quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Descartes no rumo de Marte

TORNADO em Regras para Direção do Espírito*,lá se foi o tremà direção riscada. A má tese, ou a má temática ,a "quantofrenia",conforme Sorokin, ou a "aritmomania", como aduz Georgescu-Roegens, coroou o homo faber tal homo mathematicus. O universo-máquina, que ainda tinha alma, passou a ser‘um vasto sistema matemático de matéria em movimento’,um ‘universo material (onde) tudo funciona mecanicamente,segundo as leis matemáticas.’
PARA DESCARTES (Les principes de la philosofie) não apenas os vegetais e os animais, mas também o próprio corpo humano eram máquinas; tampouco neste particular soube ser original: em 1543, André Vesálio, (1514-1564) já havia dado a conhecer De humani corporis fabrica. A analogia com a mecânica animal tinha por efeito reduzir o maravilhoso, negar a espontaneidade do existente e garantir a ambição de uma dominação racional no curso da vida humana. A simploriedade mental decretava:
"Toda a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o tronco a física, e os galhos que saem desses troncos são todas as outras ciências, que se reduzem a três principais – a medicina, a mecânica, e a moral."
Não consta que o raso mosqueteiro do cardeal Richelieu tenha se preocupado com humanidades; mas, no tratado O Homem, ele oferece a “medicina” cirurgiã: retíficas. Estávamos, pois, diante de um ser dotado de sistema hidráulico operado por condutos dialéticos, de cima e de baixo, da esquerda e da direita, de contração e dilatação. O trânsito é movido pelo motor denominado coração, promotor da pressão, da velocidade de circulação:

Assim como podeis ter visto nas grutas e nas fontes que estão nos jardins dos nossos reis, é a simples força pela qual a água se move ao sair da nascente que move diversas máquinas e até toca alguns instrumentos, ou pronuncia algumas palavras, consoante a diversa disposição dos tubos que a conduzem. E deveras se podem perfeitamente comparar os nervos da máquina que vos descrevo aos tubos das máquinas destas fontes; os seus músculos e os seus tendões, aos outros diversos engenhos e molas que servem para as mover; os seus espíritos animais, a água que as movimenta, de que o coração é a nascente e as concavidades do cérebro são as aberturas.
Não é admirável tanta imaginação?Felizmente podemos divisar. Estamos mais aliviados. É bem verdade que nosso corpo tem comportamento caótico em vários níveis - átomos rodopiantes de oxigênio penetram na corrente sangüínea a cada respiração; numerosas enzimas e proteínas enchem cada célula; e até a descarga de neurônios no cérebro é uma incessante tempestade elétrica. O caos é apenas uma das fases da ordem, quiçá a primeira, mas face verossímel. Nossa atividade cerebral resulta em pensamentos coerentes, ainda que eventualmente movida por inoculadas dialéticas.
Os cartesianos De la Mettrie, Hegel, Marx, Freud e muitos clones malcopiados abordam a ciência por ângulos de aproximação e desenvolvimento invertidos. Quanto mais acreditam em suas verdades, mais longe delas ficam. Vão para Marte, por não amar-te, acompanhados de milhares que ainda embarcam, por ingenuidade, imitação, interesse, justificativa, desespero ou comodidade, nessa nave onírica de perfídia sideral.
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*Regulae ad directionem ingenii. Obra incompleta, escrita provavelmente antes de 1628, impressa apenas em 1701.




Delenda Descartes



Nenhuma disciplina poderá outorgar para si própria um lugar de onde deduzir um saber absoluto e final. Quando a prestigiosa matemática ocupou este lugar,revelou-se então mais mutiladora do que a rainha!
Michel Serres
NO BANQUETE dos canibais, com Bacon, sentou titubeante conviva, de Vienne:
“Ao saber do processo contra Galileu em 1633, Descartes sustou a publicação de um importante tratado de física no qual adotava a teoria de Copérnico.”
A Pátria saturara René Descartes (1596-1650). Holanda e Baviera, Bretanha e finalmente a Suécia, regiões coincidentemente estranhas à comunidade latina, até receberam seus esforços, mas não lhe renderam homenagens. Eram poucos os que sabiam ler; e raro algum poliglota. Ele mesmo não se notabilizava pela sapiência, mas pela destreza na brutalidade
O próprio Descartes era um espadachim habilidoso, que cruzou a Europa combatendo com as tropas bávaras, então a serviço do Duque de Sabóia, e esteve presente também no cerco aos huguenotes em La Rochelle.
Em Estocolmo, desgostoso com a negligência geral, o globetrotter acabou falecendo. No post- mortem tornou-se mundialmente conhecido; mais ainda, praticado.
Em vida, como Rousseau, consumira o tempo centrado em si mesmo. Muitas linhas são dedicadas a transcrever sua própria história. Examinemos o notável exemplo de pretensão imanente em péssima redação

Penso que tive muita sorte em me ter encontrado desde a juventude em certos caminhos que me conduziram a considerações e a máximas com as quais formei um método* pelo qual me parece que tenho possibilidades de aumentar gradualmente o meu conhecimento e levá-lo ao mais alto ponto a que a mediocridade do meu espírito e a curta duração de minha vida poderão permitir-me chegar; já tirei dele tais frutos que, embora no juízo que faço de mim próprio trate sempre de me inclinar para o lado da desconfiança mais que para o da presunção, e que, olhando com olhos de filosófo as diversas ações e empresas de todos os homens, não haja quase nenhuma que não me pareça vã e inútil, não deixo de receber uma extrema satisfação dos progressos que penso já ter feito na procura da verdade e de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações dos homens puramente homens houver alguma que seja solidamente boa e importante, ouso crer que é a que eu escolhi. Espero que ele (este escrito) venha a ser útil a alguns, sem ser nocivo para ninguém, e que todos apreciarão minha franqueza. (Descartes, cit. Koyré, 1986: 18):
A modéstia é comovente, encantadora! Mas Koyré o aniquila:

Que um sábio nos conte a sua biografia, aí é que é surpreendente. Imaginamos Einstein ou Broglie a contarem-nos a vida, mesmo espiritual, antes de exporem a Teoria da Relatividade ou a Mecânica Ondulatória? Ora, Descartes fá-lo dizendo que teve a sorte de descobrir um ‘método’ que lhe permitira fazer grandes progressos no estudo das ciências e que expõe a fim de que os leitores o possam aproveitar.
E no quê consiste tal método? Responde-nos Gilles-Gaston Granger:
Convém efectivamente distinguir dois pólos de todo irredutíveis da idéia de método. Um corresponde às noções de ´receita´, ´procedimento´, ´algoritmo´, que descrevem detalhadamente a concatenação do que deve ser feito. O outro corresponde ao conceito de estratégia, que não fornece necessariamente uma indicação particularizada dos actos a cumprir, mas somente do espírito dentro do qual a decisão deve ser tomada e do esquema global no qual as acções devem decorrer o aspecto principal parece ser o método como estratégia.
Descartes abandonara a escola por excesso de dúvidas e decepções. Fora buscar um conhecimento claro e certo, advindo de um saber milenar, mas lhe apresentaram somente discussões. Presumia o “iluminado” ser possível viver desprovido de dúvidas. Como traçar uma estratégia com tantas opções sugeridas? Como saber qual delas seria a verdade?

“Tinham-lhe, em suma, prometido uma ciência e uma sabedoria (sagesse). E não lhe tinham dado nem uma nem outra.”
Deram-lhe a desculpa para vadiar, isso sim. Folgado, saiu ao turismo, a curtir bisbilhotices, futilidades e tolices, covardias da espada empunhada em prol das tiranias, tudo logrado com oportunismo confesso em sofrível estilo literário, inexorável conseqüência da precoce autoformatura filosófica
(cit. Koyré, 1986: 40):

Assim que a idade me permitiu sair da sujeição aos meus professores, deixei inteiramente o estudo das letras; e resolvendo-me a não procurar outra ciência senão aquela que poderia encontrar-se a mim mesmo ou então no grande livro do mundo empreguei o resto de minha juventude a viajar, a ver cortes e exércitos, contatar com pessoas de diversos humores e condições, a recolher diversas experiências, a experimentar-me a mim mesmo nos encontros que a fortuna me propunha, e por todo o lado a fazer reflexões sobre as coisas que se me apresentavam de modo a poder tirar delas qualquer proveito.
Só a matemática oferecia verdades encadeadas e certas, “por causa da certeza e da evidência de suas razões” Nosso TriPulante Bertrand Russell explica:

Na matemática não há fatos fora de seu próprio campo que exijam comparação. Por causa desta certeza, os filósofos de todos os tempos sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.
A rainha mathésis universalis assaltava a imaginação dos transeuntes:
"O mundo de Descartes é um mundo matemático rigidamente uniforme, um mundo de geometria reificada, de que nossas idéias claras e precisas nos dão um conhecimento evidente e certo."
A sinistra esbanjava exuberância, seletiva à interpretação dos sábios, os reverenciados de Platão:
O radical da palavra grega ‘mathemática’ é mathein, que quer dizer captar, aprender, apanhar. A captação é mathéma (ou mathésis) de que deriva a nossa palavra matemática, designando não uma construção mental, mas uma captação de uma realidade já existente.
É completo sofisma, hábil inversão por dialética.
Ouçamos Kant, um dos raros preferidos por Einstein, em Critique de la raison pure, na antecipaçao dos postulados quânticos de Heisenberg e Shöredinger:
"Nós é que introduzimos a ordem e a regularidade nos fenômenos a que chamamos Natureza, e poderíamos encontrá-los nela se eles não tivessem sido originariamente colocados aí por nós ou pela natureza de nosso espírito."
Einstein (L´evolution des idées en physique) completou a profilaxia:
"O cientista nunca dialoga com a natureza pura, mas com um certo estado de relação entre a natureza e a cultura, definível pelo período da história no qual ele vive, sua civilização, os recursos materiais dos quais dispõe."
Eis o grande dogma, até maior do que o Sagrado, e pelo qual a humanidade foi traída:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
(Schwartz: 18)
O grave dano social cartesiano
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Falando nisso, precisamos de numerário. Que entrem esses loucos comerciais!

O cartão que vale milhão

NA ILHA DA FANTASIA resplandece o carnaval desprovido de rei-momo. Não existe a chave-da-cidade para lhe entregar. Sumiram com ela, há década. Ao infinito abre-te-Sésamo, o cockpit utiliza uma universal.
Para que salário, ou qualquer dinheiro? Basta apenas uma varinha, e de plástico.
A realidade, contudo e infelizmente, aos terráqueos não é de sonho. Quem não se limita a orçamento? Por acaso você não pratica alto sacrifício para cumprir seus compromissos?
Que tal o povo pagar suas necessidades, e também suas vontades? Um passeio pelo mundo? Let's go! Uma geladeira nova, para a patroa se distrair? Um brilhante à amante, não seria oportuno? Quem sabe carnaval em Búzios, com carro alugado e hotel reservado? Um terno novo, gravata, um whisky ao entardecer. Um lençol, de lembrança. Jantar à luz de velas, no prato do mar? Pense na mágica que quiser. Viva o momento. O cartão-que-vale-milhão tudo supre. É um cartão quântico.
Em qual planeta encontra-se tanta energia? Esplanada dos Ministérios, Brasília. Distrito Federal, urgente:
"A Presidência da República tem pelo menos 150 cartões corporativos. Os titulares desses cartões gastaram no ano passado R$ 6,2 milhões. Do grupo, apenas 68 servidores tiveram suas despesas divulgadas no Portal da Transparência, mantido pela "Controladoria"-Geral da União. Cerca de 80 funcionários ligados à Presidência realizaram despesas que foram omitidas no site.
"Preocupado" com esse uso indiscriminado de cartões de crédito corporativos pela presidência, seus ministros (e staffs), e com as negativas repercussões na imprensa (isto é, se ninguém ficasse sabendo o samba continuaria tocado) Lula determinou a criação de novas regras para este tipo de gasto. (Era só o que faltava, legitimar a safadeza.) A primeira medida será a restrição da retirada do valor do saque em dinheiro, que é feita de forma indiscriminada. (Quack!!)
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A Ministra da Igualdade Social (vê se pode tamanha asneira) foi demitida. Era a campeã dos gastos, às custas dos negros, brancos e mestiços. Eles continuam assim, diferentes uns dos outros, à despeito de todos os esforços governamentais no sentido de acabar com todas as raças. Ela? Mudou de cor. Ficou com a face bem vermelhinha.
Um comerciall, pelo amor de Deus!

Bacon, à moda.

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BACON VEIO AO BANQUETE; não o saboroso alimento, mas
Sir
Francis Bacon (1561-1626), professor de Direito, Cavaleiro
de Jaime I,
Procurador-Geral do Reino, Lord Chanceler e Barão
de Verulam,
integrante da Câmara dos Comuns de 1584 em diante
e autor, dentre outras façanhas de
baixo-calão, do Novum Organum:
aforismos sobre a interpretação da natureza e do reino do homem

