domingo, 19 de abril de 2009

O Carma Ocidental - 5. As veias entupidas da A.L.



Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela sua relação com aquele filósofo. JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Trad: Arthur M.Parreira. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003: 581

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que já chegou a chamar Barack Obama de 'ignorante' sobre a região, presenteou o presidente americano com o livro 'As veias abertas da América Latina', escrito por Eduardo Galeano, sobre o papel de grandes potências na exploração do continente e na manutenção da pobreza e ignorância da região. O Globo, 19/4/2009


O que os cínicos não compreendem é que o contexto mudou totalmente – que os argumentos políticos arcaicos que nos consumiram por tanto tempo já não se aplicam. Mr. BARACK OBAMA, discurso de posse à presidência dos EUA..


'Na Venezuela tem democracia até de sobra', disse há meses o presidente Lula. Esse nunca sabe o que diz. Quem não lê sequer livros sobre o Corinthians entende tanto de Vargas Llosa quanto o vizinho que presenteou Barack Obama com um exemplar de As Veias Abertas da América Latina, tão profundo que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-lo com com água pelas canelas. O romancista desconcerta Chávez. Intimida-o muito mais o democrata radical, que se distingue do simplesmente democrata pela disposição de enfrentar com ferocidade quaisquer liberticidas ─ venham de que extremidade vierem.
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Essa tribo começa a expandir-se também no Brasil. Seus integrantes aprenderam que a ditadura militar é tão odiosa quanto a ditadura do proletariado. Aprenderam que dividir o mundo entre esquerda e direita é apenas uma simplificação malandra forjada para driblar distinções que devem precedê-la. Há os homens de bem e os desonestos, há os devotos do convívio dos contrários e a seita dos intolerantes.
NUNES, AUGUSTO, revista Veja, SP, 29/5/2009
LAWRENCE HARRISON (Massachuchetts Institute of Tecnology) e STEPHEN HABER (Universidade de Stanford) em The Pan-American Dream, (cit. TOLEDO, J. R., O Pesadelo Americano, Folha de São Paulo, 10 de agosto de 1997) justamente recomendam que se busquem os motivos do atraso sócio-econômico de nosso continente nos próprios países e não fora deles. Ambos também concluem que a tradição ibero-católica é particularmente inclinada ao autoritarismo, à injustiça e contrária ao livre mercado:
Há diferenças óbvias entre os países latino-americanos, mas as semelhanças são marcantes, por exemplo, com respeito as tradições de autoritarismo e envolvimento militar na política, de injustiça social e de sistemas econômicos 'mercantilistas' ou 'corporativistas' que tanto contribuíram para essa injustiça. No estadismo ibérico o cidadão acredita que o Estado - e não ele mesmo - deve resolver os problemas de sua vida. O simples complemento desta representação consiste em pensar que também o Estado (nacional ou outro) - e não o próprio cidadão - é responsável pelos malogros.
O prof. SEYMOR LIPSET (O Homem Político: 84) oferece equivalente parecer:
“A estrutura social e econômica que a América Latina herdou da Península Ibérica impediu-a de seguir o exemplo das antigas colônias inglêsas e suas repúblicas nunca desenvolveram os símbolos e a aura de legitimidade.”
No Congresso América 92 - Raízes e Trajetórias, a Prof. MARILENA CHAUÍ condenava a formação política de nosso continente, porque lastreada no fortalecimento repressivo e violento do Estado, “único sujeito histórico e político do país”. A conceituada catedrática cita a característica dos regimes despóticos e demonstra como a mistura dos três poderes, veiculados originalmente em Montesquieu, enfeixam-se nas mãos de um pequeno grupo, mais moderno e mais “democrático”, substituto do déspota único, capaz de encarnar com maior eficácia uma arranjada “Vontade Geral”. Queixa-se:
“Não se consegue desenvolver os ideais socialistas da justiça sócio-econômica, da liberdade e da felicidade, da cidadania participativa e da sociedade auto-organizada.”
Tampouco qualquer arremêdo liberal:
“A 'vontade geral' tem sempre razão e, enquanto tal, está sempre espreitando a vida privada do cidadão soberano, por sobre seus ombros.” (KOSELLECK, REINHART: 144)
A semelhança dessa vontade com o gosto dos inúmeros chefes latinos já fora detectado por ninguém menos do que o próprio “libertador” SIMON BOLIVAR (cit. (MINGUET, CHARLES, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986, p. 117; cit. GUSDORF, G. 259):
“Não podemos governar a América. Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.”
A predição me remete ao nosso flamante movimento das Diretas Já, e a sofrida saga desde então impingida.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristão, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degradados que aqui hão de ficar aprenderem bem sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa fé...
Carta de Pero Vaz de Caminha, cit. FARACO & MORA, Para gostar de escrever. - São Paulo: Ática, 2002.
Foi sempre mais cômodo ao continente dos escravos, silvícolas e bandidos extraditados, dos católicos espanhóis e portugueses, “copiar” os sentimentos da matriz:
“O nacionalismo latino-americano é, como os cavalos e os jesuítas, ou como o Direito e o castelhano, uma importação européia.” (MENDOZA, PLINIO APULEYO, MONTANERS, CARLOS ALBERTO, & VARGAS LLOSA, ALVARO: 207)
Junto, veio o molde centralizador:
O monopólio, os privilégios, as restrições a livre atividade dos particulares no domínio econômico e em outros são tradições profundamente arraigadas nas sociedades de origem espanhola. Diante dessa situação, a reação espontânea de um chefe de governo, herdeiro da tradição mercantilista espanhola, será sempre a de intensificar controles, multiplicar restrições e aumentar impostos.
Idem: 126
RICHARD MORSE, (Entrevista a CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA, Folha de São Paulo, 11/10/92) ex-professor da Universidade de Yale, ex-diretor do programa latino-americano do Woodrow Wilson Center, Washington, referenda a teoria de que a colonização inglêsa teve aspectos de modernismo não aplicados pelos ibéricos. MORSE ainda enfoca a peculiaridade climática vivida por Espanha e Portugal na época dos grandes movimentos político-científicos e lembra a permanência intocada que ficou a região diante da Reforma ou do Renascimento. Constata, ainda, que naqueles domínios não houve nenhuma revolução científica importante, ninguém equivalente a HOBBES ou LOCKE, ou mesmo a ROUSSEAU, ou a uma revolução industrial. Em outras palavras: a região ibérica destoou da aceleração político-cultural do resto do continente. (O célebre professor, todavia, crê ser possível uma metamorfose, advinda da nova observação, “de enfoque globalizante ou holístico do mundo na Íbero-América.”)
GORES VIDAL junta-se aos diagnósticos, e atribui o desastre das Américas Central e do Sul ao espírito de um rei católico,
totalmente beato e totalmente não inteligente de nome Felipe Segundo, seguido de um estúpido regime que suprimiu culturas regionais, florescentes naturais, preenchendo o vazio de sua falta com os piores elementos da cultura arcaica, de mausoléu.
(Idem, ibidem)
JUAN DOMINGOS PERÓN (Perón y el justicialismo) deu a tudo razão:
A diferencia de los otros, el movimiento justicialista era ideológicamente cristiano, y tanto lo era, que por diez años consecutivos el clero argentino, desde su más alta jerarquía, hasta el más humilde cura de campaña, apoyó al Peronismo, ta nto en sus campañas electorales como durante su gestión partidista en el gobierno
E lá se foi el macaquito brasileño:
Não sou peronista. Sou, sim, grande amigo do General Perón, que me manda buscar à Argentina no seu avião particular. Sou admirador pela organização que ele deu à Argentina. Ele aperta um botão e desencadeia uma greve geral. Aperta outro botão, faz parar a greve.
VARGAS, Getúlio. - Zero Hora,
13/8/1995: 6
O próprio SIMON BOLIVAR (Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul (1815), cit. MENDOZA, MONTANER, & LLOSA: 36) discernira e de novo profetizara:
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. Infelizmente essas qualidades parecem estar muito distantes de nós, na intensidade que se deseja; e, pelo contrário, estamos dominados pelos vícios que foram contraídos sob a direção de uma nação como a espanhola, que só sobreviveu em atrocidade, ambição, vingança e avidez.
Cobria-se totalmente de razão:
O continente tem, até hoje, uma relação debilitada com a modernindade. E as constituições têm, com freqüência, até hoje, um caráter meramente retórico, sem que haja uma identidade entre Constituição e realidade. É como uma cobertura sobre o bolo. O bolo é a herança cultural dos 400 anos. A modernidade é apenas a calda que cobre, mas não chega a adentrar o bolo.
BARLOEWEN, Constantin von, professor de Antropologia Comparada da Escola Superior de Design e Artes de Karlsruhe - www.deutsche-welle.de/dw20.10.2008
Ao invés de copiarmos o melhor exemplo, preferimos nos insurgir contra ele:
A história recente da América Latina está cheia de revoluções justiceiras, como a mexicana, a do Movimento Nacional Revolucionário na Bolívia, a de Juan Velasco no Perú, a de Fidel Castro em Cuba, todas insurgidas contra o entreguismo e o imperialismo econômico.
MENDOZA, P.A., MONTANER, C. A., LLOSA, A.V.: 82
Na Argentina, como no Brasil, na década de 20, há um esforço poderoso de definir a identidade nacional: estamos no momento da criação dos nacionalismos. Em ambos os países critica-se o modelo liberal conservador adotado no século anterior. O liberalismo e o democratismo são postos em xeque. O fantasma vermelho do bolchevismo é agitado para reivindicar a ordem autoritária e disciplinadora, formadora de um povo uniforme que, no caso argentino, identifica-se como não-nacional, estrangeiro, e freqüentemente judeu. Em ambos os países se afirma que a fórmula, inautêntica, inexpressiva, é cópia de instituições alienígenas que não correspondem ao país real. Foi nesta mesma época da visita de Einstein que se publicou a obra organizada por Licínio Cardoso, 'À Margem da História da República', na qual essas críticas são formuladas por O. Vianna e outros. Dez anos antes essa linha de argumentação tinha seu expoente em Korn na Argentina, e Torres no Brasil. Na construção do nacionalismo autoritário argentino prevalece uma perspectiva 'romântica' que procura na história nacional e ibérica, na sua continuidade, os fundamentos de uma identidade cultural e política que apela ao autoritarismo. No Brasil, a descrição sociológica, de raiz positivista e especialmente comtiana, é um fundamento importante de sua construção que, por certo, coexiste com outras fontes de fundamentos.
(
LOVISOLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, publicado em Estudos Históricos:55; MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil: 234)
VILELA e CATÃO (O Monopólio do Sagrado; Correio do Povo, 5/11/1995: 21) completam o quadro.

No Terceiro Mundo e sobretudo na América Latina a social-democracia é adotada por quase todos os partidos políticos. Sendo liberal, democrática em política e socialista, intervencionista em economia, promete mais do que pode dar (comportamento típico do populismo). De frustração em frustração, vacilante e inoperante diante da realidade que não consegue entender, procura enfrentar os problemas apenas pela via retórica e acaba gerando o desejo de intervenção, a fim de 'por a casa em ordem' (regimes militares). Essa alternância de militares e populista, ambos intervencionistas, tem sido a saga da América Latina e a grande causa de sua má performance econômica.

Atualmente em países como Argentina e Brasil, a classe média parece derrotada. Há alguns anos os membros dessa classe eram a chave da prosperidade de pequenas empresas e de serviços públicos de educação e saúde eficientes. Agora, parecem resignados diante da queda drástica de sua qualidade de vida. A impunidade de autoridades corruptas, assim como a insensibilidade do modelo econômico em relação aos problemas sociais, criaram uma frente de tempestade ameaçadora. No fim de setembro mais de setenta mil pessoas marcharam para a Plaza de Mayo, em frente a Casa Rosada de Buenos Aires, sede do governo, para protestar contra as medidas de austeridade impostas pelo presidente argentino Carlos Menem. Pela primeira vez os sindicatos peronistas acusaram Menem, líder de seu partido, de traidor. 'Menem está voltando as costas para o povo, para apoiar a concentração monetária e financeira de riqueza', declarou o líder da Central Geral dos Trabalhadores. O próprio Menem respondeu: 'Nada, nem mesmo a maior pressão, torcerá meu braço'.
MARTINEZ, TOMAS ELOY, Presidente do Departamento de Estudos sobre a América Latina da Universidade de Rutgers, EUA, autor de Santa Evita e O Romance de Perón, O Estado de São Paulo, 10/11/1996: 2.
Na mais completa falta de imaginação, o filme permanece em cartaz:


