quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A desestatização da natureza

O ser que já iniciou a apropriação da natureza por meio do trabalho de suas mãos, do intelecto e da fantasia, jamais deixará de fazê-lo e, após cada conquista, vislumbra já seu próximo passo.
MARX, K., posfácio à 2. edição alemã do primeiro volume de O Capital; cit. KONDER, L.: 10
A faina de "dominar a natureza", do "mundo colocado em nossos pés", como apregoavam BACON e as chamadas Escrituras, agravam o penoso caminho da civilização ocidental.
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios.
GLEISER, MARCELO, A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
Na ausência de Deus, coube ao delegado celestial tudo organizar.
“A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (BODIN, Jehan, cit. CHEVALLIER, Jean Jacques: 56)
Houve pequeno câmbio, é verdade: não mais Ele designa a ascendência, mas sua Voz, a Vox Populi é que ora se faz eleitora da "divindade" irremovível, e por ela os sinos dobram.
As "filosofias metafísicas" forneceram respostas para o problema da ordem cósmica e, por consequência, da organização social, assim lavrando as justificativas de poder e domínio sobre tudo, inclusive e especialmente sobre o povo.
As teorias de Newton lançaram-nos em um curso que desembocou no materialismo que ora domina a cultura ocidental. Esta visão realista materialista do mundo exilou-nos do mundo encantado em que vivíamos no passado e condenou-nos a um mundo alienígena.
BERMAN, MORRIS, cit. GOSWAMI: 31
Embora a mágica de esporádicos trechos incólumes, o retilíneo, desrespeitoso e por tudo grosseiro caminho da má temática de Platão & Pitágoras passou por cima de tudo. Os incontáveis retransmissores se encarregaram de afiarem cada vez mais os instrumentos ideológicos greco-romanos. Sempre calcados na pretensa ciência exata, isto é, no infalível esmerilho geométrico, "sob a proteção divina" do maior matemático, o grande Arquiteto do Universo, os arautos visavam promover as operações que lhes eram úteis. O carma assim reforçado vem devastando tudo, abalando todos os sistemas, sejam vegetais, minerais ou animais, políticos, jurídicos, econômicos, científicos, filosóficos, sociais, mormente sonhos pessoais.
As aventuras “ferrocarris-ideológicas” conduziram a humanidade no rumo de Marte, digo, da morte, às covas comunitárias, massacres coletivos logrados por convocações realizadas pretensamente na defesa de ideais, mas efetivadas na mera ambição do alheio, vileza camuflada na fé quase religiosa que hábeis condutores bem sabem incutir, no fito de captar seguidores de suas doutrinas de espoliação total...C' est fini. Nem o Universo, nem o futuro, tampouco a natureza e principalmente seus atores estão à mercê. Não persiste razão para algo ser apreciado de modo estático, passivo, mero objeto de qualquer desejo infantil, ou megalomaníaco. Eis a "desestatização" de tudo:
Assim, descobriu-se recentemente que na natureza tudo está subordinado a uma ordem, até mesmo os fenômenos confusos, sem nexo, totalmente imprevisíveis... Todos esses eventos têm algo em comum: o fato de serem atraídos a certos estados da natureza, o que lhes dá unidade, se bem que disfarçada. A nova regularidade dos fenômenos deu origem a uma nova ciência, que tem o ‘caos’ como tema central e na qual, um dia, deve se enquadrar a teoria das ondas.
WITKOWSKI, Bergè: 275
Uma onda periódica é uma perturbação periódica que se move através de um meio. O meio em si não vai a canto nenhum. Os átomos individuais e as moléculas oscilam em torno das suas posições de equilíbrio, mas a posição média delas não se alteram. À medida que elas interagem com os vizinhos, elas transferem parte da sua energia para elas. Por sua vez, os átomos vizinhos transferem energia aos próximos vizinhos, em sequência. Desta maneira, a energia é transportada através do meio, sem haver transporte de qualquer matéria.
C.A. Bertulani
Sequer todo conhecimento quântico é capaz de determinar momento e localização do eletron em sua órbita atômica. Há cruel motivo: ao ser observada, a partícula "acusa o golpe", e altera sua trajetória. Os cientistas costumam afirmar que a mente promove o colapso da onda quando a energia emanada pelo intento alcança o objeto almejado. Pois se a mente tem tal capacidade, é uma conseqüência lógica cogitar que o indivíduo é competente para alterar não só sua circunstância mais premente, como até mesmo a mais remota e, por fundamento, as conjeturas que ainda não se fizeram presentes. Trata-se de uma "distribuição randômica de sentimentos e poderes".

