sábado, 15 de agosto de 2009

A felicidade e a faina de poder


O poder de Estado, que parecia planar bem acima da sociedade, era todavia, ele próprio, o maior escândalo desta sociedade e, ao mesmo tempo, o foco de todas as corrupções. Comuna de Paris, 1871

AS ARTIMANHAS pretensamente epistemológicas do grego foram arquitetadas no fito de domínio, do exercício do poder. O poder traz alimento, e roupa, e riqueza abundante, e prole, e diversão, e tudo que a imaginação possa alcançar. O céu é o limite. Uma qualidade, todavia, nenhuma imaginação jamais logrou designar: o meio pelo qual o ser humano pode encaminhar a própria felicidade.
A razão da impossibilidade é a mais prosaica possível: a realização é tarefa exclusivamente pessoal. Se a buscarmos conforme a ideologia introjetada, a voz corrente, ainda que a todos agrade, por certo não será satisfeita. A vox populi reflete o caráter de um, em detrimento de todos. Ainda que todos a professem em coro, a felicidade, dizia, é prerrogativa individual, cujos tijolos provém de todos os recantos do cosmos, através de incontáveis vetores incidentais, não apenas de um sopro, ou ordenamento. De acordo com o EspaçoTempo em que se vive, sim, mas também influenciada por circunstâncias e elementos não-locais, desses alojados não só no passado, como até no futuro, elementos que nenhuma mente comporta; mas todas sentem. Essas intersecções atômicas não são passíveis de serem dimensionadas, contabilizadas, medidas, sequer identificadas.
Todo corpo reage a tudo que acontece no universo, de tal sorte que, se alguém pudesse perceber tudo, poderia ler em cada coisa o que está acontecendo em toda parte, e até mesmo o que já aconteceu e o que acontecerá; mas uma alma só consegue compreender dela mesma o que aí se acha representado distintamente. Não pode, de uma vez, explorar todos os seus recônditos, porque eles se estendem ao infinito.
LEIBNIZ, cit. IRA, P.,
Sincronicidade e destino humano: 66
A sensação de felicidade, a rigor, não é racional, e sim espiritual. Portanto, não se trata de poder, mas de usufruto. O que o Estado melhor pode fazer é permitir, e não tolher que isso aconteça.
Sem dúvida, o universo inteiro podia ser pensado como se desdobrando ou se expressando em ocorrências individuais. E dentro dessa visão global que se torna possível acomodar as sincronicidades como eventos significativos que emergem do coração da natureza.
GLEICK, JAMES, Chaos, cit. LEMKOW, ANNA,: 216
Não há uma flecha do tempo, mas uma infinidade de vetores, em múltiplas direções.
"Cada forma de vida inventa seu mundo (do micróbio à árvore, da abelha ao elefante, da ostra à ave migratória) e, com esse mundo, um espaço e um tempo específico." (LÈVY, Pierre, cit. PELLANDA e PELLANDA: 118)

