segunda-feira, 27 de abril de 2009

O carma ocidental - 14. O véu de Newton

c.

Em um dos manuscritos, datado do começo do século XVIII, Newton, por meio dos textos bíblicos do Livro de Daniel, chega à conclusão de que o mundo deve acabar por volta do ano de 2060. 'Ele pode acabar além desta data, mas não há razão para acabar antes'

ete.A tão bela quanto platônica Cambridge University - UK


Mas eu não deixarei de tocar, em minha física, em várias questões metafísicas e particularmente nesta: que as verdades matemáticas, as quais chamais de eternas, foram estabelecidas por Deus e dele dependem inteiramente, assim como todo o resto das criaturas. Não receai, peço-vos, garantir e publicar em toda a parte que Deus é quem estabelece estas leis na natureza, assim como um rei estabelece leis em seu reino. DESCARTES, RENE, Carta à Mersennas.
O ONIRISMO PLATÔNICO já havia varado o canal surfando pelo axioma do religioso COPÉRNICO (cit. CHATÊLET: 49):
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
O Verbo se mostrava pelo número (sinônimo de harmonia). Equações entre pares e ímpares, noções opostas (limitado e ilimitado) expressariam as relações de todas as coisas. A faculdade de conhecer o verdadeiro se resumia ao que os braços ou olhos podiam confirmar, mas o acesso ao ideal estava plenado:
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas. GALILEI, GALILEU, cit. CAPRA, F. 1991: 50.

