quinta-feira, 23 de abril de 2009

O carma ocidental - 10. Da ignorância ecológica


A filosofia mecânica forneceu uma resposta para o problema da ordem cósmica e, portanto, da ordem social, mas ao fazê-lo indicou a necessidade de poder e domínio sobre a natureza.
HENRY, JOHN: 101

O que estou tentando mostrar é que a ciência, por causa do seu método e de seus conceitos, projetou um universo no qual o domínio da natureza ficou ligado ao domínio do homem e que ela favoreceu esse universo – e esse traço de união tende a tornar-se fatal para esse universo e seu conjunto. MARCUSE, Herbert, Uma ciência sem domínio?; P. Seuil, 1970; cit. CHRÉTIEN: 212
Francis Bacon.  Seated Woman (Portrait of Muriel Belcher), 1961. Highest price for a work of art in France since 1989. Highest price for a work of Contemporary Art in France. © Sotheby's Images.
DE CAMBRIDGE, "reduto platônico que costumava ligar a matemática ao uso que dela fizera Platão" (Wikipédia) BACON chegou ao banquete. Não o saboroso alimento, mas Sir FRANCIS BACON (1561-1626), professor de Direito, Cavaleiro de Jaime I, Procurador-Geral do Reino, Lord Chanceler e Barão de Verulam, integrante da Câmara dos Comuns de 1584 em diante e autor, dentre outras façanhas de baixo-calão, do Novum Organum: aforismos sobre a interpretação da natureza e do reino do homem (1620), e Nova Atlântida: o mundo da ciência.-.
Tudo isso constituia a Instauratio magna (Grande restauração). A ciência poderia confirmar o imperium hominis (império do homem) sobre as coisas. Para tanto, deveria ser prática: saber é poder. A realização do plano compreendeu uma série de tratados que primavam por destituir as concepções éticas de ARISTÓTELES. Seu patrão adorou. BACON, juntamente com HOBBES, se refastelaram nas cômodos palacianos:
De acordo com alguns historiadores, a política absolutista de Jaime, sua irresponsabilidade financeira e os favores outorgados a seus favoritos impopulares são as bases da Guerra Civil Inglesa, durante a qual foi executado seu filho e sucessor, Carlos I. Apaixonado por teologia, o Rei ordenou a tradução da Bíblia que leva seu nome, a Bíblia do Rei Jaime, que ainda até os dias de hoje, é a oficial da Igreja Anglicana. Ela justificava seu mais cristalino interesse: tomado por "le plus savant fou de la chrétienté", "o mais erudito tolo da cristandade" também escreveu livros como True law of free monarchies e Basilikon Doron, defendendo o "direito divino dos reis". Ele explica, por razões bíblicas, que os reis são superiores a outros homens. O documento propõe uma administração centralizada e uma política absolutista, pela qual um rei deveria impor novas leis por prerrogativa real, mas também atender à tradição e a Deus.
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Assim justificou a caçada às bruxas proclamando a pena de morte sem benefício clerical de última instância para quem invocasse espíritos do mal ou familiares
http://wapedia.mobi/pt/Jaime_I_de_Inglaterra
Este "professor de Direito" vinha a calhar: "Um estudo recente sobre Bacon, porém, centrou-se mais especificamente em sua crença de que a filosofia natural deveria ser capaz de fornecer apoio para o Estado imperial."
Sua escola já era por demais conhecida:
Na dedicatória de seu livro ‘O progresso da sabedoria’ (1605) a Jaime I, sir Francis Bacon declara que ‘de todas as pessoas ainda vivas que conheci, sua Majestade é o melhor exemplo de um homem que representa opinião de Platão de que todo o conhecimento é apenas memória. Embora Platão tenha expressado essa definição como alegoria à sua crença na imortalidade da alma* e Bacon, como parte de um astuto plano para obter certos favores do rei (que por sinal, funcionou muito bem), podemos nos referir a elas como uma alegoria à enorme importância que o pensamento grego exerceu e exerce no desenvolvimento da cultura ocidental.
Segundo a maior parte dos críticos, os Ensaios constituem o retrato mais real de Bacon. Encerram um repositório de conhecimentos teóricos das paixões e da natureza humana, aproximando-se do maquiavelismo. Esse maquiavelismo que se esconde nas entrelinhas das opiniões dos Ensaios, foi uma constante na vida real do autor.
ANDRADE, JOSÉ ALUYSIO REIS, tradutor e consultor de BACON, FRANCIS, Novo organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza: 8.
Faltava o h, ao cavaleiro de JAIME I. O jockey não tinha pudor em desfraldar a bandeira da cascavel:
Temos uma grande dívida para com Maquiavel e alguns outros, que descreveram o que os homens fazem e o que não deveriam fazer, pois não é possível unir a duplicidade da serpente e a inocência da pomba, quando não se conhecem exatamente todos os recursos da serpente: sua baixeza rasteira, sua flexibilidade pérfida, o ódio que afia o dardo.
BACON, F.
, Advencement of Learning, 1629, II, XXXI

