domingo, 23 de setembro de 2007

Palavras

O som é o elemento base, formador de tudo no Universo. Jorge Menezes*
As palavras são novas: nascem quando no ar as projectamos em cristais de macias ou duras ressonâncias. Somos iguais aos deuses, inventando na solidão do mundo estes sinais como pontes que arcam as distâncias.  José Saramago **-
No Princípio era o Verbo,
Dom mais nobre com o qual somente o ser humano foi agraciado. Animais ressoam, mas apenas para expressarem suas vontades. Tirante raros, são impertinentes. Canto-de-cisne ninguém quer. "Eles passarão. Eu, passarinho." (Mário Quintana).
O gorgeio do sabiá, do quero-quero, e do canarinho são naturalmente harmônicos. Bem-vindos intrometidos. Nessa linguagem, uma expressão tinge a seguinte. Se é vermelha tinge a outra de vermelho. Se é alva, torna a outra dos lírios da manhã. São línguas transitivas. Não carecem de conjunções, nem de abotoaduras. Comunicam-se por encantamento. E por não serem contaminadas de contradições, de dialéticas, sua sonoridade produz ondas de devaneios.
Pássaros e sonhos, porém, vivem no céu. O homem veio das cavernas. Da escura morada ecoavam esporádicos balbucios, em busca da concatenação. Cordas vocais são mesmo mais apropriadas para compartir sentimentos e experiências.
A mímica animalesca acabou abandonada no espraiar dos cânticos. O verbo hoje interliga as almas na estupenda teia. A gente emite o bem-querer. Há quem rogue praga, mas, por fundamento, o que se transmite é fruto do amor e do conhecimento:
"Sem livros, a história é silenciosa, a literatura á muda, a ciência é paralítica e o pensamento se fossiliza."(Israel Belo de Azevedo)
* * *
A trajetória das ciências e dos povos é marcada por uma plêiade de excepcionais individualidades. Os brilhantes resistem ao tempo, e avançam no espaço. Na infinita viagem, matéria e energia, corpo e espírito, o passado concreto e o futuro incerto compartem-se no presente. O ser humano e  a palavra, o corpo e o espírito se fundem para ensejar o clarão à raça humana.
Má Temática
A civilização teve que amargar, contudo, uma época de longo eclipse: a "lógica numeral" subira ao timão. A belonave entrou em spin. A nova capitã cuidou de aliviá-la. As letras deveriam desembarcar, por "inconvenientes." O livro das “lendas” filosóficas merecia o Oceano dos Devaneios. "O conhecimento anterior fora montado por inconsistentes orações; agora, os algarismos ofereciam a segurança, tornavam as atividades mais concretas, lógicas e práticas."
Os elos numerados prometiam garantir maior coerência, dinamismo, confiabilidade e destreza, desde que libertos do lastro precioso, entendido pernicioso. Qualquer tentativa de acolher, “com distorções de palavras”, proposições de variadas procedências, "incompatíveis entre si", foram rechaçadas. Não poderia haver ciência montada em controvérsias.
O “pai da física matemática” (1) “deu a letra”, ou melhor, fez as contas:
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas. (2)
Sequer O Inferno, de Dante (3), escapou do crivo. Poderíamos dizer, sem querer ofendê-los, mas completá-los, que  tal idéia também foi a “mãe da pretensão científica”: pela própria cátedra endeusada, na equação E=Mc2, são as letras que dominam o Universo. Ganham de 3x1.
Infelizmente ou não, Ética, Comunicações, Filosofia, Sociologia, Biologia, Direito, História, Antropologia, Geologia, Ecologia, Medicina, Veterinária, até Economia, apenas para elencar as que vem na lembrança, além das “idéias morais”, não falando na poesia, todas “mais complexas do que as matemáticas, só podem ser expressas por meio de palavras, que são signos menos estáveis e exigem interpretação.” (4)
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Ao cabo
A palavra é a indumentária do pensamento,
mensageira das idéias
da inteligência, templo das emoções.
Avelino Collet.***
Palavras, porém, podem ferir, ou desestimular.  Não sendo descritivas, provocam ações ou reações. Cruzadas quebram cabeças. Para bom entendedor, apenas meia lhe basta. Palavra curta oferece um sentido amplo como um rio; mas; ao jumento,é gelo escorregadio.
Ao o juiz, vale a da lei, mas tanto ela como ele são geralmente dúbios.
Coexistem a de escoteiro, de honra, de gaúcho; e permanece aquela amiga. De incentivo é bem-vinda, mas há conversa fiada. Se for de gratidão, não voa ao vento; e de consolo não vem de tolo. Palavra de mulher, reverenciar é mister. Se palavrão tudo fecha, subsiste a mágica, Abre-te Sésamo! Intitulada “de ordem”, enfeixa. A fácil é um perigo; e a última, radical.
Palavras rotulam e dissimulam; designam, mas podem confundir. Cumpra, se for promessa. Se for mentira, ofereça à Nova Bréscia.****
Cristãos têm a Divina: o Céu e a Terra passarão, mas Sua palavra não. Nem a do ALL, ora eternizada em você. Todas contém a essência, sopro da liga vital, mas per se, não sobrevivem. Muito menos eu. Grato a você.

Notas
* Jorge Menezes, p. 83.
** Cit. por Márcia Kastrup Rehen.
http://%20brincandocomclarinha.blogspots.com/
*** RS Letras, número 73, maio de 2008
***Cidade do interior do Rio Grande do Sul. N. Bréscia criou fama por produzir hábeis churrasqueiros. Anualmente ela promove o FIM - Festival Internacional da Mentira.
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Referências
*MENEZES, Jorge, Inteligência quântica: aplicação da teoria quântica na transformação humana; 2.edição. - Porto Alegre: BesouroBox, 2007.
1. GALILEI, Galileu, cit. GEYMONET, Ludovico, Galileu Galilei; tradução Eliana Aguiar. - S. Paulo : Ed. Nova Fronteira, 1997, p. 319.
2. Idem, cit. CAPRA, Fritjof, O ponto de mutação; tradução Alvaro Cabral. - 12 . ed. - S.Paulo : Editora Cultrix, 1991. p. 50.
3. ALIGHIERI, Dante, cit. por GALILEI, Galileu, A Geografia do Inferno de Dante Tratada Matematicamente : Palestra na Academia Florentina, 1588; cits. Geymonat, L., p. 10;
4. LOCKE, John, Ensaios sobre a lei da natureza, cit. BOBBIO, Norberto., Locke e o Direito Natural; tradução Sergio Bath; tradução das expressões latinas, Janete Melasso Garcia. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 138.



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