O que governa a dinâmica da natureza, inclusive em seu aspecto mais material, na física, não é uma ordem rígida, predeterminada. Nem tampouco uma dialética entre contrários em luta, que leve a síntese, até que se produza uma nova antítese, como na visão dialética marxista rechaçada também pela genética, segundo diz MONOD. É precisamente uma interação - que já existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou LOUIS DE BROGLIE, síntese genial que tornou possível, como diz RUEFF, uma filosofia quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão também a todas as ciências humanas.
GOYTISOLO, J.M., Interações
Tal compreensão impõe a melhor convivência do habitante com o meio ambiente; e não se pode mais olvidar, por óbvia extensão, o semelhante, o principal ator do cenário. Isto condiciona, pois, o aprimoramento das relações pessoais; por conseguinte, sociais. Em outras palavras: pelo respeito e consideração ao indivíduo (só por ele), chegamos ao resultado social. Não há mais como embretá-lo em nenhum padrão, seja mais tradicional, ou de renovada metafísica. Ela não tem prefixo. Ou melhor, são incontáveis as metas, numa cifra até maior do que o número de átomos que compõem a magestosa teia universal:

A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.
FUKUYAMA, F.,
O fim da história e o último homem
A Economia tende a ser reduzida à parcialidade que merece - uma expressão numérica, e por convenção; portanto, há que ser mero instrumento complementar, e não pauta destinatória. E o Direito, explicação.

Existe uma acentuada complementariedade entre a condição de agente individual e as disposições sociais: é importante o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual. Para combater os problemas que enfrentamos, temos que considerar a liberdade individual um compromisso social. Essa é a abordagem básica que este livro procura explorar e examinar. A expansão da liberdade é vista, por essa abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente.
SEN, A. 2000:10
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A rigor, não sobra mais nenhum diapasão disponível, nenhuma cadência pela qual se conduza a sociedade sob a égide de um maestro, gurú, estadista, idealista, impostor ou debilóide.

Sem dúvida, o universo inteiro podia ser pensado como se desdobrando ou se expressando em ocorrências individuais. E dentro dessa visão global que se torna possível acomodar as sincronicidades como eventos significativos que emergem do coração da natureza.
GLEICK, JAMES, Chaos, cit. LEMKOW, ANNA,: 216
A ciência se desvencilha até mesmo de sua relação com o tempo. O passado já não condiciona o presente, que dirá o futuro; exceto para inviabilizá-los:
O princípio da casualidade, antes considerado o fundamento incontestável de toda interpretação dos fenômenos naturais, revelou-se um referencial estreito demais para abarcar as regularidades singulares que regem os processos atômicos individuais.
BOHR, N., Física atômica e conhecimento humano: 30
Orientados apenas em probabilidades, abandonamos a idéia de que a natureza exiba uma seqüência inexorável de causa e efeito. De nada tem valido a passagem dos bastões, exceto para confirmar a finitude da possibilidade estendida.
Essa nova civilização tem sua própria e distinta concepção de mundo, maneiras próprias de lidar com o tempo, o espaço, a lógica e a relação de causa e efeito.
ORMEROD, P. 1996: 194
Lá se vai a pretensiosa esperança de que conhecendo alguma origem, o estado atual e a velocidade de qualquer corpo pudéssemos dimensionar a história em qualquer tempo. Há que se desligar da Epistemologia:
“O homem que descobre uma nova verdade científica precisou, anteriormente, despedaçar em átomos tudo o que aprendera, e chega à nova verdade com as mãos sujas de sangue do massacre de mil superficialidades”. (GASSET, Ortega y Rebelião das massas, cit. ROHMANN, Cris:. 298)
No atrevimento o livre-arbítrio desfruta novo argumento:
O estudo de como surge a ordem, não em conseqüência de um decreto de cima para baixo da autoridade hierárquica, seja política ou religiosa, mas como resultado de auto-organização por parte de indivíduos descentralizados é um dos acontecimentos mais interessantes e importantes de nossa época.
FUKUYAMA, F., 2000: 18
Se os acontecimentos físicos são indeterminados, o presente depende de interpretação, e o futuro imprevisível, então é possível que aquela entidade desconhecida chamada 'espírito' possa novamente guiar o ser humano entre as infinitas incertezas deste nosso Universo tão caprichoso.
O mundo em que vivemos é dinâmico, está aberto, em transformação constante. Esta abertura é justamente onde podemos encontrar possibilidade, projeto, construção... Assim, as saídas não estão dadas, não estão definidas de antemão. É preciso inventá-las, é necessário criá-las.
GALLO, Silvio, Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte.
PRIGOGINE, I, cit. FERGUNSON, M.: 164
Eis, portanto, a inviabilidade das pretensões dos jardineiros muito além dos jardins:
A teoria do caos não só fornece uma explicação para as flutuações de uma economia de mercado, mas também demonstra que o Estado não tem o conhecimento necessário para adotar as medidas anticíclicas corretas. Na medida em que é extremamente baixa a probabilidade de se alcançar um estado final desejado em um mundo caótico, é difícil enxergar como o governo poderia especificar uma política para atingir esse objetivo, a não ser por acaso.
ROSSER, J.B. Jr., Chaos Theory and New Keynesian Economics, The Manchester School, Vol. 58, n. 3: 265-291, 1990; cit. PARKER & STACEY, : 95.
"A manutenção da organização na natureza não é - e não pode ser - realizada por uma gestão centralizada, a ordem só pode ser mantida por uma auto-organização." (BIEBRACHER, C. K., NICOLIS, G., & SCHUSTER, cits. PRIGOGINE, Y: 75)
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