(1620), e Nova Atlântida: o mundo da ciência.
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Na dedicatória de seu livro ‘O progresso da sabedoria’ (1605) a Jaime I, sir Francis Bacon declara que ‘de todas as pessoas ainda vivas que conheci, sua Majestade é o melhor exemplo de um homem que representa opinião de Platão de que todo o conhecimento é apenas memória. Embora Platão tenha expressado essa definição como alegoria à sua crença na imortalidade da alma* e Bacon, como parte de um astuto plano para obter certos favores do rei (que por sinal, funcionou muito bem), podemos nos referir a elas como uma alegoria à enorme importância que o pensamento grego exerceu e exerce no desenvolvimento da cultura ocidental’.
A ciência em voga, a escolástica, resignava-se em apreciar a harmonia, sem questionamentos. Os estudos eram voltados para “maior glória de Deus”, ausente o ímpeto de intervir na “ordem da natureza” cristã. Agora, de posse da mesma dialética platônica, Bacon vinha interpretá-Lo como Pai; como tal, por bondade e necessidade, como um simpático “Instrutor-bricalhão”:
“A glória de Deus consiste em ocultar a coisa, a glória do rei em descobri-la.”
Não só descobri-la, mas deflorá-la:
"A investigação das causas finais é estéril e, como uma virgem consagrada a Deus, não engendra nada.”
Bacon falava da natureza como de uma fêmea à antiga, aquela “obrigada a servir”, posta em “sujeição”, desse modo escravizada pelo filósofo natural. De nada valeria tentar agarrá-la se não se exercesse total controle sobre ela. A Natureza deveria ser capturada, e os segredos desvendados, através dos seus aposentos íntimos.
Falava o corrupto, perdoe-me, de estupro à Natureza:
A partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar a natureza. A natureza, na opinião dele, tinha que ser ‘acossada em seus descaminhos’, ‘obrigada a servir’, ‘escravizada’. Devia ser ‘reduzida à obediência’ e o objetivo do cientista era ‘extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos’.
H. Marcuse (One-Dimensional Man, Beacon Press, 1964) relaciona o sucedido:
A natureza deixa de colaborar e, controlada, colocada para vista em jardins, paisagens e praias, é submetida como matéria-prima para as necessidades da racionalidade tecnológico-científica. Com a ciência e o capitalismo não só novas formas de dominação do homem aparecem, mas a própria natureza passa a ser dominada pelo homem.
Mutatis mutandis, o sabujo aproveitava o esteio religioso. De nutriente, participativa, a natureza virava alvo, adversária subjugada. O saber resumir-se-ia em meio vigoroso e seguro para conquistar o poder sobre ela, mas per se, não constituia valor:
“Assim, foi abandonada a filosofia natural como um traste inútil e o vazio, produzido pelo seu abandono, pretendeu o homem enchê-lo com a ciência.”
O psiquiatra R.D. Laing (The voice of experience, Pantheon, N.York, 1984) lamenta:
Perderam-se a visão, o som, o gosto, o olfato, o tato e com eles também foram a sensibilidade estética, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espirito. A experiência como tal foi expulsa do domínio do discurso científico.
Tradições, poesia, espiritualidade e a própria filosofia foram apartadas, minimizadas, arbitrariamente marginalizadas, tomadas de assalto pelo vitorioso esquema geométrico, racionalista:
A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto.
Mesquinho interesse maquiava a burla:
"Um estudo recente sobre Bacon, porém, centrou-se mais especificamente em sua crença de que a filosofia natural deveria ser capaz de fornecer apoio para o Estado imperial."
Bacon, evidentemente, estudara na escola de Maquiavel:
Segundo a maior parte dos críticos, os Ensaios constituem o retrato mais real de Bacon. Encerram um repositório de conhecimentos teóricos das paixões e da natureza humana, aproximando-se do maquiavelismo. Esse maquiavelismo que se esconde nas entrelinhas das opiniões dos Ensaios, foi uma constante na vida real do autor.
A personalidade não escondia o semelhante caráter. “Bacon não foi um desses grandes homens dos quais podem se admirar igualmente pensamento e atividade.”
Para o historiador Wilhelm Windelband (1848-1915): "O esplendor da vida de Bacon foi prejudicado por manchas de graves defeitos morais.”
O bajulamento à Côrte, receita do Secretário Florentino, lhe rendeu, além das homenagens e dos banquetes, propinas, subornos e atos corruptos, fatos que precipitaram sua demissão por confissão e confinamento na London Tower. Sua fama correu o tempo e o espaço. Da capital britânica, depois de mais de século, Voltaire ainda mandava notícias:
Sabeis, senhores, que Bacon foi acusado de um crime que não é próprio de um filósofo: o de deixar-se corromper pelo dinheiro. Sabeis que a Câmara dos Lordes condenou-o a uma multa de aproximadamente quatrocentas libras (em nossa moeda) e a perder sua dignidade de chanceler e de par.
A fortuna do vigarista virou pó, mas seu “racionalismo”* frutificou:
"Na verdade, era isto que Shelley percebia já nos primeiros dias da Revolução Industrial, quando proclamou que na defesa da poesia devemos invocar ‘luz e fogo daquelas regiões eternas onde a faculdade do cálculo, de vôo rasteiro, jamais se atreva a guindar-se’."
O mago, relegado à beira do caminho, divisou, nos trilhos estendidos, o rumo do mal entendido:
A época dos magos estava praticamente desaparecida, dando lugar à nova era, que seria governada pela razão. Esta última sustenta que a alquimia não é possível, e à medida que os magos recolhiam-se à penumbra da lenda, as pessoas começaram a aceitar que estavam de fato limitadas a viver como pacotes finitos de carne e osso em delgadas fatias velozes a linha férrea. Tudo o que vêem é o que se encontra no campo de visão dos seus faróis dianteiros, sem levar em consideração a infinita expansão de possibilidades que se estendem por ambos os lados.
“Aos olhos do mago, quase todas as pessoas parecem trens, com lâmpadas reluzindo na locomotiva, atravessando tempo e espaço.”
Shelley, o mago e até mesmo a Igreja não estavam errados: o espírito científico buscado exato, visto como o grande caminho, a panacéia da humanidade, abafou o oxigênio da sensibilidade e do prazer, acabando por poluir toda a natureza e, principalmente, as relações humanas. Há muito a reverter.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Tio Sam mais camarada


Nos EUA o Federal Reserve determinou que se reduza o preço pelo uso do dinheiro emprestado. O povo e a produção não tem renda para pagar juro maior.
Comparada com a do Brasil, torna-se flagrante a fragilidade daquela economia.
No país do operário, os juros custam multiplicadas vezes mais; no entanto, apregoam, tudo vai de vento-em-pôpa. Brasil dá aulas de capitalismo. Valoriza-lhe ao máximo.
Americanos tem muito a aprender. You're welcome!

Da má temática de Platão & Pitágoras

Na matemática não há fatos fora do seu próprio campo que exijam comparação. Por causa dessa certeza, os filósofos de todos os tempos sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber. RUSSELL, B., 2001: 137
Para garantir que o mundo esteja sempre no mesmo padrão de horário, 400 relógios atômicos foram distribuídos pelo planeta há anos. Mas, como a rotação da Terra não é sempre igual e pode ser afetada até mesmo por terremotos, esse horário absolutamente preciso marcado pelos relógios atômicos precisa ser corrigido uma vez a cada quatro ou cinco anos. Isso é feito adicionando um segundo a mais nos relógios, permitindo a sincronização do horário oficial mundial com o horário astronômico, que respeita a real rotação da Terra.
Curiosamente a matemática foi introduzida pelo arquinimigo de Bertrand Russell:
No começo do século XVII, os matemáticos e astrônomos jesuítas do Collegio Romano eram reconhecidos entre as mais altas autoridades científicas. AUGUSTO FORTI
DANTE soube calcular até mesmoas dependências do Reino de Hades. O Inferno se dividia em oito ou nove pavimentos subterrâneos, cada qual correspondendo a uma pena calibrada na intensidade do delito. Quem discutiria a precisão de DEUS?  LEONARDO DA VINCI retratou nossa "imagem e semelhança" na medida exata da beleza, na proporção áurea. Segundo a equação, o corpo e o rosto perfeitos apresentam razão de 1 para 1,618.  O XV acolhera o vírus, vindo de Constantinopla. A obra completa de PLATÃO  dava luz aos cândidos personagens, tão amigos do povo, dos Borgia aos Medices, de Copérnico, Galileu, a Maquiavel e Descartes.
A idéia é originalmente devida a Platão, que, sem dúvida influenciado pelas concepções pitagóricas, foi o primeiro a afirmar que o círculo, cujas partes são todas iguais entre si, é por essa razão a mais perfeita figura geométrica, e, portanto, como os corpos celestes são eles mesmos perfeitos, o único movimento que lhes é possível é o movimento circular uniforme. A tarefa dos astrônomos a partir de então foi construir um modelo matemático que explicasse os dados observacionais da astronomia, e no qual os planetas seriam dotados de movimentos circulares uniformes.Ben-Dov: 19
Embora aspirasse, e ao máximo valorizasse o lego, digo o logo, o primata não tinha como dominar a matemática. No entanto, exuberante, quiromante, pero científico, apresentava a certeza de que ela era o único caminho, e perfeito, para entender, também com exatidão, o sobrenatural, ao "reconhecer" a relação cruzada entre seu demiúrgo e as medidas  descobertas pelo bruxo viandante do leste.
Pitágoras apreciava a tal ponto a teologia órfica que dela fez modelo para plasmar a própria filosofia. Em decorrência disso, as sentenças de Pitágoras passam a ser chamadas sacras na medida em que são derivadas dos esquemas órficos. Pico della Miràndola, A dignidade do homem:73
PITÁGORAS de Samos (grego Πυθαγόρας) fora anunciado pela PÍTIA. A orgulhosa mãe, ao consultar a pitonisa, foi informada: o filho seria um fenômeno. Ao conhecê-lo, PLATÃO lhe dedicou o melhor do amor platônico. Epinomis, prescreve: "A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, (ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis) é a mais nobre e excelsamente divina."
As mútuas relações entre Platão e a filosofia pitagórica constituem, de fato, um eixo fundamental para a crítica: se a filosofia pitagórica influencia o platonismo, é verdadeiro também o contrário... Aqui Platão estaria evidentemente utilizando os princípios (archaí) pitagóricos para fundamentar, do ponto de vista da dialética dos princípios supremos, sua teoria das Idéias. ENTRE PITAGORISMO E PLATONISMO. - www.puc-rio.br
Daí o futuro secretário do Tirano de Siracusa saiu lascando:

Para Platão, a ordem e a beleza que vemos no Cosmo resulta de uma intervenção racional, intencional e benigna de um divino artesão, um "demiurgo" (gr. δημιουργός), que impôs uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um Universo divinamente organizado, a partir de um modelo eterno e imutável (Pl. Ti. 26a). A visão platônica da origem do Universo também teve enorme influência na filosofia, especialmente na neoplatônica, no ocultismo e na teologia desde o século -IV até nossos dias.www.greciantiga.org
O portão
Quase que invariavelmente, todas as modernas áreas do conhecimento tiveram lume na Grécia Antiga.
MEISTER, L.F., A evolução do pensamento econômico - www.webartigos.com.br
ARISTOCLES DE ATHENAS (428347 a.C.), discípulo do suicida SÓCRATES, amava o mestre; e depois, os soldados espartanos. Banido da convivência dos patrícios, refugiou-se no sul da Itália, precisamente em Siracusa, onde encontrou pouso na cama do filho do tirano DIONISO. Na viagem o ateniense recolheu a matéria-prima da colônia grega de Crotona, incrustrada na península italiana, onde havia a "primeira Universidade do mundo, obra do pioneiro"filósofo":
"A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos." (PITÁGORAS)
No desembarque o príncipe amou sua complexão avantajada, de modo que era mais fácil tratá-lo com o carinhoso apelido de PLATÃO. Ao se liquidar aquele virtuoso reino, o consorte (ou sem sorte) se obrigou a retornar à Grécia, desta feita para as terras de Acade mus, onde fundou sua famosa escola, no rastro da "primeira universidade do mundo" pitagórica. No frontespício o astuto ergueu o veredicto: "Que aqui não adentre quem não souber geometria www.consciencia.org/platao.
Tal afirmativa, além de totalmente preconceituosa, sectarista, constituia um paradoxo que atestava seu dúbio caráter: "Assim trava conhecimento com o Pitagorismo, que veio a exercer uma duradoura influência sobre todo o seu pensamento e a sua atividade: na sua doutrina da pré-existência das almas." (Apresentação da biografia e livros de Platão – História da Filosofia Antiga – Hirschberger)
Platão se harmonizava, perfeitamente, com a doutrina cristã. Tanto nele quanto na Igreja, tudo procede da mesma fonte, a saber, do 'logos' divino."
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios. GLEISER, MARCELO, A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
Aristóteles recusou a maioria das idéias pitagóricas, em prol de um método qualitativo. Nele não cabem números. Como medir um talento? Talvez bilheteria? Platão, contudo, adorava a numerologia, e jogou a bola que cairia na bota de Galileu. Explica-nos KOYRÉ (1986: 81):
Ocorre que para Aristóteles a geometria era apenas uma ciência abstrata. Por isso, a geometria nunca poderia explicar o real. As suas leis não dominam o mundo físico. O estudo da geometria não precede o da física. Uma ciência do tipo aristotélico não se apoia numa metafísica. Conduz a ela, em vez de partir dela. Uma ciência tipo cartesiana, que postula o valor real do matematismo, que constrói uma física geométrica, não pode dispensar uma metafísica. E tem mesmo que começar por ela. Descartes sabia-o. E Platão, que fora o primeiro a esboçar uma ciência desse tipo, sabia-o igualmente.
De acordo com a vox que se tornou populi, o procedimento do Grande Arquiteto do Universo se mostrava coerente, por ordenado, cadenciado pelos dias, e a matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento. (FEYRABEND, 1991: 135)
O longo eclipse das ciências humanas se iniciou, justamente, na singela premissa: a matemática excluia a possibilidade de controvérsias:

Agora demonstrarei a estrutura do Sistema do Mundo: todo o corpo continua no próprio estado de repouso ou de movimento uniforme numa reta, a não ser que seja impelido a mudar esse estado por forças que lhe forem aplicadas. A mudança de movimento é proporcional à força motriz aplicada e ocorre na direção da reta em que a força foi aplicada. Para toda ação existe sempre uma reação igual e oposta.  NEWTON, I., cit. ROHDEN, H.: 169
O câmbio paradigmático restringiu a ciência e subverteu a democracia:
Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa. BASTIAT, Frèderic, A Lei: 63
Para Da Vinci nenhuma investigação humana poderia ser chamada de verdadeira ciência se não passa pelas demonstrações matemáticas’." Essa “verdadeira ciência”, lambuzada de preconceitos, constituiu-se como guia e fim, razão e justificativa à metafísica. O vigário polonês COPÉRNICO (cit. CHÂTELET, F: 49) revendeu o bilhete:

E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
Useiro crítico de Aristóteles, não por coincidência nascido na região de Maquiavel, Galileu Galilei (1564-1642) demonstrou a certeza e a eficácia dos cálculos. Tomemos sua ficha: "Deixou Pisa em 1585 sem qualquer diploma, mas rico de uma cultura adequada ao ideal de erudição humanista. Nutrira-se dos diálogos de Platão e meditara no isocronismo das oscilações do pêndulo."
O sopro da morte atingiu a teoria aristotélico-ptolomática em 1609. Neste ano Galileu começou a observar o céu à noite, através de um telescópio, que acabara de ser inventado. Ao focalizar o planeta Júpiter, Galileu descobriu que se fazia acompanhar de vários pequenos satélites, ou luas, que giravam a sua volta. Isto implicava que nada precisava necessariamente girar em torno da terra, como Aristóteles e Ptolomeu haviam pensado.
Della Miràndula, (Modena, 1463-1494, Florença) há um século de Galileu, bem que tentou demonstrar ao papado "uma alternativa ao descaminho que conduzia à fantasia mágica do pitagorismo remanescente, e mesmo à cabala, um terreno movediço." Tarde demais. O papado não se interessava em qualquer hipótese que colocasse em cheque a hegemonia conquistada à duras penas, por séculos de estórias bem formatadas. A história é sobejamente conhecida. Receoso de repetir os destinos de Giordano Bruno e de Copérnico, aquele executado e este desmoralizado, Galileu se recusava a expor as novidades, fato que gerou um pedido especial de Johannes Kepler (1571-1630), em 1597. Galileu acabou "cedendo"; e sedento, promulgou o Discorsi e dimonstrazioni matematiche intorno a due nuove scienze attenenti alla meccanica. Pronto. Estava inaugurada, oficialmente, a era mecanicista. Ao invés da fita cortada, entretanto, tivemos cabeças, aos borbotões; e sobreviventes mantidos em pesadas correntes, já há três séculos, atados pés, mãos e cérebros:
Se desejássemos retraçar a história do Determinismo, seria preciso retomar toda a história da Astronomia. É na imensidão dos Céus que se delineia o Objetivo puro que corresponde a um Visual puro. É pelo movimento regular dos astros que se regula o Destino. Se alguma coisa é fatal em nossa vida, é porque uma estrela nos domina e nos arrasta. Há, portanto, uma filosofia do Céu estrelado. Ela ensina ao homem a lei física em seus caracteres de objetividade e de determinismos absolutos. Sem esta grande lição de matemática astronômica, a geometria e o número não estariam provavelmente tão estreitamente associados ao pensamento experimental; o fenômeno terrestre tem uma diversidade e uma mobilidade imediatas demasiado manifestas para que se possa neles encontrar, sem preparo psicológico, uma doutrina do Objetivo e do Determinismo. O Determinismo desceu do Céu à Terra.GASTON BACHELARD
A justiça aritmética
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. GLEISER, Marcelo: 164.
Em Florença, florescia a Renascença. Pelo interior das "pétalas" de Lourenço de Médici, o "Magnífico" emergiu o sabre abridor das comportas para Marcílio Ficino (1433-1499) a fim de reacender a tocha olímpica, a atochada platônica. É oportuno frisar que o talentoso Pitágoras foi o primeiro filósofo a criar uma definição que quantificava o objetivo final do Direito: a própria Justiça. O ato mais justo seria a chamada "justiça aritmética", na qual cada indivíduo deveria receber uma punição ou ganho quantitativamente igual ao ato cometido, vê se isso é possível. Tal argumento foi refutado por Aristóteles, pois este acreditava em uma justiça na qual cada indivíduo receberia uma punição ou ganho qualitativamente, ou proporcionalmente, ao ato cometido; ou seja, ser desigual para com os desiguais a fim de que estes sejam igualados com o resto da sociedade. Bem o sabemos, contudo, que Pitágoras recebeu o reforço de Platão 2, e a humanidade se foi de roldão, embalada na dialética:
A marca da filosofia platônica é um dualismo radical. O mundo platônico não é um mundo de unidade, e o abismo que, de diversas formas, resulta dessa bifurcação, surge em inúmeras formas. KELSEN, H., 2001:81
O flagrante traço pitagórico, a oposição do par e do ímpar desempenha ainda um papel essencial na concepção acadêmica do número. Ele resplandece em diversos texto platônicos, e em particular no Górgias. No tal Epinomis, prescreve: "A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, (ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis) é a mais nobre e excelsamente divina."
Ao ser questionado porque o homem se diferenciava doa animais, a sapiência foi categórica: "Porque sabe lidar com números."
Poetas e letrados foram expulsos de sua catedral.
Com efeito, hoje sabemos que o direito está imerso numa atmosfera ideológica e a teoria geral do direito, empenhando-se em abstrair este aspecto do direito, só pode falsear as perpectivas e, com isso, fica, por sua vez, sujeita à acusação de ser mais ideologia do que ciência. PERELMAN: 621
A eterna presença
Desenvolvido por Plotino (205/270) no início do século IV, em meio à decadência do Império Romano, o neoplatonismo tornou-se uma das mais importantes correntes filosóficas da época e foi a última contribuição do pensamento grego à filosofia Ocidental. O neopitagorismo, que sobrevivera desde o século -IV www.greciantiga.org
Astrônomos e todos adotamos o mico:
Seja qual for, de resto, a validade desta tese geral ela é verdadeira para o século XVI. Que tudo abalou, tudo destruiu: a unidade política, religiosa, espiritual da Europa; a certeza da ciência e a da fé; a autoridade da Bíblia e a de Aristóteles; o prestígio da Igreja e o do Estado.
O conhecimento anterior fora difundido por inconsistentes palavras; agora, cabiam aos iniciados a promoção do novo tom:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou- se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
Números possibilitam mais segurança, tornam as atividades concretas, lógicas e práticas; compõem os elos da ciência. A matemática é o cimento, é a garantia de sua coerência, é a defesa segura contra qualquer tentativa de acolher, “com distorções de palavras”, proposições de variadas e incompatíveis procedências.
Sequer o Inferno, de Dante (Palestra na Academia Florentina, A Geografia do Inferno de Dante Tratada Matematicamente, 1588) escapou ileso.
Canoa furada
A maior parte da natureza é muito, muito complicada. Como se poderia descrever uma nuvem? Uma nuvem não é uma esfera. É como uma bola, porém muito irregular. Uma montanha? Uma montanha não é um cone. Se você quer fala de nuvens, de montanhas, de rios, de relâmpagos, a linguagem geométrica aprendida na escola é inadequada. MANDELBROT 
Ainda antes o decantado matemático Bernhard Riemann disparara: “A linguagem resultava demasiada pobre para captar a experiência.”
Semelhante conclusão emitiu um fundador da astrofísica, Sir Arthur S. Eddington (1882-1944) (The Philosophy of Physical Science, 1939: “Os métodos da física são incapazes de descobrir fragmentos de verdade absoluta no mundo exterior.”
Vejamos o grau do equívoco, a premissa pintada como coroa de pensamento - a subversão numérica substituta das letras:
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas.
Galileu foi cognominado “pai da física matemática.” Devemos, sem querer ofendê-lo, mas completá-lo, dizer que sua idéia foi a “mãe da pretensão científica”:
"O episódio da lógica quântica vem mostrar que a boa física depende da lógica e não o contrário. E sugere que a espécie de lógica que se escolhe para elaborá-la pode ter motivação filosófica."
A faculdade de conhecer o verdadeiro se resumia ao que os braços ou olhos podiam confirmar, mas o acesso ao ideal estava plenado. Galileu veio para estreitar o liame com o “pecado original”: “Não tenho dificuldades para admitir, identificando o platonismo com matematicismo, o caráter platônico da ciência galileana.”
O russo naturalizado francês Alexander Koyré (1882-1964) confirma a presença do vírus: "A grande idéia de Koyré, justamente, é que Galileu encarnava a herança do platonismo."
O inditoso Platão expulsara os poetas de sua República. Letras serviam à fantasia, enquanto “o livro da natureza é dominado pelo rigor matemático, donde seu objetivo precípuo é aquele de aprender a verdade.”
O livro da natureza, contudo, não existe; muito menos a verdade, ainda por cima matemática. Houve quem disso se desse conta, pero só recentemente: "Em alguns aspectos importantes, embora de maneira alguma em todos, a Teoria Geral da Relatividade de Einstein está mais próxima da teoria de Aristóteles do que qualquer uma das duas está da de Newton."  Explica-nos Koyré:
Ocorre que para Aristóteles a geometria era apenas uma ciência abstrata. Por isso, a geometria nunca poderia explicar o real. As suas leis não dominam o mundo físico. O estudo da geometria não precede o da física. Uma ciência do tipo aristotélico não se apoia numa metafísica. Conduz a ela, em vez de partir dela. Uma ciência tipo cartesiana, que postula o valor real do matematismo, que constrói uma física geométrica, não pode dispensar uma metafísica. E tem mesmo que começar por ela. Descartes sabia-o. E Platão, que fora o primeiro a esboçar uma ciência desse tipo, sabia-o igualmente.
Por orientação do último, ao invés da curva picamos a mata:
É todo esse número geométrico que comanda os melhores e os piores nascimentos. Se os guardiões não o conhecem, juntarão os jovens às noivas na época errada, fazendo com que seus filhos não sejam nem de boa índole nem felizes.
O darwinismo, a biologia organicista, o utilitarismo encorpado pelo behaviorismo e aplicado na política, esta descambando vertiginosamente aos marxismos e seus parentes envergonhados - os partidos sociais - todos obtém na dialética seu método de averiguação e álibi. Coincidentemente, todos buscam a hegemonia, o poder pelo poder. E de novo todos pautam suas decisões, obtém suas certezas, pelas médias obtidas em simples operações matemáticas, efetuadas em simplório eixo de aferição proposto. O óbvio desviado custa a ser de volta assimilado, ainda mais por outro viés:
A lenda de Einstein, o mito de que a relatividade é incompreensível, tornou-se arquetípica em nossa cultura. A clareza, beleza e simplicidade da teoria foram transformadas no seu oposto, e o nome de Einstein virou sinônimo de incompreensibilidade.
A Relatividade, quiçá por recente, nem é bem assim, tão conhecida, tão lendária. Lenda foi e ainda é o tal Pitágoras, um colador de mão-cheia, o cimento mais resistente, apto a turvar todas as ciências, não por anos, nem por séculos, mas por milênios, literal e, naturalmente. Infelizmente, a tecnè suplanta a episteme. O homem se vai à Marte, justo por não amar-te.
___________
* Durante o século IV a.C., verificou-se, no mundo grego, uma revivescência da vida religiosa. Segundo alguns historiadores, um dos factores que concorreram para esse fenômeno foi a linha política adotada pelos tiranos: para garantir seu papel de líderes populares e para enfraquecer a antiga aristocracia, os tiranos favoreciam a expansão de cultos populares ou estrangeiros. Dentre estes cultos, um teve enorme difusão: o Orfismo (de Orfeu), originário da Trácia, e que era uma religião essencialmente esotérica. Os seguidores desta doutrina acreditavam na imortalidade da alma, ou seja, enquanto o corpo se degenerava, a sua alma migrava para outro corpo, por várias vezes, a fim de efetivar sua purificação. Dioniso guiaria este ciclo de reencarnações, podendo ajudar o homem a libertar-se dele. (Wikipédia)  “O orfismo ensina a divindade da alma e a impureza do corpo. A morte é uma libertação. O centro de suas preocupações é a vida futura” (Dicionário Básico de Filosofia. Hilton Japiassú/Danilo Marcondes. Ed. Zahar. RJ)
Dioniso é apenas o tal Tirano de Siracusa, tirania que teve em Platão a presença e maestria. Imagine que beleza de administração.
2. Foi em sua estada na Itália que Platão conheceu os pitagóricos e sua seita.

