domingo, 31 de agosto de 2008

A patologia* positivista da medicina - I


A medicina cria pessoas doentes,
a matemática pessoas tristes,
e a teologia, pecadores.
Martinho Lutero (14831546
Curiosamente o trio elencado por Lutero advém de ascendência comum. Nosso tema critica o esteio patológico da Medicina praticada no ocidente, entre nosotros. Trata-se de uma ciência deveras hermética, privated club dos iniciados, mas pelo elevador da Epistemologia  logramos êxito à ousadia. Embarcaremos no térreo, na sala de parto.

A humanidade vê Deus como Maestro. Ele é muito invocado, especialmente na função de curar enfermos. De fato, não são poucos os milagres atribuídos à vigilância celestial. A mistificação interessa especialmente aos oportunistas de todos matizes, mas naquela obscura época era hegemônica. A escolástica se resignava em apreciar a harmonia, sem questionamentos. Mercê do diploma adquirido junto à Santa Sé, os reis mantinham o povo submisso porque imbuídos do"direito divino". Não por acaso o Exército da Salvação se impunha como o mais apropriado para a delicada tarefa de resgatar a saúde. Quando a peste assolava a região, os sacerdotes reuniam os habitantes nas igrejas. Supunham que o povo unido jamais seria vencido. Quanto mais vozes integrassem o coro da oração, mais forte e eficaz seria o apelo. Como conseqüência, a praga se propagava com extraordinária rapidez.
* * *
A epistemologia hegemônica aplicada no cotidiano da atenção à saúde origina-se no paradigma mecanicista e analítico de René Descartes, aliado ao empirismo de Francis Bacon, reforçado pelo positivismo de Augusto Comte, no qual o todo é dado pela soma das partes e a noção de causalidade linear é prevalente, apesar das recentes mudanças ocorridas nas teorias científicas, principalmente provindas da física.
Ediara Rabello Girão Rios , Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde.
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes.
(GUSDORF, G., p. 163)
Copérnico, Giordano Bruno, Galileu, Bacon & Descartes evidenciaram que éramos apenas vítimas de engôdo. A Terra não estava no centro do Universo; portanto, também não seríamos o centro das preocupações de Deus. Não podendo jogar todo mundo nas fogueiras, os eclesiásticos atiraram o povo na completa metafísica. Os militantes induziram a gente em nova pressuposição. Ele era Engenheiro, o maior dos relojoeiros:
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
(NEWTON, I, Principia, cit. Châtelet, F., p.49.)
Deus não iria enganar suas criaturas. Caberia-nos, apenas, rastrear suas charadas:
Não é um simples acaso que a idéia cartesiana de Deus como legislador do universo se desenvolva somente quarenta anos depois da teoria da soberania de Jean Bodin.” (
Zilsel,E., The sociological roote of science, The American Journal of Sociology)
* * *
Investido da dialética platônica inicialmente reaparecida em Florença, Bacon interpretá-Lo-ia como Pai; como tal, por bondade e necessidade, como um simpático “Instrutor-bricalhão”:
“A glória de Deus consiste em ocultar a coisa; a glória do rei, em descobri-la.”
Pronto! Lá se foi o homem, de novo, atrás do impossível.
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Allons enfant!
O próprio Francis Bacon (1) (cit. WEBER. M., Ciência e política: duas vocações) desfraldou o espadachim:
"Podemos dominar tudo através da previsão. Equivale isso a despojar a magia do mundo."
O trem tomou velocidade nas Regras para Direção do Espírito (2).
A má tese, ou a má temática ,a "quantofrenia", conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como diz Georgescu-Roegens, consagrava o homo faber tal homo mathematicus. O Universo só poderia ser "um vasto sistema matemático de matéria em movimento’, um sistema material (onde) tudo funcionaria "mecanicamente, segundo as leis matemáticas."

Para Descartes o próprio ser humano era máquina. Tampouco neste particular soube ser original: em 1543, André Vesálio, (1514-1564) (Les principes de la philosofie)já havia dado a conhecer De humani corporis fabrica:
"Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os galhos que saem desses troncos são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais – a medicina, a mecânica, e a moral."

A imanente praxeologia descartava o que fosse insuscetível de ser mensurado.
Tudo foi tomado de assalto pelo vigoroso esquema geométrico:
A tradição filosófica do ocidente, em todo o caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era reduzível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto.
(PERELMAN, C., Ética e Direito, 672)
Desnecessário afiançar a dificuldade da reparação da cabeceira cartesiana:
"Perdeu-se a visão, o som, o gosto, o olfato, e com eles também foram as sensibilidade estética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espírito." (LAING, R.D., The voice of experience; cit. CAPRA, F., O ponto de mutação:51)
"A partir dessas considerações, podemos então nos questionar como a filosofia de Descartes influenciou as concepções de saúde e doença, na medicina moderna, e que ainda hoje se mantém imperativa nos sistemas de saúde." (Ediara Rabello Girão Rios , Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde.)
* * *
O que você diria hoje do grande número de estudantes que consideram o saber como meio utilitário, como um meio de se tornarem uma engrenagem na máquina econômica e social? Os estudantes da máquina de que você fala fazem o que lhes mandam fazer. Adultos construíram essa máquina, essa ratoeira, esse labirinto.Num labirinto onde os ratos se perdem, as pessoas não dizem, ao observá-los 'os ratos estão loucos'; dizem 'construiu-se um labirinto para deixar os ratos loucos'. Em muitos países, o ensino foi construído para deixar os estudantes não muito felizes.
SERRES, Michel,
De duas coisas, a outra; cit. DERRIDA, J.: 67
Desde quase as famosas priscas eras o sonho de acertar na loteria fascina a espécie humana. Não são poucos que por isso logram vender bilhetes supostamente premiados. A humanidade acolhe embusteiros com bastante facilidade.
A França, mãe de Descartes, Rousseau, Napoleão e Sain-Simon, logo viu nascer um filho para continuar o brilhantismo da família. Em 1822, através do opúsculo Planos dos Trabalhos Científicos Necessários para a Reorganização da Sociedade, (COMTE, Augusto, Guimarães Editores, 4. edição, Lisboa, 2002:146) o pai do positivismo veio faceiro pelo vitorioso preconceito de Bacon:
Toda a ciência tem por fim a previdência. Porque a aplicação geral das leis estabelecidassegundo a observação dos fenómenos, tem por fim prever a respectiva sucessão. Na realidade todos os homens, por pouco instruídos que o julguemos, fazem verdadeiras previsões, fundadas sempre sobre o mesmo princípio, o conhecimentodo futuro pelo passado (...) está, portanto, evidentemente muito conforme com a natureza do espírito humano que a observação do passado possa facultar a predição do futuro, e que o possa fazer tanto em política, quanto em astronomia, em física, em química, e em fisiologia.
Preferida de nove entre dez esnobes tupiniquins, a maioria papagaios-de-piratas, entre os quais até um sabido presidente, o qual tivemos que suportar recentemente, a entrada da Sorbonne logo se enfeitou com o busto daquele novel embusteiro. Na seqüência, Alemanha, Itália, Espanha Portugal, até a Iugoslávia prestaram reverências, mas foi mesmo no país da Megasena, que o positivismo ascendeu ao apogeu. A instalação da república positivista no Brasil exigiu a presença dos artífices:
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894.
(COSTA, C.: 38)
No âmbito medicinal, o paulista Luís Pereira Barreto (1840-1923) foi dos principais introdutores. Ao estudar em medicina em Bruxelas, encantou-se com a doutrina enunciada pela porta-voz Marie de Ribbentrop. Pernósticos cariocas se sentiam aproximados dos primos ricos:

O sucessor oficial de Comte foi Pierre Lafitte. Sob seu patrocínio, foi fundada, em 1878, a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar o Positivismo na imprensa. Entre os intelectuais envolvidos na Sociedade estavam Benjamin Constant e os jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Esse foi o embrião do Apostolado Positivista do Brasil, que tanta influência teria mais tarde, durante a República. Enquanto se reformulava a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, em 1879, Miguel Lemos viaja para Paris com o intuito de estudar medicina. (Alexsandro Silva, Ana Gilda Benvenutti e Fabio M. Said, www.geocities.com/positivismonobrasil)
É o que veremos, a seguir, em
A patologia positivista da medicina II
Reexames em faculdades de medicina
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* O termo pode nos remeter aos patos, mas foi o Phatos que justificou o nascimento da prática medicinal. O homem haveria de encontrar meios para combater o mais terrível adversário, aquele que adentra no corpo de modo sutil, imperceptível, para logo prostrá-lo, e geralmente de morte, se não defendido. Dessarte, a patologia constitui o tronco, a principal estrada pela qual nosso detetive irá vasculhar, no fito de primeiramente pilhar, para depois eliminar o intruso que desestabiliza a saúde.
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1. "Também referido como Bacon de Verulâmio (Londres, 22 de Janeiro de 1561 — Londres, 9 de abril de 1626) foi um político, filósofo e ensaísta inglês. É considerado como o fundador da ciência moderna." (Wikipédia)
2. DESCARTES, R., Regulae ad directionem ingenii. Obra incompleta, escrita provavelmente antes de 1628, impressa apenas em 1701.
Visite o Museu de História da Medicina em Porto Alegre/RS

Durante o horário de verão o Museu de História da Medicina abre de terças a sextas-feiras do meio-dia às 20h e aos finais de semana e feriados das 15h às 20h. O museu está localizado na Av. Independência, 270 - Centro - Porto Alegre, RS, -Informações no site www.muhm.org.br

