Barnett (O universo e o Dr. Einstein: 12) compreendia o ceticismo generalizado, mas lamentava:
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem.
Mas qual
Minerva inspirava as sumidades tupiniquins?
E quem poderia estar por trás disso tudo? Seria mesmo coisa de
republiqueta? Sem dúvidas. O tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos golpistas republicanos, investido
como ministro da
Instrução Pública da época da introdução da seita, havia reformado o ensino "justamente de acordo com os pontos de vista de Comte". (
ANDERY, M.,:380)
Muitos historiadores consideram a influência do positivismo no Brasil como fenômeno único e afirmam, inclusive, que a matemática desempenhou um papel essencial na introdução e divulgação do positivismo no país. O motivo disso é que houve uma instituição que desempenhou um papel decisivo para isso: a Escola Militar do Rio de Janeiro. Lá a ideologia positivista encontrou forte sustentação, e pode, então, atingir a vida social, política, pedagógica, e ideológica brasileira. Os docentes de matemática desempenharam um papel muito importante na propagação das idéias positivistas. Nessa escola a matemática era, inclusive, a disciplina principal. Durante um período de mais de cem anos (1810-1920) a Academia Militar do Rio de Janeiro (e todas suas ramificações - Escola Central, Escola Militar, Escola Politécnica, escolas preparatórias) foi praticamente a única instituição onde os brasileiros podiam adquirir conhecimentos matemáticos sistemáticos de nível superior e obter um diploma debacharel e doutorado em ciências físicas e Matemáticas. SILVA, Circe Mary Silva da, A matemática positivista e sua difusão no Brasil. - Vitória, UDEFES, 1999 : 13
.
A Politécnica também produzia empresários, equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações e concessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvolver à sombra do Estado. www.anpocs.org.br
O corporativismo classista, obsoleto mercantilismo reativado pelo afã da reserva de mercado, ensaiava seus primeiros passos com pleno êxito, porque cobertos pela artilharia dos marechais golpistas. "Os médicos sábios tinham a certeza de que deixar a natureza tomar seu curso sem intervenção poderia permitir frequentemente que o organismo se auto-regulasse, para obter a cura." (LOVELOCK, James, Deixem a Terra seguir seu curso. - Estadão, 1/8/2008)
A "ciência", contudo, haveria se impor: A justificativa não poderia contemplar a meditação, muito menos bruxaria. Canudos serviu para mostrar que os fuzis não eram calados, como se pensava desde a covarde deposição do velho Imperador. Dizimaram-se os "curandeiros". Havia uma comunhão de interesses. Ao tempo em que os acadêmicos avalizavam a conduta em nada democrática dos impostores, estes lhes garantiam um lugar à mesa do banquete.
Ho
A reserva dos quartos
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.Schwartz: 18
Grosso modo a República positivista do Brasil foi repartida pelos quartos. A suíte, naturalmente, coube aos
alto-coturnos. Ao lado ficou o aposento jurídico, dos costureiros legalistas. José Higino Duarte Pereira
(1847-1907), Leovegildo Filgueiras, fundador da Faculdade Livre da Bahia, Pedro Lessa
(1859-1921), o paulista José Mendes, Artur Orlando
(1858-1916) Fausto Cardoso e Gumercindo Bessa, entre algumas dezenas que ora me escapam, agarravam-se, orgulhosos, no "positivismo científico-sociológico-darwiniano". A frente foi reservada à Engenharia, responsável pela construção principal, e pelas
cabeças-de-ponte espalhadas pelo imenso país, especialmente nas fronteiras:
A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br
Importava os acordos ao exercício da profissão, a reserva de mercado. A saúde não poderia ficar desprovida do leito:
Dentre eles, podemos citar a luta pela constituição de um campo profissional pelos médicos diplomados, as interferências que a ideologia positivista exerceu no reconhecimento da profissão, o papel da religião, da caridade e da magia na percepção da doença pelos leigos e sua interferência na posição que era assumida pelos médicos diante das mesmas.o positivismo era uma marca na formação das elites políticas do Rio Grande Sul e interferiu nas reações do poder público às tentativas de parte do corpo médico em criar restrições ao exercício de sua prática profissional, à adoção de medidas de intervenção para evitar a propagação das doenças e àquelas relativas à organização do espaço e da higiene urbana. SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense ¾ 1889-1928. Revista Brasileira de História. v.22 n.43 São Paulo 2002
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894. COSTA, C.: 38
Um decreto da amada ditadura do Estado Novo regulamentou o exercício da medicina e profissões correlatas, em 1932 - odontologia, medicina veterinária, dos farmacêuticos, parteiras e enfermeiros - só permitindo o exercício em qualquer parte do território nacional a quem se achasse habilitado de acordo com as leis federais e tivesse seu diploma registrado no Departamento Nacional de Saúde Pública e na repartição sanitária estadual competente.
