segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Particracias - VII - A escolarização dos partidos

-
É o Estado quem deve educar os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso.
MOURA, G. de Almeida, O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro. -
www.ebooksbrasil.org
/eLibris/fascismoit.
“Antes que Descartes dissesse que sua metafísica não era senão geometria, Maquiavel pode ter pretendido que sua política não era mais que matemática, com seus signos fundamentais, mais, menos, igual.” (GOYTISOLO, Juan Vallet de, p. 28.)
A “genialidade” maquiavélica vem desse empírico e obsoleto paradigma anexado, conexão de racionalidade mecanicista flagrada por Gusdorf . (As Revoluções da França e da América, p. 163.) A própria “razão” provém de cálculo. Seu designativo vem de ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar.
Em Foucault, (Resumo dos Cursos do Collège de France, p. 83) a dimensão do câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
Entre Galileu e Descartes, a desumanidade produziu Hobbes, Bentham e Rousseau:
Quando James Boswell visitou Rousseau que mais do que qualquer outro francês do seu tempo influenciou a opinião pública contra a propriedade, seu anfitrião lhe disse: ‘Senhor, eu não tenho a menor simpatia pelo mundo. Vivo aqui num mundo de fantasia, e não posso tolerar o mundo como ele é. A humanidade me repugna'.
(Boswell on the Grand Tour: Germany and Switzerland, 1764, cit. Pipes: 62)
E de Newton a Einstein, a babel requisitou uma plêiade de serventes: Hegel, Comte, Mill, Marx, Weber e Sorel:
Georges Sorel, o pai espiritual comum do fascismo e do bolchevismo, o ideólogo da violência, seja um homem profundamente pequeno-burguês, representante típico das classes médias francesas, preocupado com a decadência das 'autoridades sociais', que ele concebeu fielmente no espírito conservador de Le Play; preocupado, enfim, com a decadência vital da raça latina, pela qual ele responsabiliza violentamente a Inteligência; ao espírito ele prefere a vitalização pelos instintos bárbaros da massa.
(Otto Maria Carpeaux, www.icones.com.br)
Todos, sem exceção, formam a via-láctea do inolvidável Platão. E são essas as fontes pelas quais todos os partidos, também sem exceção, não só estipularam seus fundamentos, como também as estratégias de comercialização de suas marcas.
Eis o grau do atraso a que estamos envolvidos.
* * *
A Revolução Francesa, alcunhada marco da democracia, revelou que o método é matemático; portanto, desumano. Não passa de um produto aritmético: o lado que contiver maior número, é o vencedor, e pode impor o que bem lhe aprouver.
No início o êxtase propiciou o massacre da família real; depois, a guilhotina; em seguida, Napoleão.
É trivial concluir que no anonimato é que acontecem os linchamentos, por dois mais candentes motivos: primeiro, porque ninguém é identificado; por tanto, não há responsável. Segundo porque todos perdem a individualidade, portanto a consciência.
Tudo isso para a democracia jamais foi problema, nem nunca se questionou. O que sempre interessou foi legitimar os senhores, embora tal intento só aconteça por subtrações.
* * *
Platão propôs a dialética, Descartes a tudo partiu para ensejá-la, e Hegel a todos consagrou. Só restava a chegada de Comte, para formular o viés positivo para ser contraposto ao negativo. A emulação das disputas fortalecem o pseudo-árbitro:
“É a eclosão da personalização do poder. Foi assim que surgiu a tirania nas cidades helênicas dos séculos VII e VI. Foi assim que se desenvolveu a ditadura na República Romana do século I A.C. Como fiel da balança das classes novas e tradicionais.” (Mussolini, Benito, Nações do Mundo, p. 55)
Como a democracia se resume em simplória aferição contábil, é trivial concluir que é na massa que se encontra a chave do cofre, não no conhecimento, muito menos em algum bom senso. E com a bandeira quadriculada no fim da reta, no início os veículos tratam das lotações. O mais lotado ganha o galardão, e para tanto, tudo vale. Promessas, compras, extorsões, chantagens, constrangimentos, fraudes, seduções, e plataformas ilusionistas.
"Como um meio adequado para a consecução de determinados fins, ensina Platão, é permitido ao governo do Estado ideal servir-se de ‘certas mentiras sadias’.” (Kelsen, 1998: 168)
* * *
Como o mundo seria dominado pelo contraste das forças, o sisema politico deveria continuar pautado pelo mesmo diapasão. Somente com o povo dividido se pode aferir a proposta mais eficiente. A parte vencedora seria a expressão da verdade, e, como tal, não só tolerável, como recomendável. A nefasta experiência jacobina-girondina no século XIX ganhava seu diploma superior.
De um lado, os esquerdistas, já tomados comunistas, socialistas, ou candidamente sociais. Do outro, o restante, os reacionários, os direitistas, e até os liberais, embora esses não poucas vezes fossem vistos também nas trincheiras com foice e martelo, especialmente no enfrentamento do Eixo.
* * *
O materialismo vinha num crescente desde que o homem percebeu que não éramos centro do Universo, e que, portanto, as questões espirituais eram enganosas. Por isso paulatinamente veio conquistando mais adeptos, até a promoção dos distúrbios parisienses e londrinos, mas na Alemanha Bismarck se adiantaria. Otto era muito hábil para tentar abolir o socialismo emergente só com repressão ou choque frontal. A idéia era “roubar” parte da bandeira:
Essencialmente anti-socialista, ainda que não necessariamente antagônica a planos de bem-estar social; protecionista e assim solidária aos interesses dos industriais alemães; e, em assuntos externos, antifrancesa, firme contra qualquer ameaça proveniente daquele antigo antagonista.
(BURNS, , Edward McNall; LERNER, Robert E. e STANDISH, Meacham, p. 646.)
Otto Bismarck encetou a cantilena colocando-se à disposição para capitanear o "combate contra latifundiários e capitalistas", emboa este combate fosse ser travado onde eles estavam, isto é, na França. Sempre de olho nas guerras, ou seja, nos despojos dos adversários, e, como no período da Renascença, objetivando soldados leais e fortes, o "marechal" soube se colocar “a favor” do trabalhador (!?) contra a doença, velhice e outras atenções, “de modo que estes senhores (socialistas) façam soar em vão o canto das sereias”. (Idem, p. 648.)
Ao pasto-verde se apresentou enorme e leal contingente. Nietzsche (A Gaia da Ciência, Obras Completas, 5. vol. p. 357; Ediouro, p. 186) sempre desconfiou, não se conteve e chegou a denunciar a esperteza, “o maquiavelismo de Bismarck, aquilo que ele chamava de sua política realista.” (3) Mas Nietzsche ainda “não era Zaratustra”.
O programa social de Bismarck foi incrementado a partir de 1883, através de legislação já oriunda do comando central, textos enxertados com disposições a inspeções fabris, limites de emprego de mulheres e crianças, fixações de jornadas máximas de trabalho, agências de emprego públicas, etc., estendendo o trilho por onde chegariam ao poder ditadores e demagogos pelo mundo afora, os quais se valeram deste primeiro exemplar de Estado Previdenciário. (TAMPKE, J., Bismarck's Social Legislation: a Genuine Break-through? p. 71)
Com saúde, definitivamente, o trabalhador sempre foi melhor guerreiro:
“Afinal, um povo sadio trabalha melhor, produz mais riquezas para o Estado e sua Corte, além de que, se reproduz mais, aumentando a população disponível para o alistamento militar. Povo bem cuidado, mais carne para canhão.” (Mascarenhas, Eduardo, p. 90.)
Toda a população era encarada como exército; de fato, cidadãos eram guindados de seus postos de trabalho, de seus lares, de sua paz, para caírem nas trincheiras, a mando do Estado. Os sobreviventes e seus familiares tinham direito a receber, pois, a devida proteção contra a invalidez, o desemprego, a doença e a velhice, enfim. Ao Estado, o dever de amparo:
Além disso, a guerra deixa ao Estado o encargo dos créditos das vítimas de guerra. Os governos adotam o princípio de que as vítimas de guerra fazem jus à solidariedade da nação. Direitos logo materializados pela carta de ex-combatente, pelo estabelecimento de pensões. Todos os anos parte apreciável do orçamento público se destina ao pagamento das pensões de guerra.
(RÉMOND, Rene, O Século XX, de 1914 aos nossos dias, p. 37)
Ai do governante que assim não procedesse; teria que se confrontar com a adversidade aglutinada dos que nada tinham a perder, o grande receio dos chamados elitistas, prenunciado por Engels na década de 1890:
“São atraídos pelos partidos trabalhistas, em todos os países, os que nada tem a esperar do mundo oficial, ou chegaram ao fim de seus vínculos imbecis honestos ou velhacos desonestos”.
(
ENGELS, F., On the History of Early Christianity, cit. MARX, K. e ENGELS, F., On Religion, p. 319)
Além do “honroso serviço militar”, muitos imbecis honestos saiam de perto da natureza por entenderem-na de difícil “doma”. De fato, as dificuldades operacionais advindas da chuva, do frio, do vento, acessos precários, falta de veículos, de roupas, escassez de recursos médicos a picadas de toda sorte (ou azar) e, principalmente, inclinações próprias de jovens levaram-nos a experimentar alternativas na aventura da vida nas cidades. E os “burgueses filantrópicos”, ao tratarem com pequenos favores lideranças operárias, inocentes úteis, ou velhacos de quadrilha, solidificavam a fabricada representação, evitavam a revolta contra si e mais - arranjavam, com isto, ativos parceiros, ao mesmo tempo anulando formações adversárias e ações desestabilizadoras. Era conveniente que pedidos e concessões político-sindicais assumissem a relevância, senha para a manutenção e ampliação do poder concedente e trava ao algoz socialismo revolucionário universalista. Donde provinham os recursos? O sofista e obsessivo Hegel (cit. BOBBIO, Norberto, Estudos sobre Hegel, Direito, Sociedade Civil e Estado, p. 119) já havia cuidado de tudo ensinar :
“Os impostos não são, em absoluto, lesões do direito de propriedade. O direito do Estado é algo mais que o direito do indivíduo a sua propriedade e a sua pessoa.”
Bastava lançá-los. Cada um que pagasse a conta por este “algo mais” tão difícil de qualificar. Eis o grande exemplo para amenizar, até dissipar, com pleno êxito, o furor comunista. Eis a melhor maneira do governante usar o pobre para encher seu cofre:
O resultado não poderia ser outro:
A nova lei redigida por Edwin Chadwik, ex-secretário particular de Jeremy Bentham, e aprovada quase sem discórdia, refletia de modo claro a idéia burguesa e liberal sobre o propósito de 'alcançar o maior número defelicidade para o maior número de pessoas'. As depressões econômicas dadécada de 1840 mostraram ser falsa essa idéias e arruinaram os planos dos cuidadores das leis dos pobres. Novamente instituíram os donativos e novamente aumentaram os impostos".
(BURNS: 561).

Um comentário:

  1. Caro Cesar Augusto,

    Parabéns pelas inteligentes "conexões epistemológicas" que estabelece em seu caórdico blog.

    É sempre uma grande satisfação poder encontrar pessoas com idéias afins e sinto-me muito honrado pelas referências aos meus textos.

    Abraço,

    Antônio Sales
    Fortaleza/CE

    ResponderExcluir