terça-feira, 5 de maio de 2009

O carma ocidental - 22. A subversão educacional

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.A Universidade brasileira nasce sob estas fortíssimas influências: descompromisso elitista das 'Grandes Écoles', o reducionismo profissionalizante pragmático dos 'Land Colleges Americanos', e a departamentalização do saber de Humbolt e Descartes. Nesse ambiente cultural é formada em 1934 a primeira Universidade Brasileira, a Universidade de São Paulo, e, logo em seguida, em 1935, a Universidade do Distrito Federal. PINOTTI, JOSÉ ARISTEMO, Diretor da Divisão de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo/Hospital das Clínicas, Ex-Reitor da Unicamp. - A Universidade : do Arcaísmo à Transcendência; Folha de São Paulo, 8/2/2003: 5 ...
.Com o perdão do conceituado professor, o ambiente nada tinha de cultural:.
O país ficou entregue, como não é segredo para ninguém, a uma quadrilha de assassinos e torturadores e de gatunos profissionais, que tinham carta branca para a consumação dos crimes mais hediondos contra os adversários do regime. MUNIZ, E., cit. JORGE, FERNANDO: 7
Desde 1930 Getúlio esmagava o povo, especialmente os paulistas, dizimados na Revolução Constitucionalista de 1932. Como seu ídolo o Duce, o nanico posava de "estadista":
É o Estado quem deve educar os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso. MOURA, G. DE ALMEIDA, O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro, www.ebooksbrasil.org/eLibris/fascismoit
Em 1937, o caudilho completou o golpe, editando a famosa Polaca.
Atualmente se diz: .

O que você diria hoje do grande número de estudantes que consideram o saber como meio utilitário, como um meio de se tornarem uma engrenagem na máquina econômica e social? Os estudantes da máquina de que você fala fazem o que lhes mandam fazer. Adultos construíram essa máquina, essa ratoeira, esse labirinto. Num labirinto onde os ratos se perdem, as pessoas não dizem, ao observá-los 'os ratos estão loucos'; dizem 'construiu-se um labirinto para deixar os ratos loucos'. Em muitos países, o ensino foi construído para deixar os estudantes não muito felizes. SERRES, MICHEL, De duas coisas, a outra; cit. DERRIDA, J.: 67
A "DEPARTAMENTALIZAÇÃO DO SABER", referida pelo nobre DR. JATENE é de nosso carma.
Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva. GOLDMAN, L.:33.