Para defender as classes operárias, ou melhor, fazer a interface com o governo, nisso incluso acordos inconfessáveis, surgiram os sindicatos, e seus inevitáveis pelegos. às profissões mais elevadas, órgãos de classe, como OAB, CRECI... Aos médicos, os CREMERS. Não diferem das congêneres. Essas entidades foram criadas, justamente, como os cordões pelos quais os fascistas manipulavam as nações. Como prêmio, são autorizados a se locupletarem com polpudas arrecadações provenientes dos profissionais, mas também dos governos, todos interessados em manter o lucrativo mercado. Como o fascismo nada mais foi do que maneira pela qual os gangsters se agadanharam e se mantiveram no poder, suas criações, por óbvia extensão, são expressões de seus intentos:
No Brasil, os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com o corporativismo estatal, que Oliveira Vianna tratou de distinguir, antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias.Bandeira, Moniz; Melo, Clóvis e Andrade, A.T., O Ano Vermelho. A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil.
Os donos desses herméticos conhecimentos, e do prêt-à-porter francês trazido na bagagem de retorno à pátria, emprestavam total credibilidade científica àquelas proposições educacionais pelas quais o Brasil foi, e ainda permanece envolvido. A família do paulista Luís Pereira Barreto (1840-1923) é um bom exemplo do êxito do casamento entre o mercantilismo e a ciência praticada, no caso médica. Barreto adquirira seu elevado conhecimento junto à grande autoridade positivista da Bélgica - Marie de Ribbentrop. (http://www.geocities.com/positivismonobrasil)2, enquanto seu irmão mais velho, o Comendador Zé Pereira organizava a caravana Bandeira Barreto (1876). A missão era se apossar de enorme extensão territorial no oeste paulista, à fazendas de café. Ribeirão Preto e Resende (RJ) foram loteadas à grande família paramilitar, nela incluída, naturalmente, ainda mais meia-dúzia de seus irmãos, todos ferrenhos positivistas, claro.
Os pampas também foram loteados aos positivistas, com a incumbência de suprir a paulicéia. O governo submetia a gauchada sob os auspícios do sabre, mas "respaldado nas ciências médicas", especialmente:
É sempre citada pelos estudiosos do positivismo e da política rio-grandense a carta que Júlio de Castilhos endereçou ao 'cidadão dr. Protásio Alves', (2) publicada em 22 de agosto de 1898, em A Federação, acusando o recebimento da comunicação de que fora instalada a Escola de Medicina e Farmácia no Rio Grande do Sul. A carta é uma formulação exemplar dos princípios do positivismo defendidos pelo seu autor, especialmente dirigida aos membros da instituição recém-fundada. Esse ideário positivista assumido pela administração republicana que se perpetuou no poder até a década de 1930 não tem paralelo no restante do país. Seus princípios e sua prática no Rio Grande do Sul não permitiram ali uma organização sanitária tão fundamentada na medicina.
É justo que se mencione: embora a classe fosse unida em seus pleitos e privilégios, havia quem destoasse. Figurou até uma declinação da incompatibilidade da doutrina positivista com o exercício da medicina, através do Dr. Olímpio Olinto de Oliveira, um dos fundadoresda faculdade. (ALMEIDA,1964, p.23) Naturalmente, pouca gente ouviu falar deste mosqueteiro. Ele simplesmente foi engolfado pela onda suprema, num Estado totalmente positivado, onde a ditadura, por meio século, imperou solta. Assim é que a metologia cartesiano-positivista se imiscuiu nas relações educacionais, culturais, e profissionais brasileiras com tal intensidade que não restou à Nação nenhuma escolha, a não ser quedar-se em obediência:
Quatro séculos depois de Descartes, a medicina ainda mantém esse paradigma dominante e centrado numa abordagem hospitalocêntrica, curativista e verticalizada. Ao dissociar o ser humano em mente de um lado e corpo de outro, criou-se um dualismo que dificultou a concepção do homem como parte do universo, negando suas dimensões individuais, sociais, ecológicas, bem como dificultando uma visão sistêmica dos organismos vivos e, conseqüentemente, uma visão sistêmica da saúde. Ediara Rabello Girão Rios Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde