segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Do direito à propriedade


O tema é tão antigo quanto por demais debatido. Parece mesmo interminável. Nos grounds da Filosofia, Sociologia, Direito e Economia dificilmente encontraremos foco de maior controvérsia. Até a Psicologia questiona entre ter ou ser. Todavia, como para exercer a liberdade é mister a propriedade, pelo menos da própria vida, ora me ocorre contribuir com minha cor, neste quadro já tão multicor.
O assunto suporta uma série de volumes, mas, naturalmente meu propósito não visa esgotá-lo. Isso demandaria uma vida de pesquisas, a se juntar centenas de outras, na tentativa de compor uma tela compreensível, adequada, e fundada pelo menos num mínimo de racionalidade e coerência, sem perder as características humanísticas, estas que nem sempre são desse modo comprometidas. Impossível. Tão grande desafio é tentar reduzir a grandiosa amplitude em micro-insight, mas não demanda tanta concentração. Não quero dispender meu parco tempo, muito menos usar sua prestigiosa atenção em estéreis filigranas. Afinal esta propriedade, por certo a mais decisiva, independentemente de qualquer vontade, paulatinamente já nos é subtraída, e com velocidade acima da permitido, a começar pelos verdes anos, a cada instante de tonalidade diferente, sejam tornados mais amarelos, vermelhos, ou mesmo acinzentados; numa palavra, grisalhos.
O fundamento que me induz a lembrança é a coexistência paradoxal da propriedade inapropriadamente chamada pública. Parece-me pujante dilema, mas apto a ser melhor equacionado. Como não o tenho premoldado, ao longo deste meado do nove irei lhe costurando. Leve como uma distração, enquanto aguardamos que ela, a propriedade, seja reconhecida como um bem individual, posto ser derivativo de próprio; portanto, jamais poderá ser geral, ou comum a todos. Se for este o caso, deve trocar de nome, por desvirtuada. Um bem acrescido com o sufixo público seria insuscetível de ser comercializado, ou titulado. Não deveria suportar tal desígneo, uma tipificação que reflete tão tênue quanto vaga, e tão ambígua quanto flexível denotação, a ponto de a qualquer instante, por conversível, baixar a capota, e colocar à mostra as orelhas de Midas do chauffer.
* * *
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país.
TOYNBEE, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta a prova, p. 196.
No Século XIX a Torre de Babel se encontrava em tão alto patamar que até os mais lúcidos, ao descortinar a paisagem, caiam em devaneios. Se formos espremer o extenso período que precedeu os descalabros do seguinte, não retiramos sequer mililitro de algum bom senso, sabedoria, ou mesmo cientificidade. Jamais o homem regrediu tanto, mais ainda do que no obscurantismo feudal, do que neste tempo no qual se julgou se apoderar da verdade. Não foram poucos os projetistas da bestialidade. Fosse nos campos da filosofia, a começar pela débil Coruja Hegel; da Sociologia, pelo vigarista Comte; pela Antropologia, com o turista Darwin; e na Economia, através do demagogo Marx e um exército de desocupados, o homem supunha estar às portas do reino de Deus, porque, feito à sua imagem e semelhança, saberia, tanto quanto Ele, bem calcular, e por isso traçar o destino que melhor lhe conviesse. Portanto, Deus era dispensável.
Foi neste período que um bordão levou boa parte da humanidade de roldão. Até hoje.
* * *
Precisamos tirar a política da
sombra corruptora do dinheiro.

Prof. Doutor Roberto Mangabeira Unger,
Secretário de Planejamento de Longo Prazo do Brasil
,
Livre Docente da Universidade de Harvard,
ex-Professor do Senador Barack Obama. *

O Estado foi instituído para defender a propriedade. Para extingui-lo, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) entendeu demonstrar a impropriedade do motivo. De certo modo ele pode ser reconfortado:
“Mas a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder.” (TOLSTOi, L., A Escravidão de nosso tempo, (1900), cit. Woodcock, G., p. 106)
Em países nos quais a informação da queda do muro de Berlim ainda não chegou, ainda há quem acredite que a propriedade nas mãos do Estado possa gerar maior desenvolvimento. Mas, se nisso alguém não acreditar, há a mão-armada do detentor do poder para convencê-lo da sapiência.
De uma maneira geral, tem se precipitado o inverso. Os bens públicos cada vez mais estão passando às mãos particulares, sejam por privatizações, mais ainda por apropriações indébitas e corrupção desenfreada, por todos os ralos, entre os quais destaco o suborno antecipado, consentido dentro da normalidade democrática:
"As doações para a campanha eleitoral de 2002 revelam que os parlamentares responsáveis pela relatoria de projetos polêmicos na Câmara de Deputados receberam contribuições de setores e empresas beneficiadas pelos pareceres." (Folha de São Paulo, 31/1/2003)
Setor imobiliário é o grande financiador dos vereadores de SP. Entre os projetos do interesse do setor que foi aprovado pela Câmara Municipal foi o que excluiu da área reservada às garagens do cálculo que define o limite de metros quadrados a ser construído em um terreno. Em agosto de 2005, os vereadores aprovaram a matéria.
Folha de São Paulo, 28/9/2008
Neste Pais costumam pescar, desde Gegê, empreiteiras e bancos; com JK se incluíram as montadoras de veículos. As primeiras foram aquinhoadas com as estradas, estas que de meio de escoamento da produção viraram objeto de comércio. Os segundos, segundo a inesquecível pasta-cor-de-rosa, com um milhão retiraram 30 bi, cobertos por uma exitosa chicana denominada Proer. E lá se foi a fabulosa quantia, representada por 90% das notas de cem reais, ao rumo do Triângulo das Bermudas. Jamais foram vistas, desde então. O resultado dessa manobra até hoje vivenciamos: desemprego em massa, crises em massa, tráfico em massa, igrejas lotadas, psiquiatras e advogados enriquecendo, corrupção em larga escala, jamais vista. Veja que a quantia não saiu diretamente de seu bolso, mas quanto lhe custa manter sua segurança?
Os bens particulares cada vez mais estão deixando de sê-los, para serem engolidos pela garganta profunda de um Estado a cada dia mais faminto, fenômeno que torna o Leviathan insaciável, malgrado todos os cidadãos empregados a servi-lo. É bem verdade que grande parte da fabulosa quantia diariamente lhe destinada não logre o terminal. No meio há uma escala, em paraíso, em cujo reduto a propriedade pode ser mantida em mãos privadas. Talvez pelo fato de lá haver muito calor, ninguém reclama da propriedade ser assim conversível.

Sobre a propriedade pública
Legislo tendo em vista o que é melhor para todo o Estado;
coloco justamente os interesses do indivíduo num nível inferior de valor.

PLATÃO, A República; cit. POPPER, K.: 123.
Eis o grande sofisma, pelo qual marxistas e fascistas tornaram o povo refém.
Retirando a prerrogativa da gente, o Estado assumiu o papel exatamente contrário ao Zenith pelo qual foi criado.

A "Constituição" do Brasil
Não é sem razão que a imprensa norte-americana tenha tratado com descrédito e até humor a nova constituição brasileira, de 1988. Um texto constitucional como o brasileiro, que desce a níveis bem específicos e se prolonga por centenas de artigos é, na tradição americana, uma piada.
(KARNALl: 69)
O entreaspas é apropriado devido às enormes contradições, lacunas e impropriedades constitucionais.
A Cidadã nasceu vilã, desenhada pelos que ficaram conhecidos como estelionatários do plano cruzado.
No que tange à tela, o direito de propriedade é eivado de tolices, por certo no propósito de mais facilmente ser turvado, conforme o status dos atores:
"Desde a Constituição Federal de 1988 até o ano passado, 3.994 leis foram questionadas no Supremo Tribunal Federal. 'Número recorde em qualquer democracia', comentou a professora e pesquisadora do Judiciário brasileiro, Maria Tereza Sadek." (http://conjur.estadao.com.br/static/text/67173,1 - 13/6/2008.)
O artigo 5 garante o direito à propriedade, mas a condiciona sob o crivo de "função social", e ainda assegura ao Estado a prerrogativa da desapropriação, sempre no interesse "do povo".
O porta-estandarte é de matiz soviético, dialético par excellence, demagógico por motivo, e dúbio por interesse.
Todas as propriedades tem função social, por isso tem valor no mercado. Mas a propriedade não contém, e sequer é reconhecida, em nenhuma legislação, como um bem social. É ao proprietário que recaem os tradicionais direitos de jus utendi, jus fruendi e jus abutendi, ou seja, os direitos de usar, gozar e dispor do bem como melhor lhe convier, naturalmente que nos limites penais. Esses limites é que foram estreitados, sobrepujando até mesmo o Direito Natural. Os soviéticos tudo destroçaram, e nosotros, macaquitos, mantemos a brecha, claro, para atender qualquer eventualidade.
Quando alguém sacia sua fome, por exemplo, ao alimento não recai nenhuma função social direta, mas, claro, a exceção nestes casos não pode ser invocada, como em tantos, mas não quando pode interessar ao governante. Eis a razão primaz do subsolo ser de sua alçada, e não do proprietário. O art. 20 reserva à União a primazia, bem como as terras ocupadas pelos índios. Se tais disposições não são anteparos a usurpações, e mesmo o reconhecimento oficial da discriminação racial, me tira o tubo, por favor!
Quer saber de uma coisa? Bem, desculpe. Vou trocar de assunto. Este seria interminável mesmo.

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