terça-feira, 16 de setembro de 2008

Ciência e Religião I

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Desde as famosas priscas eras o homem busca incessantemente a
compreensão religiosa. Religião significa ato religação com a
Divindade Criadora. Uma vez expulso do Paraíso, segundo a tradição ocidental, ou por causa da alienação diversionista, no espírito orientalizado, o homem tem consagrado e até condicionado sua existência em prol da procura desse abstrato, o mais importante elixir, extrato estratosférico eternamente invocado, jamais alcançado, mas não seus efeitos. A razão primordial de tantas peregrinações infrutíferas mora na presunção estratégica, metodológica.
Os orientais são os que mais se aproximam das possibilidades, em vista da disciplina filosófica, e da persistência depurativa. Os amarelos desenvolveram a postura, de modo que o ser é mais livremente induzido a navegar na caça do ideal. A corrente asiática, todavia, é de difícil identificação, às vezes de maneira fugaz, logrado zen, de modo que cada vez mais se aprimoram as técnicas; portanto, demonstram que a faina permanece fora do alcance.
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Porém, antes daquelas priscas eras o homem não se preocupava com o intento.
Bastava-lhe apreciar a natureza, conquanto dela retirasse o seu sustento.
Paulatinamente, todavia, nossa parca condição foi sendo elevada ao patamar superior, de modo que o simples prazer de viver passou para uma relação de poder. Invasões e chacinas se fizeram decorrências.
O homem se voltou à ascendência divina; porém nada havia de resposta. As tragédias se precipitavam ao arrepio do Grande Arquiteto. Onde Ele estaria metido? Onde ficava Sua morada?
Platão veio com a resposta. Contínhamos a divindade, sim, mas ela era solapada por nossas prementes necessidades. Haveria a alma; porém, ela era apenas componente de um corpo frágil e limitado no EspaçoTempo, cuja existência exigia alimento, e descanso, teto e razão. Poderíamos continuar filosofando; mas a ciência se fazia mister:
Ciência é uma maneira específica de se aproximar a 'realidade' e de adquirir conhecimento sobre ela. De acordo com o princípio de divisão de trabalho, ciências diferentes têm seus enfoques particulares, ou seja, elas são especializadas em investigar certos segmentos da 'realidade'.
USARKI, Dr. Frank, www.espacoacademico.com.br
Alfred North Whitehead (Cit. Abbagnano: 69), contudo, na década de 1920, já pode sentenciar:
A sistematização do conhecimento não pode fazer-se em compartimentos estanques. As verdades gerais condicionam-se umas às outras; e os limites da sua aplicação não podem ser adequadamentes definidos sem a sua correlação numa generalidade mais vasta.
Embora passiva da freqüente confusão, até por organismos oficiais, que a misturam com tecnologia, a ciência não se reduz a mera técnica, muito menos evolui por profissão:
Nossa Universidade atual forma, pelo mundo afora, uma proporção demasiado grande de especialistas em disciplinas predeterminadas, portanto artificialmente delimitadas, enquanto uma grande parte das atividades sociais, como o próprio desenvolvimento da ciência, exige homens capazes de um ângulo de visão muito mais amplo e, ao mesmo tempo, de um enfoque dos problemas em profundidade, além de novos progressos que transgridam as fronteiras históricas das disciplinas
(LICHNEROWICZ; cit. Morin, 2002: 13)
Por causa dessa errônea percepção é que a gente sói se estatelar:
Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores?
(MISES, Ludwig von: 31)
Tamanha incompreensão pode ser purgada porque parte dessas bobagens acadêmicas
só começou a ser desfeita recentemente, através do maior dos cientistas:
"A ciência sem a religião é manca. A religião sem a ciência é cega." (Albert Einstein)
A cisão platônica mutilou o cérebro, e limitou o conhecimento em currais.
Malgrado o esforço relativo, o homem assim dividido ainda percorre o circuito em busca da reunião, da religação, do retorno à interação criadora.
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Não são poucos os mestres que tentam nortear os obscuros caminhos.
Os "pastores" do ocidente demonstram a simplicidade, a obviedade, mas, gozado, quanto mais tentam as simplificações, sejam com exemplos ou metáforas, mais desanimam o carente. Mentes populares, e até bem iniciadas, consideram Deus um imperador, o Super-homem dono do céu:
"Existe algo transcendental, algo extra-empírico, algo maior, mais fundamental ou mais poderoso do que a esfera que nos é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano." (Idem)
Eles falam em Pai Nosso, de modo que automaticamente nos colocam como filhos; portanto, diferentes.
Eles falam no Celeste, e dessa maneira nos induzem a supor inalcançável, exceto na morte.
Ao Lhe taxarem Superior, nos colocam na posição de inferioridade.
Ao mostrá-Lo Senhor, só nos resta a escravidão.
Se necessitamos aquele Vosso Reino, por certo não passamos de meros súditos.
Pedido de misericórdia? Não é mais apropriado a réu do que a comum vivente?
E caso o desejo se restrinja "agora, e na hora de nossa morte amém",
não persiste a confissão da incredulidade na eternidade?
Seriam estes os motivos pelos quais a humanidade é sedenta da religião?
Estaria ela embarcada em tão estéril quanto ineficaz motivação?
Porventura, ou melhor, por desventura o receio do Juízo Final já seria o bastante?
Neste caso o livre-arbítrio não seria uma armadilha para a prisão de mais um?
Poderíamos ser criados para servi-Lo?
Não. Se Deus é considerado perfeito, não há nenhuma razão para Ele algo desejar; muito menos servos, ou adorações. Tampouco ele serve de guardião, sempre pronto a interferir em favor de seu eleitorado.
Esta relação não foi proposta no objetivo de religar, posto que de fato é impossível estarmos desligados: fazemos parte do Universo, queiramos ou não. No entanto, a humanidade, mercê da chicana cisória, ansia, em primeiro plano, sua reaglutinação. Para tanto, dizem aqueles mentores, é mister abandonar a miserável condição corpórea, mundana, a fim de que a alma possa readquirir a supremacia, e, como tal, ser a emissária da ansiada religação.
Se pensarmos o Universo, o EspaçoTempo como um estupendo oceano, fica trivial perceber que não precisamos sair do lugar, sequer a mente, ou a alma, para com ele interagir.
A compreensão do mais prosaico é a grande honra da moderna ciência. Ela própria destruiu o misticismo da babel acadêmica construída ao longo dos milênios, ao tempo em que tornou a fé um elemento árduo, se comparada com a simplicidade dos novos marcos que podemos divisar.


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