A faina positivista da medicina brasileira II

Houve Augusto Comte. Pensava conhecer o futuro que estava reservado à humanidade. E, portanto, considerava-se o supremo legislador. Pretendia proibir certos estudos astronômicos por considerá-los inúteis. Planejava substituir o cristianismo por uma nova religião e chegou a escolher uma mulher para ocupar o lugar da Virgem. Comte pode ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega este vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores? MISES, Ludwig von,: 31
TAL PLATÔNICO, o positivismo contém duplo viés: à metafísica inovou no cognome: Religião da Humanidade; e posa de científico, porque pautado pelo método cartesiano, na faina da previsibilidade newtoniana. A pretensão encontra  abrigo em todas as cátedras, começando pela sociologia, que inventou, e daí  à política,  derivando aos desdobramentos educativos e profissionais - portanto, em tudo!
A epistemologia hegemônica aplicada no cotidiano da atenção à saúde origina-se no paradigma mecanicista e analítico de René Descartes, aliado ao empirismo de Francis Bacon, reforçado pelo positivismo de Augusto Comte, no qual o todo é dado pela soma das partes e a noção de causalidade linear é prevalente, apesar das recentes mudanças ocorridas nas teorias científicas, principalmente provindas da física. Ediara Rabello Girão Rios , Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde.)
Embora alvo de candentes discussões, às vezes até de chacotas, Einstein conservou a paciência para desembarcar no Brasil.-O Grande Relativo ofereceu brilhantes conferências. Usufruíram do privilégio integrantes do Clube de Engenharia, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, bem como membros da Academia Brasileira de Ciências. Tudo em vão:
Esses primeiros contatos, porém, não foram intelectualmente proveitosos pois a platéia ainda conhecia pouco as teorias expostas por Einstein, envolvendo física quântica e a própria Teoria da Relatividade, e olhavam com desconfiança e ceticismo tais idéias 'extravagantes' para a época. LIMA, Márcia Tait, A genialidade não relativa de Einstein, Cienc. Cult. vol.57 no.2. - São Paulo Abr./Jun 2005
O renomado jurista Pontes de Miranda (cit. MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Org., p. 103) o provocava, como se uma mera ponte de mirante pudesse ser mais bela do que a própria paisagem: “O espaço encurva-se à mercê da matéria ou a matéria cria o espaço? Espaço, tempo e matéria são entidades distintas ou são abstrações? Qual dos dois é dependente, o espaço ou a matéria? Qual o formador e qual o formado?"
O cientista sorria e mantinha silêncio. Quando acabou o discurso, Einstein se levantou, e como a se despedir, entregou a um dos acadêmicos um papel onde se lia:
Die Frage, die meinen Kopf entsprang, hat Brasilien sonniger Himmel beantwortet*
(A questão que a minha mente formulou foi respondida pelo radiante céu brasileiro
Barnett (O universo e o Dr. Einstein: 12) compreendia o ceticismo generalizado, mas lamentava:
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem.
Mas qual Minerva inspirava as sumidades tupiniquins? E quem poderia estar por trás disso tudo? Seria mesmo coisa de republiqueta? Sem dúvidas. O tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos golpistas republicanos, investido como ministro da Instrução Pública da época da introdução da seita, havia reformado o ensino "justamente de acordo com os pontos de vista de Comte". (ANDERY, M.,:380)
Muitos historiadores consideram a influência do positivismo no Brasil como fenômeno único e afirmam, inclusive, que a matemática desempenhou um papel essencial na introdução e divulgação do positivismo no país. O motivo disso é que houve uma instituição que desempenhou um papel decisivo para isso: a Escola Militar do Rio de Janeiro. Lá a ideologia positivista encontrou forte sustentação, e pode, então, atingir a vida social, política, pedagógica, e ideológica brasileira. Os docentes de matemática desempenharam um papel muito importante na propagação das idéias positivistas. Nessa escola a matemática era, inclusive, a disciplina principal. Durante um período de mais de cem anos (1810-1920) a Academia Militar do Rio de Janeiro (e todas suas ramificações - Escola Central, Escola Militar, Escola Politécnica, escolas preparatórias) foi praticamente a única instituição onde os brasileiros podiam adquirir conhecimentos matemáticos sistemáticos de nível superior e obter um diploma debacharel e doutorado em ciências físicas e Matemáticas. SILVA, Circe Mary Silva da, A matemática positivista e sua difusão no Brasil. - Vitória, UDEFES, 1999 : 13
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A Politécnica também produzia empresários, equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações e concessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvolver à sombra do Estado. www.anpocs.org.br
O corporativismo classista, obsoleto mercantilismo reativado pelo afã da reserva de mercado, ensaiava seus primeiros passos com pleno êxito, porque cobertos pela artilharia dos marechais golpistas. "Os médicos sábios tinham a certeza de que deixar a natureza tomar seu curso sem intervenção poderia permitir frequentemente que o organismo se auto-regulasse, para obter a cura." (LOVELOCK, James, Deixem a Terra seguir seu curso. - Estadão, 1/8/2008)
A "ciência", contudo, haveria se impor: A justificativa não poderia contemplar a meditação, muito menos bruxaria. Canudos serviu para mostrar que os fuzis não eram calados, como se pensava desde a covarde deposição do velho Imperador. Dizimaram-se os "curandeiros". Havia uma comunhão de interesses. Ao tempo em que os acadêmicos avalizavam a conduta em nada democrática dos impostores, estes lhes garantiam um lugar à mesa do banquete.
Ho
A reserva dos quartos
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.Schwartz: 18
Grosso modo a República positivista do Brasil foi repartida pelos quartos. A suíte, naturalmente, coube aos alto-coturnos. Ao lado ficou o aposento jurídico, dos costureiros legalistas. José Higino Duarte Pereira (1847-1907), Leovegildo Filgueiras, fundador da Faculdade Livre da Bahia, Pedro Lessa (1859-1921), o paulista José Mendes, Artur Orlando (1858-1916) Fausto Cardoso e Gumercindo Bessa, entre algumas dezenas que ora me escapam, agarravam-se, orgulhosos, no "positivismo científico-sociológico-darwiniano". A frente foi reservada à Engenharia, responsável pela construção principal, e pelas cabeças-de-ponte espalhadas pelo imenso país, especialmente nas fronteiras:
A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br
Importava os acordos ao exercício da profissão, a reserva de mercado. A saúde não poderia ficar desprovida do leito:
Dentre eles, podemos citar a luta pela constituição de um campo profissional pelos médicos diplomados, as interferências que a ideologia positivista exerceu no reconhecimento da profissão, o papel da religião, da caridade e da magia na percepção da doença pelos leigos e sua interferência na posição que era assumida pelos médicos diante das mesmas.o positivismo era uma marca na formação das elites políticas do Rio Grande Sul e interferiu nas reações do poder público às tentativas de parte do corpo médico em criar restrições ao exercício de sua prática profissional, à adoção de medidas de intervenção para evitar a propagação das doenças e àquelas relativas à organização do espaço e da higiene urbana. SILVEIRA, Anny Jackeline Torres, WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense ¾ 1889-1928. Revista Brasileira de História. v.22 n.43 São Paulo 2002
