Quer se suceda que governem com a lei ou sem a lei, sobre súditos voluntários ou forçados; quer que purguem o estado, para bem deste, matando ou deportando alguns de seus cidadãos... enquanto procederem de acordo com a ciência e a justiça e preservarem o estado, tornando-o melhor do que era, esta forma de governo pode ser descrita como a única que é certa.PLATÃO, Estadista, cit. POPPER, K. M., Sociedade Democrática e Seus Inimigos: 184Atualmente em países como Argentina e Brasil, a classe média parece derrotada. Há alguns anos os membros dessa classe eram a chave da prosperidade de pequenas empresas e de serviços públicos de educação e saúde eficientes. Agora, parecem resignados diante da queda drástica de sua qualidade de vida. A impunidade de autoridades corruptas, assim como a insensibilidade do modelo econômico em relação aos problemas sociais, criaram uma frente de tempestade ameaçadora.
MARTINEZ, T. ELOY, Presidente do Departamento de Estudos sobre a América Latina da Universidade de Rutgers, EUA. Autor de Santa Evita e O Romance de Perón. - Estadão, 10/11/1996
Na Argentina, como no Brasil, na década de 20, há um esforço poderoso de definir a identidade nacional: estamos no momento da criação dos nacionalismos. Em ambos os países critica-se o modelo liberal conservador adotado no século anterior. O liberalismo e o democratismo são postos em xeque.Para o desespero de quem conhecia a artimanha, o barco platônico-positivista desse modo aportou na América do Sul. No Brasil houve maciça adesão:
LOVISOLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, publicado em Estudos Históricos: 55; MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil: 234
A evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campos (1891/1968).
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento.“José Mendes doutrinava as lições de Spencer e Pedro Lessa, adepto da teoria evolucionista. Relativamente a distinção entre Moral e Direito, optava pela teoria de Bentham. João Arruda seguiu-lhe os passos.” (REALE, MIGUEL, O Direito Como Experiência: 266)
LOVISOLLO: 243. (1)
As idéias corporativas tiveram grande aceitação: receberam apoio da Encíclica Papal Quadragésimo Anno, de 1931, influenciaram decisivamente a doutrina do partido nazista alemão e de inúmeros outros movimentos fascistas em diversos países. No Brasil, foi notória a sua influência na década de 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas.Bohm (cit, MOREIRA e VIDEIRA, Einstein e a Ciência no Brasil: 267) escreveu ao célebre amigo:
STEWART JR., DONALD, O Que é Liberalismo: 24
"O que caracteriza esse governo (Getúlio Vargas) é uma incrível e absoluta corrupção, de tal intensidade que nem mesmo um norte-americano imaginaria antes de vê-lo de perto. Do topo à base, todos aceitam propinas."
* * *
Los hermanos embarcaram cantarolando:
“A vigência do positivismo evolucionista aparece ainda forte em 1925, irritando Ortega Y Gasset, que constata a presença 'dessa momia de Spencer' nas cátedras de filosofia da Universidade de Buenos Aires.” (Idem: 240)
No meado da II Guerra, a Argentina colheu ensejo e apresentou o cleptomaníaco PERÓN. O apaixonado povo foi presa fácil. O coronel implantou o esquema nacional-absolutista projetando o heroísmo popularesco. Amedrontados, os militares (que o haviam “criado”) decidem não só pelo afastamento, como também pela prisão daquele agora visto como incendiário; foi quando fulgurou outro mito, no facho oportunista da orientada partner EVA DUARTE. Usando a dialética fascista, a musa jogou as classes populares, os “descamisados”, às portas da cadeia para exigir a soltura do Pater Porteño. Em 46, o marido saiu consagrado, ungido por eleição, pero muy suspeita. Um pouco antes, como adido militar argentino em território italiano, ele lograra a proximidade ao Duce. Logo pode implantar a cópia dos regimes:
Suas referencias européias eram a Itália de Mussolini, a Alemanha nazista e a Espanha de Franco, países que visitou oportunamente e seu exercício de poder demonstrou que sua espantosa frase - 'Mussolini é o maior homem do século' - devesse ser levada a sério.A rainha, a glória, agora cognominava-se EVITA, a Embaixatriz, “alta atriz” do totalitarismo demagógico. A Espanha, do colega FRANCO, rendeu-lhe tantas homenagens quantas foram suas promessas em nome do povo argentino para com aqueles ancestrais. Ficou famosa a viagem do navio lotado de trigo que partiu do celeiro do Novo Mundo como dádiva e homenagem dos filhos à Pátria-mãe. Os filhos naturalmente, não viram os presentes ao opulento endereçados, tampouco foram reconhecidos, mas a dadivosa não parou mais de ganhar todo o tipo de benesses. Sua visita subseqüente à Suíça, porém, denota onde costumava guardar os pertences auferidos com o chapéu alheio.