Hoje, o subdesenvolvimento pede o superpoder. Como se os Estados do Terceiro Mundo muitas vezes dilacerados por divisões étnicas ou tribais, prejudicadas pelo atraso econômico, tentassem compensar esses obstáculos através de um acréscimo de autoridade política. Como se um poder unificado e concentrado fosse melhor capacitado para impor a unidade nacional e a modernização econômica. Como se o déficit econômico pudesse ser contrabalançado por um excedente político
Schwartzenberg, Roger-Gérard, O Estado Espetáculo: 83.
Para o escritor peruano Mario Vargas Llosa a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner é um desastre total, e a Argentina está conhecendo a pior forma de peronismo: populismo e anarquia.
Corriere della Sera, 20/3/2009
No sempre presente efeito Orloff, o Brasil também vem padecendo na silvilização, infortúnio constantemente renovado:
"FHC optou por lançar seu livro de memórias nos EUA, como se prestasse contas do seu mandato a quem de fato o colocou lá. Para quem suspirava com a idéia de ser um misto de Mitterrand e Felipe Gonzalez, parecer Carlos Menem deve ferir o orgulho." (SADER, EMIR, http://www.vermelho.org.br/, 9/2/2006)
A Organização Mundial do Comércio (OMC) cobra uma liberalização do mercado nacional, a redução das taxas de juros e levanta suspeitas sobre os programas de incentivo à exportação do Brasil. Ontem, a OMC iniciou sua sabatina da política comercial do Brasil, o que se transformou em uma avaliação de todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O recado foi claro: nos últimos anos, o Brasil elevou a proteção e, agora, a liberalização do mercado precisa ganhar novo ímpeto diante da recessão. A participação do Brasil no comércio mundial aumentou de 1,05% para apenas 1,16% em cinco anos. A OMC ainda ataca os picos tarifários, além do aumento do número de medidas antidumping, 63 sobretaxas contra produtos. Na prática, o que a OMC pede é que o País não proteja apenas setores ineficientes, já que o impacto seria negativo para a competitividade.
Desse modo se obstaculiza o comércio; e por conseguinte, as relações:


Desde setembro de 2008, a Argentina aumentou restrições para a entrada de produtos brasileiros. O instrumento mais usado é a licença prévia de importação - antes de levar a mercadoria até a fronteira, o exportador precisa obter um documento autorizando a entrada.
O Globo, 12/5/2009
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Bonita foto.
Para inglês ver.
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Alfredo Valladão, da Universidade de Paris critica a postura brasileira diante dos países vizinhos, em entrevista à BBC-Brasil (16/12/2008). Segundo o renomado pesquisador, a política externa do país é "limitada" por refletir a crise de identidade de sua elite. E ironiza nossa a biruta performance:
O Brasil não sabe se quer ser o primeiro entre os pobres ou o último entre os ricos.. Essas cúpulas me fazem lembrar aquelas bonecas tradicionais russas (matrioshkas). Vem uma atrás da outra e é tudo vazio... Não quero minimizar a importância desses encontros. Ao contrário: acho que são extremamente importantes, mas é preciso mais conteúdo.
Eis o preço pelo apreço à impostura:
A economia da América Latina pode sofrer uma considerável retração este ano devido à crise global, afirmou Nicolas Eyzaguirre, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental. 'Em média, a América Latina terá uma queda possivelmente maior que 2 por cento',
Reunião de ministros de Finanças das Américas realizada no Chile, em 3/7/2009
Nada de novo no front. Como vimos, isso já se sabe, há muito.


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