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894. COSTA, C.: 38
Um decreto da amada ditadura do Estado Novo regulamentou o exercício da medicina e profissões correlatas, em 1932 - odontologia, medicina veterinária, dos farmacêuticos, parteiras e enfermeiros - só permitindo o exercício em qualquer parte do território nacional a quem se achasse habilitado de acordo com as leis federais e tivesse seu diploma registrado no Departamento Nacional de Saúde Pública e na repartição sanitária estadual competente.
Para defender as classes operárias, ou melhor, fazer a interface com o governo, nisso incluso acordos inconfessáveis, surgiram os sindicatos, e seus inevitáveis pelegos. às profissões mais elevadas, órgãos de classe, como OAB, CRECI... Aos médicos, os CREMERS. Não diferem das congêneres. Essas entidades foram criadas, justamente, como os cordões pelos quais os fascistas manipulavam as nações. Como prêmio, são autorizados a se locupletarem com polpudas arrecadações provenientes dos profissionais, mas também dos governos, todos interessados em manter o lucrativo mercado. Como o fascismo nada mais foi do que maneira pela qual os gangsters se agadanharam e se mantiveram no poder, suas criações, por óbvia extensão, são expressões de seus intentos:
No Brasil, os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com o corporativismo estatal, que Oliveira Vianna tratou de distinguir, antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias.Bandeira, Moniz; Melo, Clóvis e Andrade, A.T., O Ano Vermelho. A Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil.
Os donos desses herméticos conhecimentos, e do prêt-à-porter francês trazido na bagagem de retorno à pátria, emprestavam total credibilidade científica àquelas proposições educacionais pelas quais o Brasil foi, e ainda permanece envolvido. A família do paulista Luís Pereira Barreto (1840-1923) é um bom exemplo do êxito do casamento entre o mercantilismo e a ciência praticada, no caso médica. Barreto adquirira seu elevado conhecimento junto à grande autoridade positivista da Bélgica - Marie de Ribbentrop. (http://www.geocities.com/positivismonobrasil)2, enquanto seu irmão mais velho, o Comendador Zé Pereira organizava a caravana Bandeira Barreto (1876). A missão era se apossar de enorme extensão territorial no oeste paulista, à fazendas de café. Ribeirão Preto e Resende (RJ) foram loteadas à grande família paramilitar, nela incluída, naturalmente, ainda mais meia-dúzia de seus irmãos, todos ferrenhos positivistas, claro.
Os pampas também foram loteados aos positivistas, com a incumbência de suprir a paulicéia. O governo submetia a gauchada sob os auspícios do sabre, mas "respaldado nas ciências médicas", especialmente:
É sempre citada pelos estudiosos do positivismo e da política rio-grandense a carta que Júlio de Castilhos endereçou ao 'cidadão dr. Protásio Alves', (2) publicada em 22 de agosto de 1898, em A Federação, acusando o recebimento da comunicação de que fora instalada a Escola de Medicina e Farmácia no Rio Grande do Sul. A carta é uma formulação exemplar dos princípios do positivismo defendidos pelo seu autor, especialmente dirigida aos membros da instituição recém-fundada. Esse ideário positivista assumido pela administração republicana que se perpetuou no poder até a década de 1930 não tem paralelo no restante do país. Seus princípios e sua prática no Rio Grande do Sul não permitiram ali uma organização sanitária tão fundamentada na medicina.
É justo que se mencione: embora a classe fosse unida em seus pleitos e privilégios, havia quem destoasse. Figurou até uma  declinação da incompatibilidade da doutrina positivista com o exercício da medicina, através do Dr. Olímpio Olinto de Oliveira, um dos fundadoresda faculdade. (ALMEIDA,1964, p.23) Naturalmente, pouca gente ouviu falar deste mosqueteiro. Ele simplesmente foi engolfado pela onda suprema, num Estado totalmente positivado, onde a ditadura, por meio século, imperou solta. Assim é que a metologia cartesiano-positivista se imiscuiu nas relações educacionais, culturais, e profissionais brasileiras com tal intensidade que não restou à Nação nenhuma escolha, a não ser quedar-se em obediência:
Quatro séculos depois de Descartes, a medicina ainda mantém esse paradigma dominante e centrado numa abordagem hospitalocêntrica, curativista e verticalizada. Ao dissociar o ser humano em mente de um lado e corpo de outro, criou-se um dualismo que dificultou a concepção do homem como parte do universo, negando suas dimensões individuais, sociais, ecológicas, bem como dificultando uma visão sistêmica dos organismos vivos e, conseqüentemente, uma visão sistêmica da saúde. Ediara Rabello Girão Rios Senso comum, ciência e filosofia - elo dos saberes necessários à promoção da saúde
É uma questão que atualmente deve ser reconsiderada, tendo em vista que a fragmentação já se espalhou completamente, não apenas na sociedade, mas especialmente em cada indivído; e isso conduz a um tipo de confusão generalizada da mente, que por sua vez cria uma série infinita de problemas, interferindo com a nossa clareza de percepção de maneira tão grave a ponto de bloquear nossa capacidade de resolver a maioria deles. BOHM, D., Totalidade e ordem implicada: 17
ReVersão
Se, nas ciências sociais, o positivismo não tem resistido aos seus críticos, sucumbindo diante de metodologias mais modernas e sofisticadas, em vários outros campos científicos, particularmente nas ciências naturais e administrativas (que têm influência importante nas ciências da saúde), ele tem subsistido a ponto de ainda coincidir com o seu paradigma dominante CAMPOS, G.W. Os médicos e a política de saúde. São Paulo, Hucitec, 1988 - www.scielosp.org/scielo
Ora, felizmente, há dois incisivos vetores em atuação. As Ciências Médicas começam a se inteirar das relações energéticas, dos efeitos quânticos, atômicos, assim abandonando a ortodoxia metodológica positivista-cartesiana.O excepcional desenvolvimento chinês torna as atenções ocidentais de volta à nascente, cuja corrente acabou poluída por gregos e latinos. Todas as tradições asiáticas estão na berlinda, e a medicina amarela recupera sua fama: "A grande maioria de nossos males é determinada não pelo que nosso corpo sofre, mas pelo que acreditamos e pelas nossas emoções. Por isso, a cura precisa ser buscada na mente antes de materializar-se no corpo." (CAIRO, Cristina) "Hoje os cientistas provam, por testes em laboratórios, que os genes sofrem transformações com o auxílio de substâncias orgânicas e químicas. Outras experiências comprovam a eficiência e o poder da energia elétrica nervosa do próprio indivíduo transformando sua escala genética."(www.linguagemdocorpo.com.br)
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2. Protásio Alves foi ativo participante dos goverrnos estaduais, como secretário dos Negócios do Interior e Exterior, depois como diretor da Higiene, até assumir a presidência do estado em 1919, substituindo Borges de Medeiros por curto tempo.
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sábado, 30 de agosto de 2008

