terça-feira, 28 de abril de 2009

O carma ocidental - 15. A subversão das ciências


O dualismo cartesiano, ao criar a bifurcação mente-matéria, observador-observado, sujeiro-objeto, moldou o pensamento ocidental, poucos filósofos discordando dele, cujos mais notórios foram Spinoza e Schopenhauer. GOTTSCHALL: 189
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. GLEISER, M.: 164.
O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis. LENIN, Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131
TAL QUAL RELIGIÃO, as leis de NEWTON não refletem ciência, mas forjadas coincidências. Não fotografam a realidade, mas projetam a crença no céu, para proventos na Terra. A metafísica, o determinismo conduz à egoísta "teologia", não à Filosofia, que lhes é muito mais ampla, por não exclusivista; e deste modo, superior. "A matemática é um artifício intelectual que permite aos homens explorar possibilidades de manipulação dos objetos. Não é interessante que até mesmo a adição, a subtração, a multiplicação e a divisão, as coisas mais simples da aritmética, sejam chamadas de operações?" (ALVES: 60) Por isso SHAFTESBURY (carta a THOMAS POOLE, cit. BRETT: 109) contestava frontalmente quem sequer LOCKE ousou:"Newton é mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo . Há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema." ISAAC, todavia, contava com a remota e fundamental adesão: "A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento."(FEYERABEND, P., 1991: 13) A moda relançada exigiu “newtons” em todas as áreas:
As teorias de Newton lançaram-nos em um curso que desembocou no materialismo que ora domina a cultura ocidental. Esta visão realista materialista do mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivíamos no passado e condenou-nos a um mundo alienígena.
BERMAN, MORRIS, cit. GOSWAMI: 31
A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática. JAPIASSÚ, H., 1978: 97


Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes.
ZOHAR, D., 2000: 23.
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Até mesmo o "ateu" LÊNIN (Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131) se arvorou no cientismo mecanicista: “O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis.”
Na União Soviética, do tempo de Lenine, se fez grande silêncio sobre a teoria de Einstein, porque os pontífices do Governo haviam declarado que o átomo não podia ser dividido, por ser a base da matéria, e sem matéria não haveria materialismo, um dos pilares do comunismo. ROHDEN, H., Einstein, O Enigma do Universo: 56
As leis observadas sofriam arranjos: "Newton vai mudando os dados, em suas várias edições sob sua supervisão, de modo a encaixar cada vez melhor a teoria. Físicos contemporâneos demonstraram a manipulação no limite da desonestidade." (LENTIN, J.P., Penso, logo me engano : grandes gênios, pequenas trapaças; Veja: 20/3/1996)
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Fez escola:
Quando a seleção natural não funcionava, era só referir-se à ação direta das condições; quando esta não dava conta, ele podia ainda evocar o uso e o não-uso das partes; e assim por diante... Em outras palavras, a teoria darwiniana era irrefutável (ou quase irrefutável).
Os físicos construíram modelos, isto é, representações esquemáticas do mecanismo dos fenômenos. O físico isola as variáveis (diria princípios) que considera essenciais, e a evolução do sistema previsível pelo cálculo tem de produzir, com uma aproximação razoável, os efeitos que se manifestam na observação do mundo real. Também o economista enumera os determinantes na descrição do movimento dos preços. Analisa, pelo cálculo e pelo raciocínio qualitativo, a evolução e o funcionamento do seu modelo, a partir do qual determina a ordem de grandeza das variações previstas, que irá confrontar com as grandezas observadas.GRANGER, G.-G.: 90
Os “cientistas das almas” não ficaram atrás:
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material.
ZOHAR, DANAH: 191
Esse foi campo da manipulação (ou de “concentração”, pelo que tem de sujo e cruel) do tcheco que passa por austríaco, de origem judaica, o renomado SIGMUND FREUD (1856-1939), ao arrepio de DAVID BOHM :
"É urgente que compreendamos o perigo de continuar com o processo de fragmentação do pensamento. Seria como procurar sempre o caminho mais difícil e doloroso para se chegar ao mesmo destino."
BARBARA ANN BRENNAM, Master em Física Atmosférica pela Wisconsin University, compreende:
A mecânica newtoniana descreveu com êxito os movimentos dos planetas, das máquinas mecânicas e dos fluidos em movimento contínuo. O enorme sucesso do modelo mecanicista levou os físicos do século XIX a acreditarem que o universo, com efeito, era um imenso sistema mecânico que funcionava de acordo com as leis básicas da natureza. Considerava-se a mecânica newtoniana a teoria definitiva dos fenômenos naturais. Tudo podia ser descrito objetivamente. Todas as reações físicas tinham uma causa física, como bolas que se chocam numa mesa de bilhar.
"A natureza toda se transformou em um palco de impulsos e atrações, de dentes e alavancas, de movimentos de partes ou de elementos aos quais eram diretamente aplicadas às fórmulas de movimentos produzidos por bem conhecidas máquinas." (DEWEY: 87)
Dois séculos depois, ainda viria LA PLACE (ROHMANN C.: 107):
“Uma inteligência suficiente suficiente, conhecendo as leis da física e a velocidade e a posição de cada partícula do universo, conseguiria prever seu futuro completo.”
Para o sabujo ENGELS (p. 19), “o materialismo transferiu-se da Inglaterra para a França onde se encontrou com uma segunda escola materialista de filósofos, que havia surgido do cartesianismo e com a qual se refundiu.”
BERTRAND RUSSELL (2001: 283) compreendeu:
"Afinal, o rígido determinismo da explicação cartesiana do mundo material, tanto físico como biológico, contribuiu muito para promover o materialismo dos séculos XVIII e XIX, em especial quando associado à física de Newton."
E do XX, também, por consequência.
Nosso habitat não se apresenta desse modo tão rudimentar:
Chegamos a uma situação que envolve uma imagem diferente da natureza e, portanto, também da ciência. Não acreditamos mais na imagem do mundo como uma imensa peça de relojoaria. Chegamos ao fim das certezas. Estava implícita na visão clássica da natureza a idéia de que, sob condições bem definidas, um sistema seguiria um curso único e de que uma pequena mudança nos parâmetros produziria igualmente uma pequena mudança nos resultados. Hoje sabemos que isso só é verdade no caso de situações simplificadas e idealizadas.
MAYOR: 12
PRIGOGINE concorda:
A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte.
O fino humor de BACHELARD relaciona:
Se desejássemos retraçar a história do Determinismo, seria preciso retomar toda a história da Astronomia. É na imensidão dos Céus que se delineia o Objetivo puro que corresponde a um Visual puro. É pelo movimento regular dos astros que se regula o Destino. Se alguma coisa é fatal em nossa vida, é porque uma estrela nos domina e nos arrasta. Há, portanto, uma filosofia do Céu estrelado. Ela ensina ao homem a lei física em seus caracteres de objetividade e de determinismos absolutos. Sem esta grande lição de matemática astronômica, a geometria e o número não estariam provavelmente tão estreitamente associados ao pensamento experimental; o fenômeno terrestre tem uma diversidade e uma mobilidade imediatas demasiado manifestas para que se possa neles encontrar, sem preparo psicológico, uma doutrina do Objetivo e do Determinismo. O Determinismo desceu do Céu à Terra.
Por coincidência ou na ilusão, a subversão ganhou pernas muito compridas:
Durante longo tempo o ideal do conhecimento científico foi aquele que Laplace havia formulado com sua idéia de universo totalmente determinista e mecanicista. Segundo ele, uma inteligência excepcional dotada de uma capacidade sensorial, intelectual e computacional suficiente poderia determinar qualquer momento do passado e qualquer momento do futuro. É essa visão pueril e talvez louca do mundo que está prestes a desmoronar, mas ela ainda reina, e efetivamente excluiu todo o problema da reflexividade.
MORIN, Edgar 2000:
: 32
Apenas recentemente é que alguém do eixo, JAMES LIGHTILL, presidente da Union Internationale de Mécanique Pure et Apliquée, teve a coragem de vir expressar::
Devo agora deter-me e falar em nome da grande fraternidade que une os especialistas em mecânica. Hoje estamos plenamente conscientes de como o entusiasmo que os nossos predecessores nutriam pelo maravilhoso êxito da mecânica newtoniana os levou a fazer generalizações no campo da preditibilidade que hoje sabemos serem falsas. Todos nós desejamos, por isso, apresentar as nossas desculpas por haver induzido em erro o nosso público culto, difundindo, a respeito do determinismo dos sistemas que aderem às leis newtonianas do movimento, idéias que após 1960 se revelaram inexatas.
A razão é pueril:
Para dizer a verdade, quando o número de fatores em jogo num complexo fenomenológico é demasiado grande, o método científico falha na maioria dos casos. Basta pensar no tempo atmosférico, em que a previsão até mesmo para uns poucos dias antecipados é impossível... As ocorrências nesse domínio estão fora do alcance da previsão exata devido a variedade de fatores em operação, e não devido a alguma falta de ordem na natureza.
EINSTEIN, ALBERT, Einstein Por Ele Mesmo: 94
Então, livrai-nos do mal, amém:
Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva.GOLDMAN, L.:33.É uma questão que atualmente deve ser reconsiderada, tendo em vista que a fragmentação já se espalhou completamente, não apenas na sociedade, mas especialmente em cada indivído; e isso conduz a um tipo de confusão generalizada da mente, que por sua vez cria uma série infinita de problemas, interferindo com a nossa clareza de percepção de maneira tão grave a ponto de bloquear nossa capacidade de resolver a maioria deles.
BOHM, D., Totalidade e ordem implicada: 17

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