 1994.
HILFERDING, Rudolf; SCHUMPETER, Joseph A.; KEYNES, John Maynard; HICKS, John R.; HAYEK, Friedrich A.; FRIEDMAN, Milton, Os clássicos da economia; organização de Ricardo Carneiro; revisão de Fátima de Carvalho M. de Souza (coord.) Isaías Zilli e Márcio Guimarães. São Paulo: Ática, 1997.
PERINGER, Alfredo Marcolin, Monetarismo vs keynesianismo vs estruturalismo: inflação, desemprego e taxas de juros. - Rio de Janeiro: Globo, 1985.
SORMAN, Guy, A solução liberal; tradução Célia Neves Dourado; 3. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989.