sábado, 22 de agosto de 2009

A estreiteza da ciência política

Na verdade, a política não mudou desde a sua invenção pelos gregos. GALSTON, Willian, Brookings Institution, e ex-assessor da Casa Branca.
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país. TOYNBEE, Arnold J., Estudos de História Contemporânea -A civilização posta a prova: 196.
Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela sua relação com aquele filósofo. JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Trad: Arthur M. Parreira. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003: 581
A Revolução Gloriosa, levado à cabo há exatos 320 anos, justamente pelos ancestrais do Brookings Institution, bem que alargaram os horizontes.
Locke e Shaftesbury consideravam o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
BRETT: 109
O mundo, todavia, segue a cruxis traçada pelo secretário do Tirano de Siracusa.
Não se trata aqui de fazer uma apologia do mundo greco-romano, de demonstrar como eram 'felizes', como este espaço comunitário proporcionava um ambiente agradável para um convívio deleitoso e harmonioso – o que, de resto, é bem pouco provável – mas sim de revelar que a existência mesma da polis está estruturada sobre um ethos e que este remete, esquematicamente, ao conceito de virtude o qual objetiva proporcionar aquilo que, de Platão a Aristóteles, foi designado por vida boa.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5680
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções.
MISES, Ludwig von,
Uma crítica ao intervencionismo: 41
O que a ciência faz é precisamente mascarar, por detrás da racionalidade, sua função ideológica de justificar o poder, deformar o irracionalismo das relações humanas e dissimular a heteronomia dessas mesmas relações. A racionalidade, como ideologia, ocasiona uma cegueira parcial da inteligência humana, entorpecida pela propaganda dos que a forjam.
COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 340
Desnecessário elencar os consideráveis avanços em todas as ciências, inclusive as chamadas humanas; exceto a política.
Hobbes, que havia freqüentado assiduamente a corte fazendo-se passar por matemático (mesmo que pouco soubesse dessa disciplina) se desgostou ali, regressou à Inglaterra nos tempos de Cromwell e publicou uma obra muito malvada, de título muito raro: The Leviathan. Sua tese principal era de que todos os homens atuam devido a uma necessidade absoluta, tese apoiada, aparentemente, pela doutrina dos decretos absolutos, doutrina de geral aceitação nesses tempos. Sustentava que o interesse e o mêdo eram os princípios fundamentais da sociedade.
BRETT, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 14
Por paradoxo, o maior terrorista é o próprio Leviathan. O monstro é perigoso; e anda armado.
A ciência é um fenómeno social e, como tal, é delimitada pelos benefícios e malefícios que possa causar. Com o slogan de ciência objectiva, o professorado apenas se queria libertar da indispensável supervisão do estado. Aquilo que se chama crise da ciência não é mais do que esses senhores estarem a começar a ver por si mesmos o caminho errado a que foram conduzidos pela sua objectividade e pela sua autonomia. HITLER, Adolf, cit. HOLTON, Gerald, A cultura científica e seus inimigos. Lisboa: 
Mas por qual Minerva devemos nos resignar, seguindo o trilho desses habitantes de cavernas? Sofremos das mesmas moléstias, vontade de domínio,  receios de invasões, temos as mesmas vicissitudes, em que pese milênios de lutas? Até hoje a civilização não é civilizada?
A humanidade em geral sente-se inclinada a pôr os pés sobre as pegadas e imitar as ações dos outros. Um homem inteligente deve sempre seguir no rastro desses ilustres personagens cujas ações são dignas de serem imitadas: assim, se não puder igualá-las, pelo menos, em certa medida, assemelhar-se-á a elas. MAQUIAVEL, N., O Príncipe
Ah tá. Logo este. De fato, existem alguns aspectos inarredáveis que parecem assim indicar. Como os primatas, dependemos de teto, alimento, saúde, diversão, e amor. Exceto a do meio, a diferença é que as carências podem ser sanadas à força, como no caso espartano, e dos impérios romano, napoleônico, prussiano, fascista, e comunista; mas também pode ser apenas semeado e usufruído, como foram os exemplos de inúmeras civilizações que não constam do rol greco-romano. Não obstante, todas as concepções pretensamente científicas elaboradas por nossa civilização partem da poluída cabeceira, seguem seu córrego, e não admitem a inferência nem de outras experiências, muito mais exitosas, e menos danosas, muito menos a incidência de outra hipótese ainda não testada.
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruísta-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico. RAND, A.: 118.
A mais completa falta de imaginação também assola os pesquisadores, e só posso reputar a impressionante lacuna ao egoísmo desmedido, o mesmo que os congrega aos encarregados das batutas sociais.
A idéia de que a política é por um lado uma luta, um combate entre indivíduos e grupos, pela conquista de um poder que os vencedores utilizam em proveito próprio e em detrimento dos vencidos e, por outro lado, ao mesmo tempo, um esforço no sentido de realizar uma ordem social em proveito de todos, é o fundamento essencial de nossa teoria de sociologia política. DUVERGER, Maurice, Sociologia Política: 27
A ciência política estuda o Estado e as suas relações com os grupos humanos. Estuda, ainda, os agentes políticos internos que lutam pela conquista, aquisição e pelo exercício do poder, ou pelo menos de influenciá-lo, visando a satisfação dos seus interesses. Estuda, também, os agentes políticos internacionais que influenciam ou tentam influenciar o comportamento dos órgãos que no quadro de uma sociedade nacional exercem o poder político máximo. Wikipédia
NORBERTO BOBBIO (Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos: 252) bem dimensiona a restrita, a mesquinha ambição:
"O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender."