Ditadura & Direito Positivo


O alfa e o omega da teoria política é a questão de poder: como conquistá-lo, como conservá-lo, e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. BOBBIO, N., Teoria Geral da Política: A Filosofia Política e a Lição dos Clássicos: 252
AO JURISTA, quiçá para o acadêmico, e de resto a muitos leigos, é trivial reconhecer o Direito Positivo como maior e mais eficaz veículo utilizado pelas ditaduras às suas elevadas funções. O brutal instrumento tem várias serventias. Primeiro, elas mantém o povo enfeixado, sob a ameaça do chicote, assim minimizando a probabilidade de algum foco de incêndio. Ademais, ao distraí-lo com regrinhas bisonhas, os opressores operam livremente pelas lacunas. Não obstante, na garupa viajam milhares de pelegos e apaniguados. Na sombra do guarda-chuva, em nome da moralidade, a grei saboreia a fartura extraída manu militaire da produção.
E nada confere tanta honra a um 
príncipe novo quanto as novas leis 
e as novas instituições que estabeleça.
Maquiavel
Nosso renomado jurista Alfredo Buzaid (Conferências:139) entende que “as leis positivas estão sujeitas às contingências da vida política, e organizar um povo significa determinar-lhe a ordem jurídica.” Povo mais organizado do que o nazista vai ser difícil encontrar. "O New Deal de Hitler era muito mais coerente do que o de Roosevelt e muito mais bem-sucedido quanto a acabar com o desemprego." (SKIDELSKI, R.: 118)
Que fontes mais modernas sustentam esta antiga capacidade, a produção do chamado "direito" positivo? Existiria algum negativo?  E o próprio, por acaso, emerge de alguma nascente popular, da vida da polis, como propalava aquele ex-ministro da ditadura? As duas questões podem ser respondidas por breves constatações. A segunda é mais simples: em nenhum lugar, a qualquer tempo, a positivação resulta de vontade geral, senão que expressão de quem a impõe: "A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor". (PIPES, R.:251).  Os talheres denunciam o o prato que lhe apetece:
O surgimento do Direito Positivo, longe de negar, reforçou o poder, pois lhe deu um conteúdo preciso e um sistema de garantias em forma de sanções, também definidas e precisas. O direito, uma vez positivado, torna possível ao Estado encabeçar e dirigir o fenômeno que Harold Laski descreveu concisamente como o processo de organização do poder coativo. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Teoria do poder, sistema de Direito Político, estudo juspolítico do poder: 258
Ao catedrático das Universidades de Zurique e Colônia, professor Renè Konig, (Soziologie heute, cit. GOLDMAN, Lucien, Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia: 40),  ela se constitui em “elemento do processo de autodomesticação social da humanidade”. Suprimiria o auto, para acompanhar o Prof. A. PAIM (UMA LÚCIDA ANÁLISE DO MARXISMO, 9/5/2010**):
Comte, como mais tarde faria Marx, falava em 'ditadura'. Ambos entendiam, por tal regime, uma estrutura governativa em que o poder executivo forte se pautasse pela ciência social, com total recusa à representação política e com o banimento de qualquer oposição.
O eminente Professor paranaense Luíz Fernando Coelho se reporta a Jacques Lenoble e Fançois Ost (Droit, Mythe e Raison, cit. Teoria Crítica do Direito: 128) : “A racionalidade jurídica é uma imagem ideológica para legitimar o sistema jurídico positivo a partir de uma aparência de racionalidade, cujo fundamento é mais mítico do que racional, ou seja 'mitológico'.” J. F. Lyoard (cit. MAFESOLI, Michel, Para navegar no Século XXI) percebe essas “grandes narrativas legitimadores”,
tais como o marxismo, o freudismo ou o funcionalismo baseados numa visão positivista, teleológica e material da evolução humana. Sistemas ministas, igualmente, na medida em que assentam sobre um casualismo exclusivo e excludente. Daí o fideísmo rigoroso, com seu cortejo de fanatismos, de dogmatismos, de escolásticas de todas as espécies, sem esquecer,naturalmente, as intolerâncias, exclusões e demais excomunhões.
Em História da Loucura, Michel Foucault (cit. ROHMANN, C.: 168) demonstra: “O tratamento da demência constitui uma forma de domínio social”.
A mais completa definição encontramos através do inesquecível Norberto Bobbio (1997: 87):

O que caracteriza a sociedade tecnocrática não é o homem escravo, o homem servo da gleba, o homem súdito, mas o não-homem, o homem reduzido a autômato, à engrenagem de uma grande máquina da qual não conhece nem o funcionamento, nem a finalidade. Pela primeira vez, encaramos com angústia não um processo de servidão ou de proletarização, mas, de modo mais geral, um processo de desumanização. Também a potência que caracteriza a sociedade tecnocrática é diversa de todas as potências anteriores: não é a potência que se serve das idéias, nem a que se serve da dominação econômica, nem a que se serve da força coercitiva. É a potência científica, a potência do conhecimento que assegura o domínio mais irresistível sobre a natureza e sobre os outros homens, e, ao mesmo tempo, é a potência mais impessoal e, por isso, mais despersonalizadora; mais universal e, por isso, mais niveladora; mais racional e, portanto, mais racionalizadora.
O resultado costuma ser  barco naufragado:

O curso natural das coisas não pode ser inteiramente dominado pelos esforços impotentes do homem, pois a corrente é demasiada rápida e forte para que a interrompa; e posto as regras que a orientam aparentem ter sido estabelecidas para os melhores e mais sábios propósitos, às vezes produzem efeitos que escandalizam todos os nossos sentimentos naturais. SMITH, Adam, 1999: 204
A faina de revestir o direito positivo com o galardão democrático é desprovida de argumento: “Existem tempos nos quais os homens são tão diferentes uns dos outros que a própria idéia de uma mesma lei aplicável a todos lhes é incompreensível.” (TOCQUEVILLE, A., 1997, Livro Primeiro, Capítulo III: 61)
A justificação da democracia, ou seja, a principal razão que nos permite defender a democracia como melhor forma de governo ou a menos ruim, está precisamente no pressuposto de que o indivíduo singular, o indivíduo como pessoa moral e racional, é o melhor juiz do seu próprio interesse. BOBBIO, N. Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos: 424
A distinção de Glück, (cit. BOBBIO, 1995: 21), datada de 1888, permanece de pé:

O direito se distingue, segundo o modo pelo qual advém à nossa consciência, em natural e positivo. Chama-se direito natural o conjunto de todas as leis, que por meio da razão fizeram-se conhecer tanto pela natureza, quanto por aquelas coisas que a natureza humana requer como condições e meios de consecução dos próprios objetivos... Chama-se direito positivo, ao contrário, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidas.
E quanto aos fatos nos quais prevalecem essas vontades unilaterais? O que poderia tornar uma palavra escrita por alguém de tal maneira vigorosa a ponto de suplantar a soma das tradições jurídicas, filosóficas, antropológicas, econômicas, e sociais, e por conseqüência solapar conceitos éticos e morais sedimentados de modo secular? Que Zenith pode ser tão atraente? Que fontes e deltas encorpam o positivismo a ponto de torná-lo hegemônico, insuscetível a reparos, mas não isento de dúbias e capciosas interpretações? E quais as consequências de tão venerada artimanha?
O comtismo serve então de fundamentação doutrinária a uma facção política conservadora e anti-democrática, que durante quarenta anos dominou o Rio Grande do Sul, e daí se irradiou para todo o país. Da Silva, Prof. Nady Moreira, Universidade Federal do Maranhão, Positivismo no Brasil
Antônio Paim estabelece o liame estendido::
A evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campes (1891/1968).
Aprecie a genial composição de Ramiro Barcelos, que bem dá conta do convencimento do povo à novidade:
Nas trevas da negra noite
O gaúcho destemido
Corre, seguindo o ruído,
Sem medo ou temor da morte;
E vai, sem rumo e sem norte,
Guiado só pelo ouvido.

O povo é como boi manso
Quando novilho atropela
Bufa, pula e se arrepela,
Escrapeteia e se zanga;
Depois...vem lamber a canga
E torna-se amigo dela.

Home é bicho que se doma
Como qualquer outro bicho;
Tem às vezes seu capricho,
Mas logo larga de mão,
Vendo no cocho a ração,
Faz que não sente o rabicho.

Pobre Estância de São Pedro
Que tanta fama gozaste!
Como assim te transformaste
Dentro de tão poucos anos,
De destinos tão tiranos
Não há ninguém que te afaste!