O prestígio das matemáticas vem-lhes do facto de a afirmação excluir nelas a própria possibilidade de controvérsias: a partir de agora, serão as matemáticas que irão fornecer a unidade na medida de todas as ciências. MORIN, EDGAR, 2000: 128.
A influência do neoplatonismo, doutrina filosófica criada por Plotino (205/270) no século III, não se restringiu ao cristianismo (Santo Agostinho, John Scotus Erigena). Na Idade Média influenciou ainda a filosofia judaica, a filosofia dos árabes e, mais recententemente, o filósofo alemão G.W.F. Hegel (1770/1831) e os platonistas de Cambridge (séc. XVII).
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O primeiro chôro de ISAAC ocorreu em Woolsthorpe, 25 de dezembro de 1642, ano da morte de GALILEU. O campo e a régia mordomia lhe renderam longa jornada. Seu último suspiro foi em 1727. O epitáfio foi escrito pelo poeta ALEXANDER POPE:.
Nature and nature's laws lay hid in night;
God said 'Let Newton be' and all was light
.
(A natureza e as leis da natureza estavam imersas em trevas;
Deus disse "Haja Newton" e tudo se iluminou.)
.
O bebê engatinhou sob os cuidados dos avós, em Woolsthorpe. Sua mãe casara novamente, desta feita com um "pastor", de nome BARNABAS SMITH. No ambiente rural-puritano do Condado de Lincoln, o juvenil NEWTON soube das dramáticas lutas, desmandos e crueldades do Leviathan de CROMWELL.
Newton possuía uma extensa biblioteca de teologia e filosofia a seu dispor, incluíam desde estudos de línguas até todos os tipos de literatura clássica e bíblica, isto deve ter vitalizado seu espírito para inspiradoras abstrações. Comportou-se como um bom cristão anglicano e atendeu serviços na capela do Trinity Colege e, mais tarde, em Londres. Algumas das coisas que ele acreditava, era o tempo, sempre igual para todos os instantes e os seis mil anos de existência que a Bíblia dá à Terra. E considerava que a Mecânica celeste era governada pela gravitação universal e, principalmente, por Deus que, segundo uma frase do próprio cientista em questão: 'A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isto fica sendo a minha última e mais elevada descoberta.' Em um manuscrito que ele escreveu em 1704 no qual ele descreve sua tentativa de extrair informações científicas a partir da Bíblia, ele estima que o mundo não iria terminar antes de 2060. Em 2007, a Biblioteca Nacional de Israel divulgou os manuscritos atribuídos a Isaac Newton nos quais ele calcula a data aproximada do apocalipse.
Wikipédia.
Em outro documento, o cientista interpreta as profecias bíblicas que contam sobre o retorno dos judeus à Terra Prometida antes do final do mundo. Segundo ele, se verá 'a ruína das nações más, o fim do choro e de todos os problemas, e o retorno dos judeus ao seu próspero reino.
E dê-lhe milongas:
"A mecânica de Newton promete um poder de previsão vastíssimo que faz com que um instante forneça todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo." (COVENEY & HIGHFIELD: 24)
(Já no raiar do XX, frente a Quântica e a Relatividade, o mundo de NEWTON se acabou. Felizmente.)
WILLIAM PALEY, em 1802, jurava que o Arquiteto, por perfeição e lógica, era o mais preciso relojoeiro. Dada a corda para mover o grande projeto, contudo, não teria mais porque o Relojoeiro atuar. Era a chance que Ele dava ao homem sob dois ângulos, pelo menos: descobrir, com o suor de seu rosto, no trabalho, no estudo, pela matemática, o que Ele queria. Cumprir. Em troca, a natureza trabalharia para seu deleite e dominação.
Pensava-se recuperar o sentido das enigmáticas revelações ofertadas aos babilônicos, o “criptograma composto pelo Todo-Poderoso.” Os acontecimentos na face da Terra seriam conseqüências da perfeita Engenharia Divina, inexorável lei extensiva a tudo que existisse. Cada parte de matéria no universo atrairia outra com uma força inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas, e diretamente proporcional ao produto das respectivas massas. Ao pressupor e até provar que seria possível, tomando posse das velocidades das partículas do Universo em determinado instante prever todos os detalhes do futuro, NEWTON atirou milhões à nova Babel, a Rebabel:
"Toda a dificuldade da filosofia - a filosofia natural, isto é, a ciência física - parece constituir em estudar as forças da natureza a partir dos fenômenos em movimento, depois, a partir destas forças em demonstrar os restantes fenômenos."
NEWTON estudou latim, grego e a Bíblia, para aplicar, na neoplatônica Cambridge, (ANES:54) uma sintética, coerente, convincente e brilhante lógica, apta para lhe carrear fama e consequente status, além de fortificar a ciência em voga. Graduou-se em 1665. Em 1672 atingiu a Royal Society. Com os feitos logrou ascender ao Parlamento Britânico, em representação da Universidade de Cambridge, e assim guindado a presidente da Royal Society em 1703. Culminou em gerir até mesmo a Casa da Moeda inglesa. Daí se depreende: as Leis de Newton serviram, em primeiro lugar, a NEWTON.
"Newton vai mudando os dados, em suas várias edições sob sua supervisão, de modo a encaixar cada vez melhor a teoria. Físicos contemporâneos demonstraram a manipulação no limite da desonestidade." (LENTIN, J.P., Penso, logo me engano : grandes gênios, pequenas trapaças; Veja: 20/3/1996)
Muitos historiadores dão conta de uma personalidade voltada à alquimia, mas esta tradição, absolutamente, não pode ser impingida ao notável pragmático. Aliás, houve quem lhe outorgasse o título de “soprador”, ou um “queimador de carvão”, (idem: 56) como lhe depreciavam os próprios alquimistas, uma vez que a exclusiva preocupação de ISAAC voltava-se a resultados materiais, especialmente a propalada busca pelo ouro. Por isso SHAFTESBURY (carta a THOMAS POOLE, cit. BRETT: 109) lhe contestava frontalmente, algo que nem LOCKE ousou:
"Newton era um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema."
O fato de NEWTON atingir a Casa da Moeda não deixa de ser eloquente.
* * *
Hypoteses non fingo (1) retumbou solene, contaminando todas gerações:
"Tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam as metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental.”
KOYRÉ detona:
"Mas a suposição da existência nos corpos de uma certa força que lhes permita atuar sobre outros corpos e atraí-los não é uma hipótese. Não é sequer uma hipótese que faça uso de qualidades ocultas. É um absurdo puro e simples."
Embora negasse, NEWTON chegou estribado na mesma filosofia metafísica, à pressuposição exclusivista:
Para construir esse sistema com todos seus movimentos, foi necessário uma Causa que compreendeu e comparou as quantidades de matéria dos vários corpos diferentes; essa causa não pode ser uma simples conseqüência cega do acaso, mas sim uma especialista em mecânica e geometria.
Essa ‘prisca sapientia’ – uma revelação primordial e secreta – era um tema que bem servia aos "pastores científicos". DEUS teria, no começo da história, comunicado a alguns privilegiados os segredos da filosofia natural e da religião, conhecimento que teria se perdido e que importaria reencontrar. O Grande Arquiteto montara tudo na semana, para entregar a grande obra ao inquilino ADÃO. Cumprida tarefa, foi descansar.
NEWTON, como os gigantes, pressupôs que todo o sistema seria originário do impulso inicial deste Alguém que, tendo elaborado ponto a ponto o colossal relógio, apenas necessitasse lhe dar corda. Agora Ele assistia o caminhar da espécie criada à Sua imagem e semelhança. Ninguém se perguntou qual motivo do Rei Celestial necessitar de pernas, mas isso não vinha ao caso.
O mundo funcionaria de modo automático. O pensamento exato levaria à Lei perfeita, a verdade buscada por todos. Este é o exemplo mais clássico, evoluído desde o também cambridgeano BACON - a previsão do tempo discorrendo num eterno linear, em tique-taque. Para montar tamanho relógio, atividade delicada e trabalhosa, a engenharia divina montara tudo à semelhança. A roda do cronômetro, suas coroas e pinhões parecem imitar as órbitas celestes ou o movimento contínuo e ordenado do pulso dos animais. Para Agostinho da Silva, ele "lançou pelo menos uma hipótese e de todo o tamanho: a da existência de um Deus que teria montado a mecânica e que, de vez em quando, no sarcasmo de Leibniz, ainda viria acertar o seu relógio".
(http://farolpolitico.blogspot.com/2007/11/newton-isaac-1642-1727-autor-de.html)
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Cambridge organizara um debate sobre essa "filosofia experimental" naturalmente sob a égide de NEWTON, em campanha à presidência da Royal Society. HENRY STUBBE disparou contra esse pragmatismo baconiano, o maior associado de HOBBES & NEWTON, apontando seu “desrespeito às antigas jurisdições eclesiásticas e civis, ao antigo governo, bem como aos governadores do reino.” (1671; cit. SCHWARTZ: 44)
Pouco adiantou. NEWTON foi coroado, e depois deputado. Daí à caixa-forte bastou atravessar a rua.

A idéia coisificada, a “coisificação” entusiasmou teólogos, filósofos, pseudocientistas e aspirantes governamentais ao cúmulo do arranjo. E lá se foi o trem do ocidente, carregando o carma platônico para todos rincões:
No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais.
LEMKOW, ANNA:
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É o que veremos.
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Nota
1. Famosa oração de NEWTON: "Não invento hipóteses." Por paradoxo, sua justificativa gravitacional foi calcada exclusivamente na hipótese matemática, na suposta ação da força à distância.

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