Isso nada tem de Ciência Política, mas de técnica de tomada e exercício de poder. Trata-se mais de um método de medição de forças do que de apuração, ou depuração. E não requer prática, nem habilidade - apenas aparato, seja bélico, ou financeiro.
Os cientistas políticos geralmente dão a impressão de estarem inclinados a considerar a política como uma espécie de técnica, comparável à engenharia, digamos, envolvendo a idéia de que as pessoas deveria ser tratadas pelos cientistas políticos mais ou menos da mesma forma com que os engenheiros lidam com máquinas e fábricas. LEONI, Bruno, A Liberdade e a Lei: 19.
Para o espanto até mesmo de um WEBER, os americanos gozavam de melhor sorte:

Para um espírito germânico acostumado a supor que a liberdade dependia do exercício do poder do Estado, os Estados Unidos da América, ao contrário, tinham uma mentalidade política segundo a qual a liberdade dependia de uma fuga do poder. DIGGINS: 40
Pois assim como os gregos distinguiram a episteme da tecnê, o conhecimento da prática, a ciência política jamais deveria se ocupar do exercício do poder. Ora, até pela etimologia, cabe-lhe solucionar a polis, o meio social, e não a forma, ou a estratégia de condução, ainda mais pela impressionante sequência de desmandos provocados pelo misto de ignorância e má-fé. Em nosso XXI, o século da maioridade, podemos divisar os grandes equívocos cometidos pela infância, adolescência, e até recentemente. "A história das ciências emergirá então como a mais reversível de todas as histórias. Ao descobrir o verdadeiro, o homem de ciência barra a passagem de um irracional." (BACHELARD, Gaston, cit. QUILLET, Pierre, Introdução ao Pensamento de Bachelard: 45)
O Estado de bem-estar era um ardil político: uma criação artificial do Estado, pelo Estado, para o Estado e seus funcionários. É um eco irônico da democracia de Lincoln de, por e para ‘o povo’. Quando seus bem escondidos, porém crescentes, excessos e abusos no governo central e local foram revelados recentemente, havia se passado um século de defesa falaciosa. SELDON: 60
"As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam." (FUKUYAMA, F., 2002: 205)
A primeira tarefa da Ciência Política, pois, deve ser a mais frenética busca pela reversão dessa armadilha, em troca de um amplo esteio que melhor enseje o desenvolvimento do ser humano. "Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum." (Kraemer, E., La grand mutation cit. Goytisolo: 69), Mais do que nunca, faz-se oportuno o alerta de NIETZSCHE (Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 45): "Para poder viver, o homem deve possuir a força de romper um passado e de aniquilá-lo e é necessário que empregue essa força de tempos em tempos."
O estudo de como surge a ordem, não em conseqüência de um decreto de cima para baixo da autoridade hierárquica, seja política ou religiosa, mas como resultado de auto-organização por parte de indivíduos descentralizados é um dos acontecimentos mais interessantes e importantes de nossa época. KELSEN, H., A democracia: 140.

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