Na mão do triste Chimango,
O arvoredo está no mato;
O gado... é só carrapato;
O campo... cheio de praga,
Tudo depressa se estraga,
No poder de um insensato.

E tudo o mais em São Pedro
Vai morrendo, pouco a pouco,
A manotaços e a sôco
Rolando pelo abismo;
Pois com o tal positivismo,
O home inda acaba louco...

Ramiro Barcelos
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 Bibliografia


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A Má Temática Positivista do Brasil

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Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós.
BERGIER, Jacques e PAWELS, Louis, O despertar dos mágicos: 31

A razão do positivismo demonstra que o ser humano, se não ordenado, e sob pena de sanções, nada faz que seja útil; tampouco poderá viver em sociedade.
Somos piores que
quadrúpedes e insetos: esses desconhecem prescrições, mas logram convivência pacífica, hamônica no interior de suas comunidades.

A ciência
AO TOMARMOS conhecimento de que não éramos o centro do Universo, a religião sofreu o baque. Reis divinos já não mereciam tanto respeito; sequer o trono. Aos novos aspirantes tal "ciência" vinha a calhar. As ações poderiam ser coloridas por crivo cientifico, portanto, obrigatoriamente aceitas.
Japiassú (Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, : 64). disso reclama:
Mas tudo indica que, nos dias de hoje, é a ciência que se encontra instalada no lugar de Deus. Desde há algum tempo, ela vem se atribuindo o papel de referência absoluta. Impõe-se o positivismo, que gera o cientificismo acreditando que a ciência tudo pode explicar e apresentando o seguinte aspecto político de seu projeto: o recrutamento da ciência a serviço de uma concepção política que a aproxima da religião. Uma vez envolvida, a ciência se curva às ordens da política que tem por missão justificar. Ao fetichizar a ciência e sacralizar a política, o cientificismo termina por ceder o lugar ao tecnologismo que hoje nos invade e se torna a mentalidade hegemônica, muito embora se revele impotente para mobilizar nossos afetos (a serviço de um ideal), a não ser sob as formas mais lúdicas e mais ou menos moralizantes da ciência-ficção.
A sociedade, a massa, também haveria de ser aquela expressão do relógio, em movimento homogêneo, linear, geométrico, euclidiano, cartesiano, exato e hierárquico. Variariam, apenas, intensidades. Todos os fenômenos, no diagnóstico do maior dos cientistas, “deveriam ter também uma explicação racional no sentido da mecânica”. Também uma ordem exata.
O raciocínio quantitativo tornou-se símbolo da ciência e, com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política histórica, social e até moral.
GLEISER, M.: 164
Dessarte, trocamos um embuste por outro. Eis o grande dogma, até maior do que o Sagrado, e pelo qual a humanidade foi traída:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
SCHWARTZ: 18
Em vez da moralidade cristã balizarem as ações reais, ora tínhamos a presunção científica a prover aberrações:
Seja qual for, de resto, a validade desta tese geral ela é verdadeira para o século XVI. Que tudo abalou, tudo destruiu: a unidade política, religiosa, espiritual da Europa; a certeza da ciência e a da fé; a autoridade da Bíblia e a de Aristóteles; o prestígio da Igreja e o do Estado.
KOYRÉ, 1986: 25
A agonizante filosofia enveredou à fania da exatidão:
A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática.
JAPIASSÚ, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, p. 97
"Comte considerava a Matemática e a Sociologia as ciências mais importantes. A Matemática pelo caráter universal das leis geométricas e mecânicas e a Sociologia por tratar das indagações que conduzem a evolução histórica da humanidade." (SILVA, 1999:56)
O barro cartesiano, pintado com cores de Platão, e as pioneiras proposições de Rousseau, consagradas por Saint-Simon, que lhe foi mestre, formaram lastro e pano da cama elástica onde tomou impulso o “juspositivismo”, o “direito” da imposição:
Descartes nos diz com toda a clareza, na segunda parte do Discurso do Método, que uma legislação que é obra de um só vale mais do que a que foi elaborada por vários através das transformações da história, pois é mais fácil a um só seguir um plano racional e apartar-se das contingências que constituem os hábitos e os costumes dos habitantes do país.
PERELMAN,
C., p. 363.
Sorman (A Solução Liberal, p. 54) endossa e aponta a gravidade do rumo tomado pelo trem:
A culpa inicial cabe a Descartes. Ele foi o primeiro a negar a sabedoria inconsciente, persuadindo-nos de que só o que era demonstrável, era verdadeiro. Rousseau substituiu-o, imaginando que não havia leis fora das desejadas pelo homem. Finalmente veio Augusto Comte, que instalou de vez a universidade no positivismo, fez as ciências humanas oscilarem para a sociologia e eliminou todo o ensinamento sério da economia.
Nosotros
O tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos golpistas
investido como ministro da Instrução Pública da época da introdução da seita, "reformou o ensino justamente de acordo com os pontos de vista de Comte." (ANDERY, M.,:380)
A "Instrução Pública" tratou de-formar grande contingente de engenheiros, pragmáticos juristas, economistas, políticos, educadores, mercantilistas e gente disposta a se vestir de verde-oliva, mas não o verde da produção. E lá fomos nós, macaquitos amestrados:
Muitos historiadores consideram a influência do positivismo no Brasil como fenômeno único e afirmam, inclusive, que a matemática desempenhou um papel essencial na introdução e divulgação do positivismo no país. O motivo disso é que houve uma instituição que desempenhou um papel decisivo para isso: a Escola Militar do Rio de Janeiro. Lá a ideologia positivista encontrou forte sustentação, e pode, então, atingir a vida social, política, pedagógica, e ideológica brasileira. Os docentes de matemática desempenharam um papel muito importante na propagação das idéias positivistas. Nessa escola a matemática era, inclusive, a disciplina principal. Durante um período de mais de cem anos (1810-1920) a Academia Militar do Rio de Janeiro (e todas suas ramificações - Escola Central, Escola Militar, Escola Politécnica, escolas preparatórias) foi praticamente a única instituição onde os brasileiros podiam adquirir conhecimentos matemáticos sistemáticos de nível superior e obter um diploma debacharel e doutorado em ciências físicas e Matemáticas.
(SILVA, Circe Mary Silva da, A matemática positivista e sua difusão no Brasil. - Vitória, UDEFES, 1999 : 13)
A escola catalizava a "elite" para colocar o "país nos eixos", proporcionando aos engenheiros a primazia, mercê da certeza matemática que lhes envolvia, pressupondo-se competência de gestão, como se fôssemos meras peças de uma máquina brutal:
A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. Esta descrição, e as diferenças entre as tradições anglo-americana e francesa, ainda hoje são válidas.
(SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_05/rbcs05_03.htm)
Einstein teve a paciência de desembarcar no Brasil. O gênio fez conferências sobre a Teoria da Relatividade justamente no Clube de Engenharia, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e na Academia Brasileira de Ciências. Tudo em vão:
Esses primeiros contatos, porém, não foram intelectualmente proveitosos pois a platéia ainda conhecia pouco as teorias expostas por Einstein, envolvendo física quântica e a própria Teoria da Relatividade, e olhavam com desconfiança e ceticismo tais idéias 'extravagantes' para a época.
LIMA, Márcia Tait, A genialidade não relativa de Einstein, Cienc. Cult. vol.57 no.2. - São Paulo Abr./Jun 2005
Eis quiçá o mais fulgurante instantâneo, capaz de revelar forte motivo à nossa estagnação:
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. Mais ainda, o comtismo considerava a ciência como fechada, como já sintetizada. Ambos os argumentos vão de encontro a um conceito liberal de universidade. A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais.
(LOVISOLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil, p. 242)
Ordem e retrocesso, isso é no que deu a veneração à baioneta.
A evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campes (1891/1968).
O pior é que este tal de Augusto Comte, falecido na metade do século retrasado, ainda consegue ditar o futuro, pelo presente:
Pesquisa dá respostas ao atraso do Brasil - O positivismo não foi apenas o primeiro movimento filosófico moderno a influenciar as autoridades brasileiras, já no século passado, mas também conduziu a supervalorização da ciência, a ponto de considerá-la perfeita e acabada, simplesmente pronta a ser ensinada, mas não a ser pesquisada. E desta vez, mais do que nunca, o responsável pelo atraso não é o estrangeiro. Mas deliberadamente local.
(MAKIYAMA, Marina R., O Estado de São Paulo, 21/5/1995: D14.)