A ciência em voga, a escolástica, resignava-se em apreciar a harmonia universal, sem questionamentos. Os estudos eram voltados para “maior glória de Deus”, ausente o ímpeto de intervir na “ordem da natureza” cristã. Agora, com a dialética platônica, BACON vinha interpretá-Lo como Pai. E como tal, por bondade e necessidade, um simpático “Instrutor-bricalhão”: “A glória de Deus consiste em ocultar a coisa, a glória do rei em descobri-la.” Não só descobri-la, mas deflorá-la: "A investigação das causas finais é estéril e, como uma virgem consagrada a Deus, não engendra nada.”
BACON falava da natureza como de uma fêmea à antiga, aquela “obrigada a servir”, posta em “sujeição”, desse modo escravizada pelo filósofo natural. De nada valeria tentar agarrá-la se não se exercesse total controle sobre ela. A Natureza deveria ser capturada, e os segredos desvendados, através dos seus aposentos íntimos. O sabujo aproveitava o esteio religioso, o qual se referia que Deus havia trabalhado por sete dias*, para colocar a Terra aos pés do homem, ao fito de que a dominasse.
A partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar a natureza. A natureza, na opinião dele, tinha que ser ‘acossada em seus descaminhos’, ‘obrigada a servir’, ‘escravizada’. Devia ser ‘reduzida à obediência’ e o objetivo do cientista era ‘extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos’.
De nutriente, participativa, a natureza virava alvo, adversária subjugada. O saber resumir-se-ia em meio vigoroso e seguro para conquistar o poder sobre ela, mas per se, não constituia valor:
“Assim, foi abandonada a filosofia natural como um traste inútil e o vazio, produzido pelo seu abandono, pretendeu o homem enchê-lo com a ciência.”
O resultado não poderia ser mais trágico:
Na medida em que o poderio da ciência e da técnica é não somente poderio do homem, mas poderio sobre o homem, a ciência é mediadora da dominação do homem pelo homem; e talvez por isso que vivemos numa agressão e numa agressividade permanentes: porque o nosso meio ambiente é considerado como imputável.
PH Roqueplo
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Oito Teses Sobre o Significado da Ciência, in DEUS, Jorge Dias de, Organizador: 151
O psiquiatra R.D. LAING (The voice of experience, Pantheon, N.York, 1984) lamenta:
Perderam-se a visão, o som, o gosto, o olfato, o tato e com eles também foram a sensibilidade estética, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espirito. A experiência como tal foi expulsa do domínio do discurso científico.
Tradições, poesia, espiritualidade e a própria filosofia foram apartadas, minimizadas, arbitrariamente marginalizadas, tomadas de assalto pelo vitorioso esquema geométrico, racionalista. H. MARCUSE (One-Dimensional Man, Beacon Press, 1964) relaciona o sucedido:
A natureza deixa de colaborar e, controlada, colocada para vista em jardins, paisagens e praias, é submetida como matéria-prima para as necessidades da racionalidade tecnológico-científica. Com a ciência e o capitalismo não só novas formas de dominação do homem aparecem, mas a própria natureza passa a ser dominada pelo homem.
A personalidade não escondia o semelhante caráter. Para o historiador WILHEM WINDELBAND (1848-1915): "Bacon não foi um desses grandes homens dos quais podem se admirar igualmente pensamento e atividade [...] O esplendor da vida de Bacon foi prejudicado por manchas de graves defeitos morais.”
O bajulamento à Côrte, receita do Secretário Florentino, lhe rendeu, além das homenagens e dos banquetes, propinas, subornos e atos corruptos, fatos que precipitaram sua demissão por confissão e confinamento na London Tower.
Sua fama correu o tempo e o espaço. Da capital britânica, depois de mais de século, VOLTAIRE ainda mandava notícias:
Sabeis, senhores, que Bacon foi acusado de um crime que não é próprio de um filósofo: o de deixar-se corromper pelo dinheiro. Sabeis que a Câmara dos Lordes condenou-o a uma multa de aproximadamente quatrocentas libras (em nossa moeda) e a perder sua dignidade de chanceler e de par.
A fortuna do vigarista virou pó, mas seu “racionalismo” frutificou:
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes.
NADER, P.;
173
"Na verdade, era isto que Shelley percebia já nos primeiros dias da Revolução Industrial, quando proclamou que na defesa da poesia devemos invocar ‘luz e fogo daquelas regiões eternas onde a faculdade do cálculo, de vôo rasteiro, jamais se atreva a guindar-se’."
O mago, relegado à beira do caminho, divisou, nos trilhos estendidos, o rumo do mal entendido:
A época dos magos estava praticamente desaparecida, dando lugar à nova era, que seria governada pela razão. Esta última sustenta que a alquimia não é possível, e à medida que os magos recolhiam-se à penumbra da lenda, as pessoas começaram a aceitar que estavam de fato limitadas a viver como pacotes finitos de carne e osso em delgadas fatias velozes a linha férrea. Tudo o que vêem é o que se encontra no campo de visão dos seus faróis dianteiros, sem levar em consideração a infinita expansão de possibilidades que se estendem por ambos os lados.
Dificilmente haveria um caminho mais mais nefasto: “O que ocorreu foi que as premissas tecnocráticas quanto à natureza do homem, da sociedade e da natureza, deformaram-lhe a experiência na fonte, tornando-se assim os pressupostos esquecidos de que se originam o intelecto e o julgamento ético.” (LEONI, B.: 66)
A conquista da terra, que quer dizer sobretudo tomá-la daqueles que têm compleição diferente ou narizes ligeiramente mais achatados que os nossos, não é uma coisa bonita, quando se olha demais para ela. O que redime é apenas uma idéia. Uma idéia por trás dela; não um pretexto sentimental, mas uma idéia; e uma abnegada fé na idéia - uma coisa que podemos instalar, diante da qual podemos curvar-nos e para a qual podemos oferecer sacrifícios. CONRAD, JOSEPH, Heart of darkness.
O carma platônico ainda tomaria maior ímpeto ao integrar a mente dos seus contemporâneos HOBBES & DESCARTES, para em seguida se difundir espetacularmente. “No Século XIX os positivistas incidiram em tal erro ao reivindicarem a generalização do método experimental que se aplicava eficazmente nas ciências naturais, para estendê-lo também as ciências humanas.” (HUGON, P.: 128)
MARX (O que Marx realmente disse; décima-primeira das Teses sobre Feuerbach: 22) soube bem apreciar a originalidade baconiana: “Os filósofos tem se limitado a interpretar o mundo de maneiras diversas; trata-se de transformá-lo.”
“O ser que já iniciou a apropriação da natureza por meio do trabalho de suas mãos, do intelecto e da fantasia, jamais deixará de fazê-lo e, após cada conquista, vislumbra já seu próximo passo.” (MARX, KARL, posfácio à segunda edição alemã do primeiro volume de O Capital; cit. Konder, L.: 10)
Isso HITLER não poderia aceitar.
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* O esteio obviamente nada tem de divino, mas arbitrariedade humana. Ao olharem para a Lua, povos antigos notaram que ela mudava de forma em intervalos regulares de tempo: aparecia cheia como uma bola (lua cheia), depois ia diminuindo até ficar pela metade (quarto minguante), continuava a diminuir até virar um aro bem fininho e desaparecer (lua nova) e, em seguida, voltava a crescer até ficar pela metade (quarto crescente). A separação entre cada fase (cheia, quarto minguante, nova e quarto crescente) dura sete dias e algumas horas e é resultado do movimento da Terra em torno do Sol. Portanto, para haver a semana é preciso antes de tudo a luz.
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Um comentário:

  1. Oiiiiiiiiiiiiiiiiiii
    sera que tem alguem aki que conheço?
    hehehe ta sumido heim??
    rsrsrsrs

    o blog spfc está a sua espera!!
    rsrs

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