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Notícias do Brasil

INTERROMPEMOS nosso diálogo com o malvado viajante do EspaçoTempo para informar as últimas notícias veiculadas no país-continente. Somos obrigados à retornar às questões jurídicas. Vai ver, tem quase tudo, mas não tudo, a ver.
Porto Alegre: A cidade se vangloria. É a capital nacional do crime. (A disputa é grande. Desconfie da manchete.)
Brasília, DF: As multas de trânsito aumentarão. (
O governo se preocupa com a vida dos cidadãos; principalmente com quem tem dinheiro para queimar, ou seja, para gastar com gasolina.)
Rio de Janeiro: Tiroteio entre policiais e traficantes mata nove. Sete delegacias envolvidas. Comando da Polícia Militar se esfacela.
(De novo o eleito. Para manter a ordem social que pretende, não importa a vida do descamisado, tampouco a do próprio soldado.)
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Francamente, essas notícias são de 1995. Nada mudou? Vê algum resquício do ideal?
Para mudar, mister despojar as Caymmais.
Falávamos de questões de justiça. Não mistures. Fale com objetividade. De fatos jurídicos, de preferência, mote da questão.
A questão das Caymmais é o maior fato jurídico que poderia acalantar um país de bacharéis.
No entanto, jamais ouvi alguma discussão à respeito do incomparável golpe. E olhe que nunca se formaram tantos advogados. O gozado é que, mesmo depois da faculdade, são tratados como bixos. Tem que serem examinados pelos colegas da entidade de classe. Os coitados se apresentam para provarem que são capazes. Ninguém acredita nos diplomas. Sabem que o ensino é pífio.
Informe fatos!
Jamais as manchetes foram tão dedicadas ao crime. Não há assunto mais comentado no Brasil. Do mensalão todo dia há notícia; mas é só isso, notícia. Rouba-se à vontade: carros, senhoras, bolsas, contas de banco, tudo. É uma festa. Mas os jornais e a população, como vê nas manchetes, clamam por justiça. Logo, há esperança.
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Comerciais. (Cada um...)

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Em Florença, assim florescia a Renascença

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Roma, 1513, urgente: Copérnico foi visto gravitando pelo Coliseu. Em pleno dia, o suspeito disse apreciar a "lanterna do universo"..
Enviamos nossa Foca Lisa para participar da fascinante entrevista coletiva concedida por Platinho, o franco e tenebroso filhote de Platão.
Você pode relatar alguns episódios que antecederam sua chegada?
Dante
(Florença 1265Ravena 1321) já havia arrumado meu berço. O gajo era imaginativo, mas nem tanto assim. Seu tema predileto usava a artimanha que vinha usufruindo de todo sucesso. O handicap era falar sobre o inferno. Isso arrepiava, continha o rebanho. Sua "reportagem" afirmava: quem ousasse prever desceria ao fogo atado com a cabeça para trás. O "repórter" chegou a delimitar o inferno, vê se pode. Aliguieri tinha feito uma sátira, mas o povo levou a sério, ao gáudio da grei eclesiástica. Em vez do chicote, e do sabre, mostrava-se o tridente.

Mas ninguém era espetado, pelo menos em vida. E quem mais se sobressaiu?
Como não? O que aconteceu com Giordano Bruno? E por qual razão Copérnico e Galileu emudeceram? A razão dava razão à Dante. Quem ousasse prever, desceria direto ao inferno!
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Se essas grandes personalidades eram caladas, quem catalizava as atenções?
Da Vinci. Era engenheiro, dono de boa imaginação, e bem sabia calcular. Pintava e bordava. Ah, e projetava bons armamentos, que era mesmo o que interessava. Ele conseguiu um aposento no Palácio, por convite de Ludovico Scorza, o Mouro, justamente por convencê-lo da utilidade de seus atributos como “estrategista militar, construtor de pontes, catapultas e projetista de morteiros, ‘com os quais posso lançar pedras de modo que estas parecam cair como chuva, e cuja fumaça mergulhará o inimigo em terror, para seu grande dano e confusão'.” E o pessoal ainda pensa que era pelas qualidades de pintor. Claro, como não havia fotos,ou gravuras, alguém tinha que atiçar a imaginação, compor Deus à nossa imagem e semelhança. Tudo vinha a calhar.
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Mas a Renascença não tomou este nome por causa da retomada do humanismo?
Conversa. O parteiro  nada tinha de humanista, mas de vigarista. Foi de fato competente. Eles compraram o bilhete:

A idéia é originalmente devida a Platão, que, sem dúvida influenciado pelas concepções pitagóricas, foi o primeiro a afirmar que o círculo, cujas partes são todas iguais entre si, é por essa razão a mais perfeita figura geométrica, e, portanto, como os corpos celestes são eles mesmos perfeitos, o único movimento que lhes é possível é o movimento circular uniforme. A tarefa dos astrônomos a partir de então foi construir um modelo matemático que explicasse os dados observacionais da astronomia, e no qual os planetas seriam dotados de movimentos circulares uniformes. BEN-DOV: 19
Além das sensacionais descobertas científicas e geográficas, o período não ficou consagrado como das artes, do esplendor espiritual?
De fato, o que mais tinha era artista, mas no sentido da ilusão, de iludir a humanidade. Nada havia de esplendor. O prenúncio era de horror. A arte mais reverenciada era medida pela capacidade de calcular.
Na virada ao século XVI, duzentos e quatorze livros de matemática saíram publicados. Só a Bíblia teve maior tiragem. Então era isso, a matemática à serviço da mistificação:
O mundo barroco pode ser descrito também como um grande teatro, onde cada homem deve ocupar o seu lugar. O mais belo dos teatros é o centro do mundo católico romano: a praça de São Pedro em Roma. A literatura, as artes, a filosofia giram em torno de Deus, de suas exigências e da salvação. Os filósofos e os sábios da época, em sua compreensão do mundo, privilegiam o caráter de abstração e de esquematização. Por isso dão a máxima importância à física matemática. Assim o problema do método constitui o problema número 1 de todos os filósofos. Trata-se de descobrir um método universal de conhecimento. E o modelo é o conhecimento matemático (geométrico). Japiassú, H., 1997: 81
Eis a razão maior do estrelato de Leonardo, e do livramento de Copérnico, Galileu e Kepler, embora a progenitora desse já tivesse sido jogada na fogueira, acusada de bruxa. Ticho Brahe, contudo, foi envenenado, e até hoje se especula a autoria. -
Mais algum estrangeiro se imiscuia?
Francis Bacon, hábil golpista, o melhor representante daqueles piratas malvados.
-
Fale dos fatos que tornaram famosos esses artistas.
Bacon não era artista; apenas vigarista. Mas tanto em Londres como em Florença, e adjacências, imperava o terror, de modo que o povo precisava de ilusões. A bota andava muito malcheirosa. O assassínio, a pilhagem, as correrias dos mercenários, a descida dos oltramonti*, a espionagem e o conluio, as conspirações e as traições formavam os cotidianos da Itália do Cinquecento. Efeito tomou depois que descobriram a América. Êta descoberta! Haja brigas e tratados. Ninguém sabia, sequer, o que tratava; era só presunção, imaginação, suposição. Brigavam por suposições! A confusão começava a pairar, bonito.
=
E vocês?

Frá Francesco de Meleto, se encarregou do alarme:
Por todo lado haverá sangue. Haverá sangue nas ruas, sangue nos rios, as pessoas navegarão em ondas de sangue, lagos de sangue, rios de sangue. Dois milhões de demônios serão largados do céu, porque mais mal foi cometido nestes últimos dezoito anos do que durante os cinco mil que os precederam.
O alarme era predição. O sublime humanismo veio banhado no sangue. O Renascimento glorificava a guerra como obra de arte. Cultuava o terreno a ser ocupado pelo soldado: o cemitério.
-
Perguntei por vocês.
Nós ficávamos por ali, fora do alcance, naturalmente, a ver o circo pegar fogo.
=
Três cruzes!

Era disso que nosso mais notável retransmissor necessitava: um campo fértil, ainda que cruel, mas na luz do pragmatismo “realista-materialista”.-
.
Mais um terrível microondas? Diga por quem se refere.
Não seria Marcos Valério, tampouco Zé Bedeu. Nicoló di Bernardo dei Machiavelli (1469-1527), o nome da astúcia. Logo seria guindado à secretário do pequenino reino, tanto quanto meu pai , que conseguira um leito junto ao Tirano de Siracusa. Maquiavel bem apanhou a lição.
=
O que esse mauquiavel inventou?  Teu pai ainda era filósofo, mas este, mero secretário , por que ficou assim, tão famoso?
Seu gênio "consistiu em aplicar ao domínio humano as normas da revolução mecanicista um bom século antes do advento da física experimental.”
-
Agora mais essa, física experimental! Donde tiraram isso?
Foi coisa do inglês que lhe falei - Francis Bacon (1561-1626), que veio logo após. Ele até reconheceu:

Temos uma grande dívida para com Maquiavel e alguns outros, que descreveram o que os homens fazem e o que não deveriam fazer, pois não é possível unir a duplicidade da serpente e a inocência da pomba, quando não se conhecem exatamente todos os recursos da serpente: sua baixeza rasteira, sua flexibilidade pérfida, o ódio que afia o dardo.
Mas a coisa andava feia, mesmo.
Pois o alvoroço tinha começado no próprio Palácio. Foi ali que meu pai chocou os ovinhos, num dos quais nasci. Até o Renascimento, o Ocidente praticamente desconhecia Platão. Alguns manuscritos gregos, comprados em Constantinopla, foi que mudou todo cenário. A obra completa de meu pai aportou ainda antes do meado do século anterior, precisamente em 1430, como preparo à mortandade que lhe conto. Com a fundação da Academia Cosme de Medici aliciou leal exército de mercenários.
A Academia Platônica, fundada por Marsilio Ficino, com consentimento de Cosme de Medici, elabora com efeito uma doutrina destinada a uma larga difusão, por longo tempo benéfica à manutenção da hegemonia cultural florentina, mas da qual os Medici são os primeiros a tirar vantagem concretamente. LARIVAILLE, P.: 161.
Ora, Platão não era luz à civilização?
Isso aplicaram, para justamente empanar a visão. Da primeira turma formada por tal penitenciária, além dos sanguinários se destacaram Copérnico e esse tal de Maquiavel; logo receberiam o canudo o interessado Bacon, os parceiros Hobbes & Descartes, em seguida Galileu, até Rousseau. Cito apenas esses para não encher a kombi. E não sou só eu quem identifica. A grande idéia de Koyré, justamente, é que Galileu encarnava a herança do platonismo. Em outras palavras: Galileu acreditava que, graças à matemática, os físicos conseguiriam apreender a estrutura íntima da realidade.
-
Mas por que "penitenciária"?

Todos pagam muita penitência a partir de então. Especialmente o povo:
"Leia sobre Platão, Aristóteles e os matemáticos antigos e descobrirá como suas especulações e descobertas foram transformadas e ampliadas nos métodos e sistemas com que até hoje trabalhamos." (Jacques Barzun A História, cit. Fadiman, Clifton org., p. 4)
=
Alguém tinha que ser pioneiro; e a primeira vez, ninguém esquece.

Teriam esquecido, sim, não fosse Florença! As maiores contribuições de meu pai tinham sido  aos Trinta Tiranos de Athenas, e depois, servindo a Dioniso, o Tirano de Siracusa. Imagine que exemplos de administrações.-
Falávamos sobre Maquiavel
A rigor dá mesmo. O florentino é meu irmão de criação, e por isso foii o maior expoente do Renascimento, em que pese tentarem glorificar apenas Da Vinci. No espírito tomado científico, à bête-machines, bem cabia seu azeite:
“Antes que Descartes dissesse que sua metafísica não era senão geometria, Maquiavel pode ter pretendido que sua política não era mais que matemática, com seus signos fundamentais, mais, menos, igual.”
-
Era mesmo um gênio!
A “genialidade”, reconhecida especialmente por aqueles que o interpretam como um "ser realista", provém desse empírico e obsoleto paradigma, de racionalidade mecanicista.
Para cumprir com sua responsabilidade universal, o príncipe era obrigado a procurar a medida de seus atos nos efeitos previsíveis que suas ações trouxessem para a comunidade. Assim, a obrigatoriedade de agir impunha também a obrigatoriedade de ser o mais previdente possível.O cálculo racional de todas as possíveis consequências tornou-se o primeiro mandamento da política.
-
Tinham boas razões!
Não há razão boa nem má, como não há número bom nem mau. Depende como usá-la.
"Razão" se baseia por cálculos. O designativo vem de ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar. Presumia-se que quem soubesse contar fosse senhor de razão, mesmo que não tivesse nenhuma.
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Se por acaso todos se achassem com razão, só por saberem calcular, precipitar-se-ia  enorme confusão. Tinha algum outro líder para colocar o povo nos eixos?
Bem, na confusão é que morre gente, nâo? E o que morreu, de gente, tres cruzes!, como você diz.  Quem colocou o pessoal nos eixos, ou melhor,  quem ensinou os soldados a manter o povo sob a mira foi Marcino Ficino (1433-1494), como já falei, marco e fulcro do revigorado neoplatonismo. Em 1462 eu vi  Cosme de Medici lhe presentear com uma vila inteira. Ali é que nasceu a famosa academia,  E dali começou a jorrar papa de tudo que era jeito, casado,  lu não, e até uma mulher, se bem que esta enganou meio mundo. Meu pai  foi decisivo. "Platão se harmonizava, perfeitamente, com a doutrina cristã, porque tanto nele quanto na Igreja, tudo procede da mesma fonte, a saber, do 'logos' divino."
-
Mas você reputa algo de divino nos Medicis, ou naqueles papas? Cesar Bórgia, por exemplo, o que tinha de divino?
Nada, nem meu pai, muito menos os Medici. Mas a versão interessa mais do que os fatos. Lembre-se que nesta época diziam para todos que éramos o centro do universo. Pronto. Ninguém questionava nada. Era tudo mansinho. Fácil de tosquear.
O nepotismo atinge grandes proporções: papas e cardeais estão interessados em garantir o futuro dos familiares. Os cardeais eram criados entre parentes, sem se olhar a idade, virtudes morais e intelectuais. Outro papa, Júlio II, tinha o apelido de Marte, vê se pode!

