terça-feira, 4 de agosto de 2009

Da possibilidade de um Direito Quântico


O homem necessita um direito dinâmico, um direito plástico e em movimento, capaz de acompanhar a história em sua metamorfose. José Ortega Y Gasset, Rebelião das Massas
O Direito Objetivo é um Direito artificial. É um Direito que não exprime a realidade biótica da sociedade. É um Direito corrompido e corruptor. Ele forçará o surgimento de interações humanas à margem do campo de sua competência. Grande parte da vida social se processará fora de seus domínios. TELLES JR., Goffredo, O Direito Quântico: 280
O notável catedrático partiu recentemente. Legou a marca de seu pioneirismo, da inovação. Filho da geração determinista, mecanicista, da época dos ditadores, e integrante de quadro a priori conservador, não deve ter sido fácil ao dedicado mestre compor e propor o inédito tema, ainda mais considerando seu tradicional reduto acadêmico, dialético par excellence, somado à natural aversão dos letrados com a física, esta erroneamente considerada como "ciência exata".
Na época de minhas investigações, a única e pequena edição da Max Limonade se esgotara. Tomei contato através de alguma biblioteca. O mestre  nascido quando a quântica ainda era uma incógnita, um desafio científico (1915), e  falecido  recentemente (2009), adequa-se à mais tradicional escola do Direito Natural,  pauta que orientou a Idade Média, mola da Revolução Gloriosa, mas latente por séculos, apenas revigorada depois de cumpridas aas dantescas performances de fascistas e comunistas, e seus desdobramentos, mais ou menos fiéis.
A superioridade do jusnaturalismo medieval sobre o moderno consiste em que ele nunca teve a pretensão de elaborar um sistema completo de prescrições, deduzidas, more geométrico, de uma natureza humana abstrata e definida de forma permanente. Se é verdade que a função constante do direito natural sempre foi impor limites ao poder do Estado, é também verdade que a concepção medieval preenchia essa função atribuindo ao soberano o dever de não transgredir as leis naturais. BOBBIO, N., Locke e o Direito Natural: 47
Gesetz ist Gesetz: a lei deve ser obedecida em si mesma pelo fato de que é uma lei, independentemente de qualquer consideração de valor. A inobservância do Direito Natural, o desprezo pela razão metahistórica caracterizam os Estados totalitários.
Depois de demonstrar o caráter ideológico das formulações positivistas, o professor GOFFREDO se dedicou a gastar boa parte de seu trabalho explicando a coerência e a possibilidade da Teoria Quântica vir a ser adotada também no controverso estádio do Direito, mas não notei delineado um modus operandi do aparelho, posto prerrogativa dos Tres Poderes.  O tripé brasileiro não tem nem noção do que seja Direito, que dirá Direito Quântico.
Acho que posso afirmar com segurança
que ninguém entende a mecânica quântica.
RICHARD FEYNMAN, Prêmio Nobel de 1965
pelo desenvolvimento da eletrodinâmica quântica
O mestre paulista aventa a hipótese de sua aplicação na regulação da sociedade e resolução dos conflitos, pelo menos de modo parcial, exceto na função jurisdicional, quando adverte para a necessidade de se observar os princípios na formação biológica do ser humano. Sem querer me exceder, diria que seu trabalho tem cunhagem heurística, e por certo seria complementado, se houvesse maior interesse da platéia.
O salto conceitual que o físico alemão Max Planck deu em 1900, engendrando a base da mecânica quântica, reformulou de tal maneira a visão do mundo que, ao menos um historiador da ciência, não teria razões para supor que seu impacto já tivesse sido todo absorvido. CAPOZOLI, Ulisses, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC)
É verdade que desde 1915 a compreensão da relatividade geral foi vastamente aprimorada, nossa confiança na teoria cresceu e não foram encontradas limitações confirmadas sobre sua validade. Contudo, ninguém hoje afirmaria ter um domínio total do rico conteúdo da relatividade geral. O mesmo vale para as respostas a problemas filosóficos levantados pela teoria totalmente ao nosso alcance hoje. Segundo meus conhecimentos, os escritos filosóficos sobre esse assunto foram um tanto limitados, sem dúvida principalmente porque a matemática envolvida é bastante complicada. PAIS, A. Einstein viveu aqui : 150
A Física Quântica trouxe no mínimo três conceitos revolucionários: movimento descontínuo, interconectividade não-localizada e, finalmente, somando-se ao conceito de causalidade ascendente da ciência newtoniana normal, o conceito de causalidade descendente. Há, contudo, uma peculiaridade que a rigor inviabilizaria sua aplicação no âmbito do Direito, da Justiça - seu caráter integrativo, ético, não dialético:
O ser humano é parte do todo, chamado Universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experimenta seus pensamentos e sentimentos como algo separado do restante - numa espécie de ilusão ótica de sua consciência. Essa ilusão é uma espécie de prisão para nós, e nos restringe às nossas decisões pessoais e aos afetos por algumas pessoas mais próximas de nós. EINSTEIN, Albert, cit. LASZLO, Ervin, A Ciência e o Campo Akáshico: 56
Ademais, considerada as circunstâncias sob ótica científica, holística, qualquer julgamento expressa incorreção, porquanto necessariamente  fruto de um apanhado restrito par excellence. .
Se todas as partes do universo são solidárias numa certa medida, um fenômeno qualquer não será o efeito de uma causa única, mas a resultante de causas infinitamente numerosas; ele é, como se diz com freqüência, a conseqüência do estado do universo um momento antes. POINCARÉ, H. 36
São bilhões e bilhões de vetores que incidem e conjugam qualquer ato ou pensamento. Impossível calculá-los, como de resto tudo o mais. No homem, ainda reside outros bilhões provocados pelo próprio homem. "Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão 'poliocular'." (MORIN, Edgar, Contrabandista dos saberes, cit. PESSIS-PASTERNAK: 86)
Que tesultado produzirá a tradicional balança senão que parcial, e por isso, necessariamente equivocado?
O campo da inteligência consciente é o manancial do cosmo.
CHOPRA, Deepak, A realização espontânea do desejo: 131
Não é o confronto de forças que nos garante no firmamento. O Espaço não comprime, não atrai os corpos, e tampouco rechaça; ao contrário, ele simplesmente nos acolhe.
É precisamente uma interação - que já existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou LOUIS DE BROGLIE, síntese genial que tornou possível, como diz RUEFF, uma filosofia quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão também a todas as ciências humanas.GOYTISOLO, Juan Vallet de
Apanho a tocha."Não um único ideal para todos os homens, mas um ideal diferente para cada homem é o que deve ser alcançado, se possível." (RUSSELL, B., Ideais Políticos: 10)
Por certo não faltará a acusação de utopia. Neste caso, não fugirá à regra primeira do zenith platônico:
Mas desde o momento em que o Estado – conforme HEGEL – assume a realidade do direito como desenvolvimento de uma pura idéia, pretensamente moral, em pleno voluntarismo jurídico, a tarefa de legislar tende a converter-se num facere. Trata-se de um fazer mediante o qual sua vontade trata de levar à prática a construção de uma sociedade nova, por um método que combina o idealismo, que lhe ministra o modelo, e o empirismo, com o qual trata de construí-lo. Assim ficam abertas as portas a todo o intento de realizar científicamente qualquer tipo de utopia. GOYTISOLO, J. V.: 15
A beleza da "sociedade nova", o magnífico idealismo do Estado chegou ao ápice por duas locomotivas - a soviética, e a nazista. Chocaram-se de frente.
Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade.  JAPIASSÚ, H. :10