Juventude transviada
Os mapas de Platão, contudo, visam a totalidade orgânica, e por isso o ideal é padrão:
A política é a arte de unificar e organizar as ações humanas edirigi-las para um fim comum. Assim, o paralelo platônico entre a alma individual e a alma do Estado não é, de maneira alguma, uma mera figura de retórica ou simples analogia. É a expressão da tendência fundamental de Platão: a tendência para unificar o disperso, para trazer o caos de nossas mentes, dos nossos desejos e paixões, e da nossa vida política e social para um cosmos, para a ordem e harmonia... A teoria platônica do Estado legal tornou-se um patrimônio eterno da cultura humana.
CASSIRER, E.: 102
O insólito: o único fim comum jaz a sete-palmos de fundura!
O moral até sofreu alguma variação desde a era greco-romana, uma era de exploração desmedida, cujas maiores vítimas foram os escravos e as mulheres. Infelizmente a modernização ficou apenas neste ítem, e ainda assim demorou mais de dois mil anos para o ocidente adotá-la.
O que permanece impregnado são todas as outras ficções, seus principais artifícios - o incentivo às disputas, sejam esportivas ou bélicas; a invocação do extra-terreno, para que interceda às conquistas; o enaltecimento da justiça, para que o governante a ministre; os louros aos que trilham às conquistas; e o conhecimento necessário para cumprir essas realizações.
O Estado, totalmente na sua génese, essencialmente e quase completamente durante os primeiros estádios da sua existência, é uma instituição social, levada a efeito por um grupo vitorioso de homens sobre um grupo derrotado, com o único propósito de regular o domínio do grupo vitorioso sobre o vencido, defendendo-se da revolta interna e dos ataques do exterior. Teleologicamente, este domínio não seguia outro objectivo que não fosse a exploração económica dos vencidos pelos vencedores.
OPPENHEIMER, Franz (1861-1943), cit. www.farolpolitico.blogspot.com
Milhares de líderes foram cobertos por esta escola; e em princípios até lograram êxito em implementar tais estratégias, com isso ratificando a correção das metomínias junto aos povos que iam se sucedendo. Antes, porém o estilo ainda agradou centenas de intelectuais, que funcionaram como retransmissores das perfídias, cada qual lhe adornando com as penas que melhor se adequavam aos seus coloridos. Ensinaram-nos todos os cálculos.
A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento.
FEYERABEND, P., 1991: 13
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas.
GALILEU
E lá nos fomos, cada vez mais bestializados:
A filosofia mecânica forneceu uma resposta para o problema da ordem cósmica e, portanto, da ordem social, mas ao fazê-lo indicou a necessidade de poder e domínio sobre a natureza.
HENRY, JOHN
: 101
Todas as equações reunidas não são fortes ao conforto.
“O ser que já iniciou a apropriação da natureza por meio do trabalho de suas mãos, do intelecto e da fantasia, jamais deixará de fazê-lo e, após cada conquista, vislumbra já seu próximo passo.” (MARX, KARL, posfácio à segunda edição alemã do primeiro volume de O Capital; cit. Konder, L.: 10)
“O desencanto do mundo e o progresso da ciência calculista, levando à perda total não somente do mistério, mas do desejo de revelar o mistério, provocaram o irracionalismo da dominação.” (HAGUETTE, T. M. F. org., HAGUETTE, A. , BRUHL, D., OLIVEIRA, M. A., DEMO, P., Dialética Hoje: 26)
Imputou-se a insatisfação ao direito divino dos reis e assim o poder passou das mãos religiosas para civis, depois às militares, e ultimamente aos vigaristas de toda a espécie. A causa da infelicidade foi imputada ao macaco. Em seguida, aos burgueses; na sequência, aos comunistas. Finalmente, aos terroristas. Descobriu-se o subconsciente: o culpado era o pai.
O superego é um juiz malévolo, como seu inconsciente é um carcereiro obtuso: velando sempre tão zelosamente sobre seu segredo, ele acaba por designar o local onde se esconde. Sob o pretexto de liberar os complexos, as pessoas se enredam cada vez mais nos assuntos sociais, familiares.
BACHELARD, GASTON, cit. QUILLET, PIERRE: 61
Esses julgamentos, em lugar de compreensão, deve-se ao padrão introjetado.
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De fato, foi o cristianismo quem incitou o indivíduo a constituir-se em juiz de todas as coisas. A mania de grandeza converte-se em quase um dever.
NIETZSCHE, F., Vontade de Potência, Parte 2: 20
Esses bem-educados presumem que todos devam agir de acordo, porque todos somos iguais perante a lei, todos somos filhos de Deus, compomos uma Nação, queremos sexo, e necessitamos das mesmas coisas à sobrevivência - saúde, segurança, educação, transportes, casa própria, alimento barato, salário digno - essas cositas a cada eleição prometidas por nossos intérpretes.
É o Estado quem deve educar os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso.

MOURA, G. de Almeida, O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro. - www.ebooksbrasil.org/eLibris/fascismoi
Então só podemos pensar todos iguais. Quase.
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Poderíamos obter, como tentado por PLATÃO, e seus clones mais ou menos fiéis - MAQUIAVEL, DESCARTES, HOBBES, ROUSSEAU, SAINT-SIMON, COMTE, HEGEL, MARX, FICHTE, KANT, SAVIGNY, AUSTIN, SOREL, e por último até por KELSEN, uma teoria de justiça terrena, lastreada more científico? Dificilmente, ainda assim:
A idéia de que a política é por um lado uma luta, um combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento essencial de nossa teoria de sociologia política.
DUVERGER, M.
Vencedores utilizam a política em proveito próprio, para realizar uma ordem social? Que bela ordem não se faz. Que justiça pode do egoísmo advir? Sorry. Divirjo do grande Duverger, exceto se pretendeu ser irônico. Mas os "justiceiros" de fato estão sempre prestes em apontar a razão do sabre. Ora, a causa é econômica, de novo, graças aos neoliberais, e até aos chineses, esses malvados que querem se adonar do mundo. Tirante esses, para mim imbatíveis porque não estão à competição, a civilização venceu todas as etapas. Todas as vitórias, contudo, sem nenhuma exceção, foram de Pirro. Nenhum povo logra sequer triscar nem a justiça, tampouco a felicidade. A primeira é uma ficção, um artifício criado pelo grego, como todos, para exercer o poder sobre qualquer incauto. E a felicidade não é popular. Depende do todo, mas sua calibragem é de ordem individual, não mandamental. Por isso o direito deve pertencer à própria personalidade. Este fundamento precede todos os outros, e independe de justiça. É uma questão ética, não dialética; por isso, nunca jurídica. Conservar e desenvolver a personalidade constitui-se em direito universal, e sequer necessita código. É a velha condição si nem qua non à meta da felicidade.
Por outro lado, não são insígneas que garantem a honra, ou estabelecem a glória; elas são apenas simbolismos a tentar preencher a falta de uma eloquência natural.
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