segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A sub-missão do Estado de Direito


O antigo direito não é obra do legislador; o direito, pelo contrário, impõe-se ao legislador. COULANGES, Fustel: 100


Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade; pode-se temer que o monarca ou o senado promulguem leis tirânicas, para aplicá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legislativo e do executivo. MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis, Livro XIX.

Os antigos governantes se preocupavam apenas em manter a harmonia das relações sociais.
Os reis não tinham precisão da força material; não tinham exército nem finanças, mas a sua autoridade, sustentada por crenças possantes e cultivadas no comando da alma, mantinha-se santa e inviolável. COULANGES, F., A Cidade Antiga, p. 219
O Renascimento despertou a ambição. "Pouco a pouco, os soberanos compreenderam que a justiça podia ser também pretexto para a extensão de seu poder e a afirmação de sua autoridade." (BOBBIO, N. e VIROLLI, M.: 130)  MARX demonstrou que o intento era apenas manter privilégios econômicos, e assim a massa foi convocada para escolher quem se dispusesse mudar o costume.
Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário. RUDE, George: 196
Para RENÈ KONIG (Soziologie heute, cit. GOLDMAN, L., Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia: 40), professor das Universidades de Zurique e Colônia, isso nada mais era do que “elemento do processo de autodomesticação social da humanidade”.
Nas décadas de 1830 e 1840, certos parlamentares da aristocracia e da classe média britânica tomaram a seu cargo a articulação de interesses das classes trabalhadoras. Nesse caso, eles não estavam respondendo a pressões e demandas encaminhadas de baixo, e sim agindo como guardiães independentes e voluntários desses interesses negligenciados ou suprimidos. ALMOND & POWELL: 60.
Desde então, as leis passaram a regular todas as relações econômicas, seja de produção, as mais raras, mas principalmente da distribuição da riqueza, entendida esta como fruto do capital, não do trabalho.
Foi portanto do utilitarismo do século XIX que nasceu a idéia de que se podia subordinar a atividade do legislador a uma teoria 'científica' da justiça, definida pela maximização do prazer, a um algorritmo que daria automaticamente a solução 'correta' e que permitiria fazer a economia do político.  AUDARD, Catherine, cit. RAWLS, John, Justiça e Democracia: XXX

