sexta-feira, 17 de abril de 2009

O carma ocidental.2) A dialética da religião


A Academia Platônica, fundada por Marsilio Ficino, com consentimento de Cosme de Medici, elabora com efeito uma doutrina destinada a uma larga difusão, por longo tempo benéfica à manutenção da hegemonia cultural florentina, mas da qual os Medici são os primeiros a tirar vantagem concretamente. LARIVAILLE, P.: 161.

O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação. JAPIASSÚ, H., 1997: 81
Girolamo Savonarola (1452-1498), sacerdote italiano, implantou uma teocracia ditatorial em Florença, modificou a constituição e reformou os costumes, exercendo uma verdadeira tirania sobre o povo e criticando abertamente a lassidão e corrupção do clero e do papado; excomungado, foi preso, condenado à morte e queimado em praça pública. NIETZSCHE, F., Da utilidade e do Inconveniente da História para a vida, nota do tradutor: 93
MAQUIAVEL (O Príncipe - Introdução) colheu o ensejo:
O assassínio, a pilhagem, as correrias dos mercenários, a descida dos oltramonti, a espionagem e o conluio, as conspirações e as traições formavam-se em elementos do quadro cotidiano da Itália no Cinquento... Porque onde falta o temor a Deus, convém ou que aquele reino desabe, ou que seja sustentado pelo temor a um príncipe que supra os defeitos da religião.’.
PARTE DA GRÉCIA este dormente pelo qual o rebanho vem sendo conduzido à tosa:
“Assim Platão constantemente estabelece o contraste nos seus diálogos.” (DEWEY, J.: 43)
O astuto pederasta facilmente convenceu que seríamos compostos por dois elementos primordiais, porém antagônicos: o corpo e a alma. O confronto interno, a dicotomia do ser se deve aos respectivos destinos. O corpo, a mente tem caráter mundano, egoísta, condenado à imperfeição. Ela, produto do perfeito sopro celestial, tem no céu o seu norte, e no amor o condutor. Apenas sob este viés poderíamos nos salvar:
"Tudo é duplo no homem, tudo se joga entre o tempo e a eternidade. Só o amor (...) pode rasgar o reino da necessidade."
(CHÂTELET, F.: 43)
Maior bobagem será difícil. Se a eternidade tudo engloba, qualquer tempo nela estará sempre incluído; faz parte dela. Não há como separar o calor do Sol, do brilho do Sol. Mas na artimanha, o amor era mais eficaz. De fato, além de tudo, mais duradouro: enquanto a espada do Império Romano se estendeu por países limítrofes, durante uns cinco séculos, mas se desmanchava, a religião romana já impera por quinze, por todos quadrantes do mundo, numa arrecadação sem precedentes, e sem o menor desgaste. Maior arataca será  impossível:
Durante o século IV a.C., verificou-se, no mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Segundo alguns historiadores, um dos factores que concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada pelos tiranos: para garantir seu papel de líderes populares e para enfraquecer a antiga aristocracia, os tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros. Dentre estes cultos, um teve enorme difusão: o Orfismo (de Orfeu), originário da Trácia, e que era uma religião essencialmente esotérica. Os seguidores desta doutrina acreditavam na imortalidade da alma, ou seja, enquanto o corpo se degenerava, a sua alma migrava para outro corpo, por várias vezes, a fim de efetivar sua purificação.
Wikipédia
Eis a coincidência:
Desenvolvido por Plotino (205/270) no início do século IV, em meio à decadência do Império Romano, o neoplatonismo tornou-se uma das mais importantes correntes filosóficas da época e foi a última contribuição do pensamento grego à filosofia Ocidental. O neopitagorismo, que sobrevivera desde o século IV como modo de vida verdadeiramente religioso, também acabou por se fundir com o neoplatonismo.
www.greciantiga.org

Os séculos IV e V, em que Agostinho vive, são uma época em que a filosofia, talvez com exceção do neoplatonismo de Plotino, perdeu a confiança na razão. Cabe então a Agostinho restaurar a certeza da razão, e isso, paradoxalmente, por meio da fé.