Era E.T.?

Nada, ao contrário. Interessava-lhe exclusivamente a Terra. Aliás, quanto mais, melhor. Devido a seus dotes guerreiros é que foi guindado a general do Vaticano, apoiado pelos Borgia, claro. Então exerceu sua vocação: comandou os exércitos de conquista de territórios para o Estado Pontifício.
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Mas o que conquistou esta fera, agora?

As regiões de Parma, Ferrara e Módena.
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Mais algum?
Leão X, também da famosa família Médici. Foi cardeal aos 13 anos, papa aos 37. Ao ser eleito, escreveu que iria aproveitar ao máximo o conforto e as possibilidades do cargo. A Cúria vivia entre caçadas, teatros e divertimento.
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Nossa, mas então nem precisava a dialética.
Ela faz parte como estratégia do plano, deveras maquiavélico. Confusão é que é bão. É o que precede qualquer ação. Justamente por ela escorrega o tonto. A dialética é instrumento para deixar todo mundo confuso. Tipo dividir tudo - corpo/alma, céu/terra, positivo/negativo, par/ímpar, divino/mundano, esquerda/direita. Tudo isso é criação do meu pai, em parceria com Pitágoras. Aprendeu o macête com Sócrates, e aprimorou. Os florentinos reaproveitaram. Até hoje tem utilidade. A armadilha é o fio estendido por onde transitam os termômetros, até os psiquiátricos. Trabalhador versus patrão, consciente/inconsciente, por exemplo. Ela é fundamental, e muito aproveitada: briga do filho com o pai, por que quer a mãe só para si... Vê se tem cabimento. Mas tudo o pessoal engole, porque muitas vezes até coincide, mesmo meio forçado. Agora tem uma nova instituição: transtorno bipolar. Quanto mais no meio estiver o loquaz, presume-se mais normalizado estará. É pela média. Para mim, mediocridade.
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Mal não há de fazer. Matar, a dialética não mata. Até ensina a raciocinar.
Letais somos nós. A dialética é apenas estratégia para o bote. É só estender a passarela, e o alvo fica delineado. Nem precisa raciocínio nenhum. É só esperar com o rifle. Existem muitas obras à respeito, mas recomendo esta, divulgada no blog: A Alienação da Dialética. Se a edição estiver esgotada, solicite download. É grátis.
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Só me responde sobre o interesse de Maquiavel, o líder que você diz ser o máximo. Além da covardia, por que mais ele precisava ser tão mirabolante?
Queria morar no Palácio, ora. Repare em suas próprias palavras (O Príncipe, cap. XXVI):
A necessidade de que me aflige me leva a publicá-lo: eu sinto que me consumo e isto não pode continuar assim sem que a longa pobreza não faça de mim um objeto de desprezo. Além disso, desejo vivamente que estes Médici decidam-se a me empregar, mesmo se eles tivessem de começar por me fazer rolar uma pedra.
Então ele veio com aquela: a Itália se mostrava "nascida para ressuscitar as coisas mortas”.
-
Uma das "coisas" mortas,
por acaso, seria seu pai?
Exatamente, mas não só ele. O "estrategista" Maquiavel veio acenando com novo Império Romano, a partir de seu centro, como Cavour e Mussolini também incorreriam. Mas Cesar Bórgia não era nenhum Augusto. Morreu miseravelmente, como de resto quase todos os adeptos. Napoleão, o próprio Duce, Hitler, Getúlio Vargas tampouco tinham a estirpe dos memoráveis romanos. E mesmo aqueles precursores, bem o sabemos, viveram sob tragédias. Foram-se de modo desprezível. Os fãs sempre esquecem o detalhe: porque a subida ao poder pelo mapa do Príncipe torna-se acessível a qualquer perna-de-pau, e o deleite prazeiroso, o incauto olvida que o diretor da peça reservou um final invariavelmente melancólico, senão trágico, ao seu astro principal, justamente para satisfação da platéia. Ela é quem lhe garante o sucesso, ora. Eu me diverti muito.
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Bem, acho que chega.
Falta completar focando os efeitos cartesianos, meus irmãos de sangue. Neles, incluiria Newton e os cavaleiros daquele reino, entre os quais o famigerado, mas coitado, Thomas Hobbes, assecla de Bacon e Descartes. Ficarão faltando os três maiores mosqueteiros da dialética: Hegel, Darwin e Marx. Ah, e ainda Freud, claro, que a usou com grande maestria. Mas esses novos demoníacos deixaremos para quando o inverno chegar.
-
Que assunto, francamente! Quando o inverno chegar, estarei em Búzios, em frente ao mar.
_______
*Oltramonti: Estrangeiros vindos do norte, dos Alpes.

Entrevista com Platinho, de Siracusa

-
Como vai teu pai?
lá, enterrado nas terras do Academus.
E tú, andando pelo mundo afora?
Sim, deixou-me incumbido de missão: espalhar a confusão ao mundo. Colocar uns contra os outros. Ainda tenho tempo.
Pôxa, que missão! Mas já tens 2500 anos de ação! É salutar dá-la por finda. Agora me diz por onde transitou.
Como quiser. Não sou grego. Sou italiano, bem do sul. Nasci quando papai servia ao glorioso Tirano de Siracusa. A cabeça-de-ponte foi perfeita para penetrarmos no coração ocidental.
Como se sucedeu a inoculação?
Pensamos que seria fácil. Não contávamos com a astúcia romana. Ficamos presos no calcanhar da bota. Tentamos a volta por cima, por Constantinopla. Eles mudaram até o nome da cidade, como vês. Então fomos descansar. Fiquei quieto por 2000 anos. Aí foram lá, destapar esse gênio aqui.
Mas quem teve a brilhante idéia? A quem poderia interessar a confusão?
O próprio pessoal do Palácio. A coisa tava feia, a guerra ameaçava se espalhar. Precisavam de muitos cálculos.
Hum!
Nem sabe. E foi um padre mesmo, um polonês, tal de Niklas Koppernigk (1473-1543), um transeunte da Polônia, que fica no caminho de Constantinopla, onde deixamos ovinhos quase primogênitos. Como Lúcifer, ele traiu sua grei. Demonstrou que não éramos o centro do Universo, como apregoavam os teólogos.
Acho que exageras. Copérnico é tido como um esclarecido entre milhões de cegos, presentes e passados. Ademais, estamos longe de Roma.
Copérnico veio por cima, para acertar embaixo.
Era um Embaixador, então?
Sim, da confusão.
E por onde andou tal efeméride?
Os registros dão conta: enquanto Cabral descobria o Brasil, ele estava em Roma.
Hum, estão ficando interessantes essas coincidências. E daí?
Copi andou por Bologna, norte de Roma em 1503. No meio-do caminho, em Florença, floresceria a Renascença. O resto conto depois.
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