O Estado alemão era, evidentemente, uma burocracia. E, embora outros Estados também o fossem, a burocracia alemã entrou para a história como um exemplo, enquanto mecanismo de controle e regulação da sociedade. O povo alemão lhe dispensava um respeito e uma obediência sem paralelo no resto da Europa. Comparando-se com outros impérios, somente na Rússia se incluia uma gama tão vasta de profissões e vocações nas categorias de serviço público como a que se registrava na Alemanha da época. AMORIM: 48
FOUCAULT, (Resumo dos Cursos do Collège de France: 83) assinala a dimensão do câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
O ápice do desatino foi protagonizado na U.R.S.S., e a enormidade assustou todo o mundo. Como arrefecer o ímpeto proletário? Simples: era só colocar dinheiro no bolso da plebe. Pronto. Todos se tornariam capitalistas.
O medo atingira o povo e a liderança seria entregue àqueles que oferecessem uma saída fácil, a qualquer preço. A época estava madura para a da economia a serviço de um novo sonho americano...a solução fascista. POLANYI: 275
Até mesmo um intervencionista como GALBRAITH (1989: 197) se espantou: "O poder nos EUA foi mais concentrado do que se costuma imaginar. Quem controlava o Pentágono, a Cia, o Departamento de Estado, o Tesouro e o homem que coordena estes órgãos na Casa Branca, controlava tudo, e tudo isso o sistema controlava."
A intervenção sem precedentes do Federal Reserve (o banco central americano) pode ser justificável ou não em termos estreitos, mas revela, mais uma vez, o caráter profundamente antidemocrático das instituições capitalistas, feitas em grande medida para socializar o custo e o risco e privatizar os lucros, sem uma voz pública. CHOMSKI, Noah, do Massachusetts Institute of Technology, à BBC
Assim é que os tres poderes são reduzidos ao sabor de quem detém a chave do cofre.
Sair da armadilha de uma inflação super-indexada e, ao mesmo tempo, instituir um plano de estabilização monetária, é somente um dos exemplos clássicos da importância do economista para a sociedade. O economista calcula tudo e sua formação filosófica, ética, matemática, teórica e trans-disciplinar, o coloca em situação privilegiada entre os outros profissionais, podendo flexibilizar-se entre a consultoria e auditoria de empresas e a tecnoburocracia do setor público, podendo também se especializar em projetos de viabilidade econômico-financeira e ministrar aulas e pesquisas nas faculdades. E.Ç., Economista insubstituível, www.cofecon.org.br, 13/8/2009
O bizarro é que o regime inflacionário é criação, exclusiva, do economista endeusado.
Não deve estranhar, por outra parte, a preponderância dessa opinião confusa e ridícula sobre o direito, porque uma das máximas desditas do tempo é que, ao toparem os povos do Ocidente com os terríveis conflitos públicos do presente, se encontraram aparelhados com instrumental arcaico e ineficiente de noções sobre o que é sociedade, coletividade, indivíduo, usos, lei, justiça, revolução, etc. Boa parte da inquietação atual provém da incongruência entre a perfeição de nossas idéias sobre os fenômenos físicos e o atraso escandaloso das "ciências morais". O ministro, o professor, o físico ilustre e o novelista soem ter dessas coisas conceitos dignos de um barbeiro suburbano. Não é perfeitamente natural que seja o barbeiro suburbano quem dê a tonalidade do tempo? ORTEGA Y GASSET, Rebelião das Massas, Prefácio.:
Então apresenta-se o causador como salvador, ao malogro dos tres poderes:
A lei já não é um instrumento da justiça entendida em seu significado tradicional. É um meio dirigido à realização da concepção quantitativa da justiça que cuida de impor; um meio para transformar a sociedade conforme o modelo ideal que o legislador pretende instaurar. Aparecem assim as leis que em primeiro lugar pretendem iludir e mobilizar o povo, para que este caminhe gostosamente na direção - acertada ou não - que o governante deseja. E se a função de legislar se estima, ademais, como facere para realizar estas ilusões de transformar a sociedade ou de impor uma macro-justiça quantitativa: não resulta acaso a matematização como instrumento mais eficaz dessa pretensa macro-justiça? Mas como vimos antes, esta se realiza a custa de milhares de injustiças e da perda do sentido mesmo do justo e da virtude da justiça. TELES Jr., Goffredo, O Direito Quântico: 280
Os golpes "democráticos", na verdade econômicos, solapam o regime federativo, embrulham os poderes legislativo e judiciário; e, por conseqüência, tolhem a liberdade do cidadão.
A diferenciação teórica e prática entre democracia e autoritarismo nunca foi tão difícil de ser feita como hoje, na medida em que suas características antagônicas nem sempre se encontram separadas em regimes opostos, se não muitas vezes convivendo dentro do próprio regime democrático. Isto quer dizer que num sistema político onde seus dirigentes possuem impunidade para violarem a lei, não respeitando os direitos individuais ou das minorias, a vontade política da maioria expressada através do exercício eleitoral não pode ser considerada autenticamente democrática. O que garante a legitimidade democrática, em última instância, é o rigor do Estado de Direito. LEIS, Hector, O mandato democrático-autoritário do populismo contemporâneo. 28/1/2010
O que agora excita... é o efeito, considerado desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos Estados econômica e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Nestes últimos anos lemos não sei quantas páginas sempre mais polêmicas e sempre mais documentadas sobre a crise deste Estado capitalista mascarado que é o Estado do bem-estar, sobre a hipócrita integração que levou o movimento operário à grande máquina do Estado das multinacionais. Agora estamos tendo outras tantas páginas não menos doutas e documentadas sobre a crise deste Estado socialista igualmente mascarado que, com o pretexto de realizar a justiça social (que Hayek declarou não saber exatamente o que seja), está destruindo a liberdade individual e reduzindo o indivíduo a um infante guiado do berço à tumba pela mão de um tutor tão solícito quanto sufocante BOBBIO, Norberto, O Futuro da Democracia: 132
O indivíduo tornou-se mais consciente que nunca de sua dependência para com a sociedade. Não vive essa dependência, contudo, como uma vantagem, um vínculo orgânico, uma força protetora, mas antes como uma ameaça a seus direitos naturais, ou até a sua existência econômica. EINSTEIN, A. Escritos da Maturidade: 133

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