A falha de Einstein


sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A fixação Positivista no Brasil

Os sábios deverão dirigir e governar,
e os ignorantes deverão segui-lo.
PLATÃO, cit. WHITEHEAD, A.N.,:31
Recém estendida a cabeça-de-ponte que baniu o tenro sistema federativo brasileiro, a estratégia militar para instalação da república positivista no Brasil requeria a consolidação das posições sobre o esquálido e patético povo. Como por aqui nada se cria, mas tudo se copia, lá fomos nós, de volta ao Velho Mundo, buscar naturalmente as velhas soluções para a fixação do novo regime.
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Da Vaca Leiteira*
Os mestres-escolas da França são especialistas em pancadaria.
Quando questionados a respeito, respondem que aquele povo,
tal como dizem dos frígios, só se corrige a 'pauladas'.

Erasmo de Roterdã
(De pueris, p.70)
A dona da língua diplomática se arvorava diapasão do mundo. Sua nada
diplomática Revolução ensinara como exercer o poder em todo seu esplendor:
Constitui um lugar-comum histórico relacionar o surgimento do nacionalismo moderno com a Rev. Francesa. A afirmação é válida, no sentido de que a Revolução Francesa evoluiu para uma espécie de totalitarismo democrático devido ao seu culto do povo sem restrições, o primeiro a instituir algo como o serviço militar universal, 'uma nação as armas'. LUCKÁCS, John, O Fim do Século 20: 226
Republicanos tupiniquins adoravam seus adereços:
Quatorze de Julho - A data de hoje, que a República Brasileira comemora solenemente incluindo-a no seu calendário de festa nacionais, tem alta significação para o espírito de liberdade que domina a civilização contemporânea. Quaisquer que fossem os erros e os excessos que se seguiram a grande conquista de 1789, a histórica já consagra o estupendo legado que a humanidade recebeu dessa grande revolução, - o início da transformação política de todas as nacionalidades modernas, o berço fecundo de onde frutificou a semente generosa de todas as liberdades.
O Estado de São Paulo, ed. de 14/julho/ 1895; republicado em 14/julho/ 1995
Ainda bem que não comemoramos o 17 de outubro, da Bolchevique, descendente direta. Não obstante, o que a tal revolução francesa ensejou além de um rastilho de pólvora generalizado, capaz de varar séculos de desatino? Se a queda da Bastilha livrou meia-dúzia infaustos hóspedes, os grilhões de Napoleão não só aprisionaram toda a Nação, como impingiram a desgraça aos vizinhos, especialmente aos esparsos alemães, fatos que desencadeariam a retaliação germânica durante os dois séculos subseqüentes! Zbigniew Brzezinsk (A desordem, in Veja 25 anos - Reflexões para o futuro: 67) concorda plenamente: "A Revolução Francesa produzira um impacto galvanizado sobre os vizinhos europeus da França, desencadeando as idéias utópicas que reinaram soberanas nos séculos XIX e XX."
Tal perfídia ser divulgada como "semente generosa de todas as liberdades" só pode ser explicada pela ausência de uma delegacia de defesa do consumidor, não acha?
Nossa fonte de inspiração provém justamente da utopia daquela cartesiana Paris, “também capital da astrologia, medicina marginal e religiosidade pseudo-científica". (JOHNSON, Paul, p. 119)