Todo homem possui sua finalidade particular, de modo que mil direções correm, umas ao lado das outras, em linhas curvas e retas; elas se entrecruzam, se favorecem ou se entravam, avançam ou recuam e assumem desse modo, umas com relação às outras, o caráter do acaso, tornando assim impossível, abstração feita das influências dos fenômenos da natureza, a demonstração de uma finalidade decisiva que abrangeria nos acontecimentos a humanidade inteira. NIETZSCHE, F., Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 74
Muitas características da quântica poderiam ser desenvolvidas pélo Direito; certamente com as mesmas vantagens que tem proporcionado à tecnologia. O script, todavia, exige nos despirmos dos conceitos introjetados a long time a go., O princípio da incerteza, a possibilidade do objeto estar aqui e acolá ao mesmo tempo, o efeito nuclear, como integrá-los em composições jurídicas?  O desafio está aí, para nossos mais ousados e criativos formuladores.
Penso que o Direito não se permite Porta-Bandeira. Mas a Economia, sim. A experiência de uma Economia Quântica não é só possível, como urge. E depois do paulatino êxito, na certeza da experiência, automaticamente ele tornará o sistema natural que o regula, consagrando-lhe através de um Direito Quântico, aí sim, já passadas duas décadas desta nossa aventura. Ou seja: O Direito Quântico é,  sine quà no, produto, fruto do melhor Direito Natural.

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