domingo, 17 de maio de 2009

O carma do ocidente - 34. Do taylorismo legislativo


Herdam-se as leis e os direitos em profusão,
Como uma eterna doença que segue sem parar;
Elas arrastam-se de geração a geração
E se vão suave de lugar para lugar.
Bom senso torna-se bobagem; benefício, tormento.
MEFISTÓFOLES, in GOETHE, Fausto: 65
Os sábios deverão dirigir e governar; e os ignorantes deverão segui-lo. PLATÃO, cit. WHITEHEAD, A.N.:31
O chefe deve mostrar constantemente o caminho ao povo, que não conhece sua verdadeira vontade; deve fazê-lo ver as coisas como elas são – ou como devem lhe parecer. ROUSSEAU, J. J., Contrato Social, cit. KOSELLECK, R: 142
No Congresso América 92 - Raízes e Trajetórias, a Prof. MARILENA CHAUÍ condenava a formação política de nosso continente,  porque conduzida através do fortalecimento repressivo e violento do Estado, “único sujeito histórico e político do país”. A catedrática recitou as características dos regimes despóticos que podem incidir sobre uma democracia desvirtuada - basta misturar os poderes veiculados originalmente em MONTESQUIEU,, e enfeixá-los nas mãos de um reduzido grupelho,  apto a se eternizar por arranjada “vontade geral”. 
Para Michaël Zöller, sociólogo alemão da universidade de Bayreuth, o que se chama de Estado é certamente um sistema de interesses pessoais organizados, uma Nova Classe. Como todos nós, sua ambição é aumentar a remuneração e a autoridade. Como classe, ocupam-se, pois, a desenvolver seus poderes, suas intervenções e sua parte no mercado, isto é, a apropriação pelo setor público dos recursos nacionais, operada através do imposto sobre a sociedade civil. SORMAN, G. :74
A conceituada professors formula a queixa: “Não se consegue desenvolver os ideais socialistas da justiça sócio-econômica, da liberdade e da felicidade, da cidadania participativa e da sociedade auto-organizada.” Nada é por acaso:
Logicamente predizia Adam Smith que a América Latina, em contraste com as 'colônias' da América do Norte, ia acabar na pobreza e na tirania porque sua tradição visava reconstituir a velha ordem romana, sustentada na visão mercantilista da riqueza como ouro e prata, numa economia produtiva de grandes latifúndios e na união da Igreja e do Estado. O novus ordu proposto por repudiava esses três sustentáculos do absolutismo.
O próprio libertador SIMON BOLIVAR experimentou a certeza do vaticínio:
“Não podemos governar a América. Este país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.” (cit. MINGUET, CHARLES, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986: 117; cit. GUSDORF, G.: 259)
Foi sempre mais cômodo à nossa América, dos escravos, silvícolas e bandidos extraditados, católicos espanhóis e portugueses, “copiar” os sentimentos da matriz:“O nacionalismo latino-americano é, como os cavalos e os jesuítas, ou como o Direito e o castelhano, uma importação européia.” (MENDOZA, P. A., MONTANER, C. A. & LLOSA, A. V. : 207)
Junto, veio o molde centralizador:
O monopólio, os privilégios, as restrições a livre atividade dos particulares no domínio econômico e em outros são tradições profundamente arraigadas nas sociedades de origem espanhola. Diante dessa situação, a reação espontânea de um chefe de governo, herdeiro da tradição mercantilista espanhola, será sempre a de intensificar controles, multiplicar restrições e aumentar impostos.
Idem: 126
A lei era vista como imutável porque era ancorada na natureza, assim como a vontade da comunidade: os legisladores e juristas tinham meramente que averiguar o que ela era e como aplicá-la a situações concretas. O surgimento, no final do século XVIII, do 'historicismo', que dizia que as instituições humanas estavam sempre evoluindo, mudou essa visão tradicional da lei. Passou a se reconhecer que, como tudo o que se relacionava com o ser humano era resultado da vontade, tudo o que se relacionava com o ser humano era capaz de ser alterado - e aperfeiçoado - por meio da educação e da legislação. Foi Bentham, mais do que qualquer outro pensador, que popularizou a noção de que as leis podem solucionar qualquer mal social.
PIPES, R.: 269
VON MISES (Uma crítica ao intervencionismo: 41)-conheceu a dialética de HEGEL, o mau tom de Bentham, e tantos:
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções.
Evidentemente, nada disso se conhecia, sequer se imaginava. O prego ia sem estopa mesmo, mas colava.
Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado - e, portanto, com o objetivo de limitar o poder - os direitos sociais exigem, para sua realização prática, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado.
BOBBIO, N., A Era dos Direitos: 72
Não raras vezes, eles assim se retorcem mercê de prévias cominações ideológicas, que de lógicas só portam o sufixo:
A criação de necessidades repressivas tornou-se há muito parte do trabalho socialmente necessário; necessário no sentido de que, sem ele, o modo de produção estabelecido não poderia ser mantido. Não estão em jogo problemas de psicologia nem de estética, mas a base material da dominação ideológica.
MARCUSE, apud. MAAR, 1998: 69
MAX WEBER (Ciência e Política, duas vocações: 61) é um dos dez mais proeminentes socio logos. Representa a cátedra com tanto brilhantismo que encantou primeiramente a MUSSOLINI & HITLER; posteriormente, aos planetas da Sorbonne, por todo o século do desatino:
O movimento do Estado moderno tem por ponto de partida o desejo de o príncipe expropriar os poderes 'privados' independentes que, a par do seu, detém força administrativa, isto é, todos os proprietários de meios de gestão, de recursos financeiros, de instrumentos militares e de quaisquer espécies de bens suscetíveis de utilização para fins de carácter político.
Todos países editam, em maior ou menor escala, ordenamentos promulgados por cartas magnas e legislações ordinárias, consideradas imprescindíveis. A brasileira é campeã, preferência dos amantes do poder, mas não de sua gente. Zé Carioca se equilibra no fio estendido. Não é sem razão que a imprensa norte-americana tenha tratado com descrédito e até humor a nova constituição brasileira, de 1988. Um texto constitucional que desce a níveis bem específicos e se prolonga por centenas de artigos é, na tradição americana, uma piada.. E para completá-la, diante de inevitáveis lacunas, tome mais formalismo, legalismo, também o peleguismo advindo da demagogia, dos sofismas e das palavras vãs.
A produção legislativa em 2007, excluídas as matérias orçamentárias, foi maior do que nos anos de 2005 e 2006 e rigorosamente igual à de 2003, também primeiro ano de mandato do presidente Lula: 124 leis.
www.conjur.com.br, 25/3/2008
Transformamos a sugestão da UNE no PL 5175/09, que prevê um novo marco regulatório para a educação superior. A proposta tem como princípios a universidade pública e democrática para a sociedade brasileira, sob controle nacional e estratégica para o projeto de desenvolvimento do País. No próximo dia 27, realizaremos audiência para debater com vereadores as propostas de políticas públicas para os municípios. Cabe salientar que esse debate coincide com a realização do 2º Encontro Nacional dos Vereadores, que acontecerá nos dias 27 e 29 de maio, em Brasília. Tenho como objetivo ampliar o número de comissões nas câmaras municipais e nas assembleias legislativas. Na última semana, realizamos dois eventos de grande importância: o 6º Seminário LGBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), no qual representantes de movimentos sociais cobraram a aprovação de leis favoráveis a essa parcela da população; e o 1º Seminário Nacional das Guardas Municipais, que debateu a necessidade de aprovação da PEC 534/02, que define competências e a criação de guardas municipais pelas prefeituras. Dep. Fed. WALDIR MARANHÃO (PP-MA) www2.camara.gov.br, 15/5/2009
E assim, de parcela em parcela, os bois são invernados - uns para o abate, outros para engorda. Regular comissões estaduais e municipais são prerrogativas dos estados, não da União; todavia, no horizonte já desponta a reeleição, e desse modo as lideranças regionais, os cidadãos enfim, perdem a vez. Cessa tudo quanto à musa canta quando um poder mais alto se agiganta,
Cada hóspede do Palácio conserva a armadura do antecessor; por cima, acrescenta a sua. Assim começamos com DEODORO e FLORIANO; GEGÊ incrementou. Passamos pelos generais; e estamos à mercê da tchurma das diretas já!, cujo descendente de fardado, e "dissidente" por moderno, trocou o lema positivista por outro apelativo: Avança Brasil!, especialmente sobre as parcas economias do esquálido povo, sob a égide de um congresso venal. Agora suportamos o companheiro sindicalista a afirmar que o país é de todos. Então, não é de ninguém; talvez por isso ele o pretende para si,
A subversão do Direito é quiçá o mais grave dilema da democracia; por conseguinte, da própria Justiça :
"A facilidade que se tem de mudar as leis e o excesso que se pode fazer do poder legislativo parecem-me as doenças mais perigosas a que nosso governo está exposto." (MADISON, J., Federalist, n. 62. cit. TOCQUEVILLE, A., A Democracia na América, Leis e Costumes: 237)
Dessarte o Brasil continua avançando, sobre o dorso e no bolso do cidadão. Amplia-se paulatinamente a produção de decretos, contra-decretos, medidas provisórias, todas definitivas, em desmedidas ações, atuações mantidas por omissões:
“Leis demais confundem Justiça brasileira - O País tem 16.946 leis em vigor, das quais 9.252 são ordinárias, que dizem respeito ao dia-a-dia do cidadão. Elas são distribuídas em 17 códigos.” (Folha de São Paulo, Planalto tenta mapear labirinto jurídico)
Multas, autos-de-infração, processos de toda ordem recaem sobre o povo e a produção. O Direito, outrora balizado pela natureza e pela tradição, virou objeto de esperteza e meio de pungar o cidadão. Inventa-se códigos de menor, de mulher, de consumidor, de futebol, de trabalho, de trânsito, de aviação, de comunicações, consolidações, portarias, regulamentações, pacs, pecs, proers, promer, etc., fora a esdrúxula constituição, engenharias legitimadoras de veladas intenções, as quais não requerem pudor para violar costumes, vontades, princípios éticos, jurídicos, econômicos, comerciais e filosóficos encerrados por séculos de estudos e hábito social. O que diria o grande libertador da América Latina?
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. Infelizmente essas qualidades parecem estar muito distantes de nós, na intensidade que se deseja; e, pelo contrário, estamos dominados pelos vícios que foram contraídos sob a direção de uma nação como a espanhola, que só sobreviveu em atrocidade, ambição, vingança e avidez.
SIMON BOLÍVAR, em Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul, 1815

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