O transplante
O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade,
impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização
cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil. COSTA, V.: 33
A seita de Comte mantinha missionários no Chile e no México, além do Brasil. A pretensão buscava suplantar a matriz:"As idéias de Comte foram aplicadas aqui com um rigor tal que não se encontrava no próprio seio do Positivismo, ou seja, na França." (SILVA, Alexsandro; BENVENUTTI, Ana Gilda Benvenutti e SAID, Fabio M.)
Os pernósticos se sentiam aproximados dos primos ricos:
O sucessor oficial de Comte foi Pierre Lafitte. Sob seu patrocínio, foi fundada, em 1878, a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar o Positivismo na imprensa. Entre os intelectuais envolvidos na Sociedade estavam Benjamin Constant e os jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Esse foi o embrião do Apostolado Positivista do Brasil, que tanta influência teria mais tarde, durante a República. Enquanto se reformulava a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, em 1879, Miguel Lemos viaja para Paris com o intuito de estudar medicina.
  www.geocities.com/positivismonobrasil
Tal iniciativa se deu justamente quando Dom Pedro II retornava repleto de novidades dos Estados Unidos. Já havia o prenúncio marxista, e os contatos com aqueles liberais fornecia a senha administrativa que poderia garantir a paz e a estabilidade da nação - bastaria conclamá-la à participação, por uma radicalização federativa, já em curso. O pessoal, contudo, os traíras afinal, porque não afirmar categoricamente, ansiavam tomar conta da caixa-forte com exclusividade. Para tanto, não hesitaram em colorir seus parcos intentos. O Positivismo logrou subverter a mentalidade pela "lavagem cerebral", sim, mas coberta pela baioneta:
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894. (COSTA, C.: 38)
O Positivismo - encarnado em Benjamin Constant - foi uma das causas da Proclamação da República, juntamente com outros fatores de ordem nada especulativa e nada filosófica e sim social e de conjuntura política. Os então mais jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes procuraram Constant, poucos dias após a Proclamação, para oferecer seus conselhos à nova República. Ao serem aceitos os dois "apóstolos" do Positivismo religioso no grupo dos orquestradores da República, estava inaugurada a temporada de influência plena do Positivismo sobre nossas instituições políticas... Entre os juristas que mais se opuseram às articulações de Miguel Lemos e Teixeira Mendes estavam Ruy Barbosa e Quintino Bocaiúva... À parte a contradição entre militarismo e Positivismo, há que observar que a doutrina de Comte era perfeitamente a favor da ditadura. Na visão dos positivistas, um governo entregue às 'discussões infindáveis' de políticos profissionais ou atrelado ao poder da Igreja não poderia sustentar-se sobre bases sólidas.
SILVA, Alexsandro; BENVENUTTI, Ana Gilda Benvenutti e SAID, Fabio M.

A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. Esta descrição, e as diferenças entre as tradições anglo-americana e francesa, ainda hoje são válidas.
(SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_05/rbcs05_03.htm)
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A Politécnica também produzia empresários,equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações econcessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvover à sombra do Estado.
(www.anpocs.org.br)
Restou ao poeta o lamento: "Caymmi pegou o barquinho o violão, e se pos mar a dentro cantando. 'O mar, tá assim de francês, e cadê português? E cadê português?'"
http://www.saopaulominhacidade.com.br/list.asp?ID=665
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A safadeza

O líder paulista César Nascimento dizia, em 1887, que se sobreviesse uma mudança súbita de governo, seria difícil atingir o ideal republicano, devido à diversidade de pontos de vista e à confusão de idéias. Aliás, a única doutrina que teve influência e deu certa unidade aos anseios republicanos foi, por certo, o positivismo.
COSTA, C.,: 33
O original Benjamin Constant ( 1767-1830) (BOBBIO, N. , 1993: 59) já havia assinalado a ascendência da empulhação pela qual, por bizarro, até hoje permanecemos enredados:
Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos; combinam centralização e soberania popular. Isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam.
Vejamos um momento-chave para entendermos o grau do retrocesso no qual estamos submetidos:
No segundo decênio deste século, num Brasil que perdeu o pulo da passagem do séc. XIX para o XX, surge como expressão das oligarquias dominantes, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca; e como reação liberal e progressista, a desse grande rejeitado que o Brasil tantas vezes usou quantas desperdiçou, Ruy Barbosa. Naturalmente, venceu Hermes da Fonseca, pois a eleição era uma ficção jurídico-política. Algumas dezenas de pessoas - se tanto! - conduziam a nação e decidiam do seu destino. O povo não participava do processo, senão como mera figura retórica. A Ruy ficou-se devendo o serviço de criar, por assim dizer, uma opinião pública atuante. Através de estados de sítio e habeas-corpus, de peregrinações cívicas, palmas e perigos, ele começou a mobilizar a consciência coletiva. E se o acusam de tê-la inventado, ainda é maior o seu mérito. Pois o homenzinho valeu, sozinho, por toda uma comunidade incapacitada para o uso da razão.
LACERDA, Carlos, Em vez: 30
O Sistema de Política Positiva sustentava o combate à democracia e ao voto popular como medida legítima para a implantação de um mandato governamental; a centralização do poder em mãos do Chefe do Executivo, inclusive as tarefas legislativas, como por exemplo, a elaboração de leis, e conseqüente redução da assembléia política à votação dos orçamentos; e a continuidade administrativa garantia pela reeleição do governante, prevista pela Constituição.
Segundo Antônio Paim (História das Idéias Filosóficas no Brasil),
a evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campos (1891/1968).
O ilustre e conceituado professor de História, Décio Freitas (As ditaduras gaúchas, Zero Hora, 1/11/1996: 27) recentemente falecido, conheceu a tal “filosofia”, e suplicou:
A doutrina do mal-inspirado profeta (Comte) teve escassa influência na França. Sua maior influência foi no Brasil, e, aqui, só teve integral aplicação no Rio Grande do Sul, através de uma impiedosa e sanguinária ditadura que durou quase 40 anos. Para se consolidar no poder, a ditadura usou da fraude sistemática e do terror jacobino. Provocou guerras civis que alagaram em sangue o RS. Matou-se mais do que na Revolução Francesa: o facão da degola foi a guilhotina dos pampas. Criou-se um regime totalitário de partido único avant la lettre. O modelo de ditadura gaúcha adotado em âmbito nacional em 1930 teve apoio militar, mas foi exercida por civis. A história das ditaduras brasileiras na República é, afinal, a história das ditaduras gaúchas. Temos que reescrever a história das nossas patologias autoritárias: será uma catarse salutar.
Eis o maior legado da estupidez:
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. Mais ainda, o comtismo considerava a ciência como fechada, como já sintetizada. Ambos os argumentos vão de encontro a um conceito liberal de universidade. A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais. LOVISOLLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil: 242
Augusto Comte, falecido na metade do século retrasado, ainda consegue ditar o futuro, pelo presente:
Pesquisa dá respostas ao atraso do Brasil - O positivismo não foi apenas o primeiro movimento filosófico moderno a influenciar as autoridades brasileiras, já no século passado, mas também conduziu a supervalorização da ciência, a ponto de considerá-la perfeita e acabada, simplesmente pronta a ser ensinada, mas não a ser pesquisada. E desta vez, mais do que nunca, o responsável pelo atraso não é o estrangeiro. Mas deliberadamente local. MAKIYAMA, Marina R., O Estado de São Paulo, 21/5/1995: D14.
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* Como Hitler alcunhou a França.