MENDOZA, P. A., MONTANER, C. A., LLOSA, A. V.: 265
Desperdiçava-se a produção na leviandade. EVITA fazia da Argentina uma entidade de beneficência, em nome da tal “justiça social”. Milhares de casas foram construídas “de graça”. Como isto é impossível, alguém, naturalmente, estava pagando. Foram gastos bilhões em roupas, móveis, medicamentos, utensílios domésticos, e até dentaduras postiças. A dupla consumiu de modo mais irresponsável possível, o tesouro a ela confiada. A feira da ilusão terminou na corrupção generalizada, como sói acontecer, na bancarrota econômica, inflação acelerada, na quebra da ordem jurídico-social. PERÓN, o cleptomaníaco, colheu o ensejo, e meteu a mão sem cerimônia:
O nacionalismo de Perón era tal que sua política agrária fez a carne esfumar-se do cardápio nacional durante 52 dias, deixou o campo exaurido e acabou com todas as reservas acumuladas durante o agitado comércio dos tempos de guerra. Como conseqüência, o general apossou-se do gás, da eletricidade, dos telefones, do Banco Central, das estradas de ferro e de tudo que tivesse pegadas forasteiras.Depois disso, o coronel veio se refugiar na casa do coleguinha GETÚLIO, com nosotros, quando foi pego pela orelha, pela própria mulher, e trazido de volta ao Prata, a fim de ajudar a guarnecer a estupenda montanha de ouro furtada pelo casal. (Getúlio & Perón)
idem, 269
Na mais completa falta de imaginação, o filme permanece em cartaz:
Para o escritor peruano Mario Vargas Llosa a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner é um desastre total, e a Argentina está conhecendo a pior forma de peronismo: populismo e anarquia.O filme da Venezuela é o mesmo. Como agora, nosso vizinho se viu saqueado, rasgado, vilipendiado e corrompido quando o sistema político foi colocado no serviço do tarado general MARCOS EVANGELISTA PÉREZ JIMÉNEZ. Os usurpadores se locupletaram à vontade, na extração e manipulação da riqueza negra:
Corriere della Sera, 20/3/2009
Acabo de voltar da Venezuela. Lé o grosso da economia é dirigida pelo governo. Nacionalizou as companhias de petróleo. O maior banco é dirigido pelos sindicatos e subsidiado pelo governo. Numerosas outras indústrias são empresas públicas. E o que foi que aconteceu? Depois de ajudar a OPEP e de ganhar bilhões de dólares, a Venezuela está atolada em dívidas.
TOFFLER, A. , Previsões e Premissa: 105Como ora se trata mesmo enrêdo, já sabemos, de antemão, o epílogo que se repetirá, para desespero daquele pacífico povo. Carlos Rangel nos esclarece melhor esta crise. No ensaio Del Buen Salvage al Buen Revolucionário, o escritor e diplomata venezuelano analisa o mais potente mito dos tempos modernos criado pelos colonizadores, o mito do bom selvagem, da inocência humana antes da queda, divulgado por Colombo e continuado por Montaigne e Rousseau. Em uma Idade de Ouro teria existido um homem bom, corrompido mais tarde pela civilização.
Os europeus são em grande parte responsáveis pelos mitos da América Latina, escreve Jean François Revel, em prefácio ao livro do autor venezuelano. Como potência colonizadora e forjadora da sociedade latino-americana, a Europa, "em nossos dias, na falta de seus soldados e sacerdotes, persiste em remeter-lhe, hoje como ontem, seus próprios fantasmas".
* * *
Equador e Bolívia destacaram-se com nove golpes cada um; Paraguai e Argentina em sete ocasiões substituíram o estado democrático por ordenamentos jurídico-centralizadores capazes de suportar seus príncipes. Na Colômbia, o general larápio ROJAS PINILLA se refastelou à vontade. No Perú, um de seus artífices, de novo General, chamava-se VELASCO ALVARADO. A orquestra peruana saiu a tocar os crimes marciais:
Com um agudo sentido de dignidade nacional, estabeleceram uma ditadura que expropriou jornais, amordaçou sindicatos, reduziu o poder judiciário a uma farsa, encarcerou e exilou opositores e levou a cabo uma política econômica socialista bem lubrificada por uma retórica populista e castrense. Alguns gestos de sublime sabor patriótico distinguem esse período particularmente comovedor da cruzada vernacular: a abolição oficial do Natal e o desterro do inimigo mais temível da Pátria: o pato Donald.Também agarrado no Perú, veio a figura “heróica” de FUJIMORI, o “asiático de coração americano” a fraudar eleições e a demolir qualquer manifestação democrática ou determinação jurídico-legislativa que não lhe atendesse. Foi condenado a 25 anos de prisão por responsabilidade em muitas mortes no período em que governou o Peru, de 1990 a 2000. ALBERTO FUJIMORI era considerado, juntamente com o então presidente mexicano CARLOS SALINAS DE GORTARI, 88 a 94), como exemplo de administrador bem sucedido.
MENDOZA, P. A. , MONTANER, C. A., LLOSA, A. V., : 268
No Brasil, seu contemporâneo e parceiro cobriu um golpe que lesou a pátria em aproximadamente 30 bihões de reais, além de efetuar privatizações viciadas, com cartas marcadas, proteger seus investidores de campanha, especialmente as duas maiores montadoras americanas. Tal presidente escapou de um processo de impeachment comprando metade do congresso. Alterou inclusive a Constituição, em proveito pessoal.
O Paraguai, sempre atrasado, quando GETÚLIO VARGAS se suicidava, recebia seu general, STROESSNER. Tornou-se um dos ditadores de maior período de exercício da América, quiçá perdendo apenas para CASTRO. Acabou vindo morar conosco, em Brasília. Ora tem à testa um ex-bispo, expulso da corporação por má-conduta, ora alvo de processos e protestos de vários origens e matizes.
Infelizmente, ainda se faz oportuno o alerta de KELSEN (A democracia: 140):
“E, ainda que o fascismo e o nacional-socialismo tenham sido destruídos enquanto realidades políticas na Segunda Guerra Mundial, suas ideologias não desapareceram e, direta ou indiretamente, ainda se opõem ao credo democrático.”
Hoje, o subdesenvolvimento pede o superpoder. Como se os Estados do Terceiro Mundo muitas vezes dilacerados por divisões étnicas ou tribais, prejudicadas pelo atraso econômico, tentassem compensar esses obstáculos através de um acréscimo de autoridade política. Como se um poder unificado e concentrado fosse melhor capacitado para impor a unidade nacional e a modernização econômica. Como se o déficit econômico pudesse ser contrabalançado por um excedente político______
SCHWARTZENBERG, ROGER-GÉRARD, O Estado Espetáculo: 83.
Nota
1. São vários os approaches da Nav' s ALL estabelecendo o liame entre tal cienticismo platônico e as ditaduras. Todavia, ora indico: os principais argumentos da relação entre a) positivismo comteano e autoritarismo no Brasil e b) positivismo comteano, freio ao desenvolvimento de uma ciência aberta e à universidade pode ser constatado através da ANTÕNIO PAIM. Mencionamos na bibliografia apenas um texto que pode ser tomado como sinopse da longa trajetória de publicações sobre o tema: História das Idéias Filosóficas no Brasil.
segunda-feira, 20 de abril de 2009
O carma ocidental - 7. O continente golpista
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