Dilacerado entre o desejo de eternidade e a solicitação do corpo, jamais o homem poderia superar a contradição se a sua alma não fosse naturalmente voltada ao divino. Como tal intento é apenas isso, intenção, o ser humano passou a ser visto muito perigoso.
O cruel MAQUIAVEL jurava que a natureza humana era essencialmente má e os seres humanos queriam obter o máximo ganho a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso. No dizer de HOBBES o homem se fazia lobo do homem, um autômato. Pelo diagnóstico de DESCARTES, o indivíduo nasce dotado de más intenções. Conforme ROUSSEAU, o ser é produto de eterno conflito, igual ótica de HEGEL. No catastrofismo de MALTHUS, somos meros reprodutores. Pelos legisladores BENTHAM e MILL, ADÃO era muito egoísta; Mísero símio, na configuração de DARWIN. Exclusivo materialista, pelo prisma de MARX. Um elemento impregnado de neuroses e psicoses, de tanta guerra interna, pela interpretação psicanalítica de FREUD.
A técnica por todos utilizada foi por bem identificada:
“Para falar em termos fisiológicos: na luta com o animal, torná-lo doente é talvez o único meio de enfraquecê-lo.” (NIETZSCHE Crepúsculo dos ìdolos, ou como filosofar a marteladas: 54)
"O marxismo e a psicanálise freudiana expressam os dois lados de um mesmo 'fato', duas perspectivas de uma mesma realidade, a realidade do indivíduo 'cindido', explorado e alienado." (PISANI, M. MELLO, Revista Mal-estar e subjetividade . - Fortaleza, CE, março/2004)
Pois a primeira desintegração lavra-se mesmo no interior do próprio homem, dividido entre corpo e alma, esta em princípio divina, mas que poderia tomar o rumo do inferno, se capitulasse frente aquele mundano e limitado, contraste que leva diretamente ao confronto, e a consequente doença da alma.
“A cisão é a fonte da exigência da filosofia”, diz Hegel no Differenzschrift.( cit. CÌCERO, A.: 73) "A crença fundamental dos metafísicos é a crença na oposição de valores." (NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal: 10)
Tudo começou com o Criador (ou o Classificador) Supremo, pois criando o homem já o classificou em macho e fêmea. Em seguida, criou duas outras categorias: a do bem e do mal. Depois, os sete pecados capitais, os dez mandamentos, anjos e demônios, fé e idolatria, esperança e desespero, caridade e avareza, castidade e luxúria, prudência e loucura, paciência e cólera, concórdia, discórdia, obediência e rebelião, perseverança e inconstância.
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A interpretação religiosa assenta nessa mesma biguidade: una est religio in rituum varietate, proclama Ficino, que, na Teologia Platônica – título revelador – desenvolve o acordo entre o platonismo e o cristianismo. ‘Eis a razão porque, quem quer que leia seriamente as obras de Platão, nelas encontrará, evidentemente, tudo, mas em particular essas duas verdades eternas: o culto reconhecido de um deus conhecido e a divindade das almas, onde reside toda a compreensão das coisas, toda a regra de vida e toda a felicidade. E tanto o mais que, sobre estes problemas, a maneira de pensar de Platão é tal que, de entre outros filósofos, foi a ele que Agostinho escolheu para modelo, como sendo o mais próximo da verdade cristã, afirmando que, com pequenas alterações, os platônicos seriam cristãos.’
A própria Bíblia é plenamente dialética (1). Não há página sem contraposições, contrastes, confrontos semióticos. "É mais fácil um camelo passar pela agulha..." Se um olho te escandalizar, arranca-o"... "Quando levar um tapa, oferece a outra face..."
seesaw
sparring Belzebú, Sem contendor não há espetáculo

“Um conselho sem dúvida bem-intencionado, atribuído a Santo Agostinho, advertia os cristãos a manter distância das pessoas que sabiam somar ou subtrair. Era óbvio que haviam firmado um 'pacto com o diabo'.” (TOFFLER, A. e TOFFLER, H.: 41)
Agostinho pode ser considerado como autor da primeira filosofia do cristianismo. Intitulou-se ‘De Civitae Dei’ (Sobre a Cidade de Deus). Por isso ele é pai ou precursor da hierarquia eclesiástica, esta que alcança alto status no século XIII, teológica e políticamente sistematizada na ‘Summa Theologiae’ de Tomás de Aquino. Desde então, os novos consulados romanos, em forma de catedrais, foram espalhados pelo globo, captando recursos onde eles estivessem.
O sistema filosófico-teológico de Agostinho está inteiramente calcado sobre a ideologia (2) do Antigo Testamento. As doutrinas de Agostinho sobre o pecado e redenção do homem são de uma clareza diáfana e foram aceitas quase universalmente, com algumas modificações pela Igreja cristã do Ocidente, até aos nossos dias.
ROHDEN, H, Filosofia Contemporânea: 23
Evidentemente tais arranjos nada tem de filosóficos, ou científicos. A rigor, nada há de racional; ao contrário:
Tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo.
ZOHAR, D., O Ser Quântico, Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física:
188.

Bem e mal são categorias inventadas pelo homem para conviver. [...] A imensidão do espaço não pode ser analisada do ponto de vista do bem e do mal. Não tem sentido, nenhum sentido, do ponto de vista do bem e do mal.
BOBBIO, N., e VIROLI, M.: 79.
EINSTEIN (cit. GABERDIAN, H. GORDON: 314) apesar de toda religiosidade não poucas vezes expressada, soube bem compreender:

No homem primitivo era o medo, acima de quaisquer outras emoções, que o levava à religião. Esta religião do medo – medo da fome, de animais selvagens, de doenças e da morte – revelava-se através de atos e sacrifícios destinados a obter o amparo e o favor de uma divindade antropomórfica, de cujos desejos e ações dependiam aqueles temerosos sucessos. Como o entendimento do homem primitivo sobre as relações de causa e efeito era pobremente desenvolvido, essa religião do medo criou uma tradição transmitida, de geração a geração, por uma casta especial de sacerdotes que se postara como mediadora entre o povo e as entidades temidas. Essa hegemonia concentrou o poder nas mãos de uma classe privilegiada, que exercia as funções clericais como autoridade secular a fim de assegurar seu poderio. Nesse ínterim se verificava a associação dos governantes políticos à casta clerical, na defesa dos interesses comuns.
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O Fio-de-Ariadne
Na Grécia, berço das artes e dos erros e onde se levou tão longe a grandeza e a estupidez do espírito humano, raciocinavam sobre a alma como nós.
VOLTAIRE,
«13.ª carta», Cartas Filosóficas.
“Em Atenas, Eurípedes e Platão foram acusados de roubar idéias de outros autores e filósofos.” (BURKE, PETER, A propriedade das idéias. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves; Folha de São Paulo, 24/6/2001: 16)
De Parmênides (540-450 a.C.) Platão contrabandeou as alegorias da ilusão; de Pitágoras, (VI a.C.) a geometria e a matemática. Assim crescia a chicana dialética: o fato, a suposição e a resposta, conflito estimulado por distinções polares, paradoxais e enfraquecidas mutuamente, mas desse modo receptiva à introdução da vontade do amo.
A configuração de coletivismo extremado desde o século V a.C. é vista na Grécia como um modelo perfeito de Estado, com a coletividade assim rigidamente aparelhada e destinada à defesa do Estado. "A evolução do sistema, entretanto, revela uma rápida redução numérica da coletividade espartíata que se transforma em simples oligarquia: estima-se que no século III não haviam mais do que por volta de 900 cidadãos espartanos." (2)
“Na Idade Média, a dialética torna-se disputatio, isto é, um confronto de opiniões.” ( ABRÃO, B.: 353)
De fato, o costume é identificar tal técnica como proveniente de dia=através e lelo=pensar, jogo de palavras que por definição, envolve duas (dial) éticas... Ou seja: a dubiedade é de seu caráter.
Pela semiótica, na sintaxe e na semântica do prefixo dial percebe-se o pragmatismo do adjetivo dual, ou seja, duplo, anunciante das duas éticas - uma, real, legítima; outra a que interessa, dissimulada. O que aparece flagrante é a necessidade primeira de estabelecer-se um confronto. Para tanto, parte-se o objeto em duas metades. De um lado, os ingênuos. Do outro, os que se acham espertos. Uns contra os outros é o ideal. Ambos se enfraquecem, para o engradecimento do introdutor.
Logo, para Hegel, é o sufixo que denota a própria lógica proveniente de uma escolha arbitrária sobre um dos dois vértices chamados “intercambiáveis” (na verdade contraditórios) que produzem o confronto das forças, daí restando os despojos cognominados síntese:

A lógica de Hegel, no entanto, contém três termos: a afirmação (a tese), a negação (a antítese) e a síntese, que resulta da negação da negação. O último termo, uma dupla negação, é também outra afirmação, mas engendrada pelo confronto dos dois termos anteriores. Hegel chama essa estrutura lógica de dialética.
ABRÃO B.: 353.
GRANGER (p. 99) descobre sua principal deficiência:
Sejam quais forem os atrativos das descrições dialéticas de certos períodos da história, não podemos deixar de pensar que a diversidade dos acontecimentos e dos homens não se ajusta assim tanto a este esquema. O salto da antítese para a síntese aparece muitas vezes como arbitrária
Na capital não se vê a dialética, mas o novo jamais substituiu o antigo também. É tudo do mesmo saco, direto na sintética.
Nietzsche se deu conta: a história ocidental produz uma permanente festa à fantasia, na qual os dogmas e as religiões do mundo comparecem vestidos de arlequim. Aderimos:
Contemporaneamente o mito vai se identificando com a ideologia política: é que o processo mitológico sempre coloca suas crenças a serviço de uma ideologia. Barthes, coincidindo com este entendimento, afirma que através do mito consegue-se transformar a história em ideologia.
WARAT, Luiz Alberto, Mitos e Teorias na Interpretação da Lei: 128
"Não é freqüente o caso em que a manipulação ideológica da religião com fins políticos é o catalisador real de tensões e divisões e, às vezes, da violência na sociedade?" (Papa Bento XVI, Folha de São Paulo, 9/5/2009)
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1.
Dialektikê: Aristóteles afirma que foi invenção de Zenão de Eleia (D. L. ix, 25), às antinomias de Parmênides (Platão, Parm. 128c). E o que para os eleatas era esta mera espécie de polêmica verbal (o que Platão chamaria «erística» ou disputa; ver Soph. 224e-226a, Republica 499a, Fedro, 261c) foi transformado por Platão num "método filosófico superior", a técnica socrática da pergunta e resposta em busca das definições éticas (ver Platão, Fédon 75d, 78d; Xenofonte, Mem. I, 1, 16; e elenchos), estratégia que Platão explicitamente descreve como dialética (Crát. 390c)

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