Acredito, e muita gente acredita como eu, que todo o ensino de nível universitário (e se pos­sível de nível inferior) devia consistir em educar e estimular o aluno a utilizar o pensamento crítico. O cientista 'normal', descrito por Kuhn, foi mal ensinado. Foi ensinado com espírito dogmático: é uma vítima da doutrinação. Aprendeu uma técnica que se pode aplicar sem que seja preciso perguntar a razão pela qual pode ser aplicada (sobretudo na mecânica quântica). Em conseqüência disso, tornou- se o que pode ser chamado cientista aplicado, em contraposição ao que eu chamaria cientista puro. POPPER, K., A ciência normal e seus perigos.
Objetivando aplicar seus contos Platão foi quem consagrou as separações. Primeiro, cingiu o corpo da alma, e com isso nos desligou parcialmente da divindade celestial. Eis a razão primaz da religião, que significa religar: antes, mister desligar. Todavia, a propósito, acho bom esclarecer: mantendo a distância entre o ser e o divino, entre o terráqueo e o cerúleo, a religação proposta será sempre totalmente fictícia. A forja não cogitou o bizarro: se E=Mc2, a separação será tão inócua quanto infrutífera:
A ênfase excessiva na análise (na parte) conduz ao reducionismo escotomizante, enquanto a focalização unilateral na síntese conduz ao globarismo obscurecedor. Existe uma polaridade onde a totalidade é vista pelos elementos, e vice-versa, formando um círculo que determina a reciprocidade da parte e da totalidade. JASPERS, KARL Psicopatologia Geral, Ed. Atheneu, 1987, Vol I: 40
Não satisfeito, o grego impediu o acesso dos letrados à sua (in)fundada Academia. Esses eram a-lunos, o seja, sem luz. Letras conduziam às fantasias. Somente a linguagem numérica poderia encaminhar o conhecimento absoluto.
Gostamos das delimitações, das classificações, das hierarquias, das identidades claras. O essencial do esforço ocidental é afinal de contas nos traçados de fronteiras.. Trata-se sempre, para nós, de esclarecer os contornos de uma idéia, de um objeto, de um projeto, de uma ato. Nós nos esforçamos de estabilizar esses contornos e de operar escolhas. Por exemplo: entre o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o homem e a natureza, os fiéis e os infiéis. www.expressaototal.blogspot.com/2008/01/espiritualidade-asitica.html
Por fim, o ex-secretário do Tirano de Siracusa separou a Nação do Estado, colocando o último na cabeça, e os cidadãos meros intrumentos. A faina pelo poder, isto é, por um cômodo no palácio era o que mais lhe interessava. Tanto quanto seus clones, mais ou menos fiéis: S. AGOSTINHO, MAQUIAVEL, ROBESPIERRE, COPÉRNICO, GALILEU, DESCARTES, BACON, RICHELIEU, BODIN, BOUSSUET, HOBBES, MALTHUS, HEGEL, DARWIN, GOBINEAU & KEYNES.
O que estou tentando mostrar é que a ciência, por causa do seu método e de seus conceitos, projetou um universo no qual o domínio da natureza ficou ligado ao domínio do homem e que ela favoreceu esse universo – e esse traço de união tende a tornar-se fatal para esse universo e seu conjunto. MARCUSE, Herbert, Uma ciência sem domínio?; P. Seuil, 1970; cit. CHRÉTIEN: 212
Eis como nasceu a Academia, até hoje sobrevivente. Quem a controla são apenas os dois segmentos escolhidos à dedo pela artimanha platônica: o Estado, e as entidades religiosas.
Veja onde estamos metidos:
Tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo. ZOHAR, D., O Ser Quântico, Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física: 188.
O parceiro não fica para trás:
A Politécnica também produzia empresários, equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações econcessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvolver à sombra do Estado (www.anpocs.org.br)
No Congresso América 92 - Raízes e Trajetórias, a Prof. MARILENA CHAUÍ condenava a formação política de nosso continente, porque lastreada no fortalecimento repressivo e violento do Estado, “único sujeito histórico e político do país”.
Foi sempre mais cômodo ao continente dos escravos, silvícolas e bandidos extraditados, dos católicos espanhóis e portugueses, “copiar” os sentimentos da matriz:
“O nacionalismo latino-americano é, como os cavalos e os jesuítas, ou como o Direito e o castelhano, uma importação européia.” (MENDOZA, PLINIO APULEYO, MONTANERS, CARLOS ALBERTO, & VARGAS LLOSA, ALVARO: 207)
Junto, veio o molde centralizador:

O monopólio, os privilégios, as restrições a livre atividade dos particulares no domínio econômico e em outros são tradições profundamente arraigadas nas sociedades de origem espanhola. Diante dessa situação, a reação espontânea de um chefe de governo, herdeiro da tradição mercantilista espanhola, será sempre a de intensificar controles, multiplicar restrições e aumentar impostos. Idem: 126 .
Nos "labirintos" todos somos formados, digo enformados, e assim "úteis", ao gáudio dos "donos do poder", para usar a terminologia do inesquecível RAYMUNDO FAORO.
Hoje, o subdesenvolvimento pede o superpoder. Como se os Estados do Terceiro Mundo muitas vezes dilacerados por divisões étnicas ou tribais, prejudicadas pelo atraso econômico, tentassem compensar esses obstáculos através de um acréscimo de autoridade política. Como se um poder unificado e concentrado fosse melhor capacitado para impor a unidade nacional e a modernização econômica. Como se o déficit econômico pudesse ser contrabalançado por um excedente político SCHWARTZENBERG, ROGER-GÉRARD, O Estado Espetáculo: 8
.Sectarismo cientístico
A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto. PERELMAN, CHAÏM, Ética e Direito: 672
A cisão platônico-cartesiana penetrou como o mais cruel retransmissor do carma ocidental. Incontáveis microondas e governichos ávidos pela manutenção e ampliação do poder simplesmente subverteram a filosofia. O cientificismo a forjaria determinista, mecanicista, pragmática, utilitária, tecnocrata, serviçal:
"Quando a ruptura entre ciência e filosofia se tornou definitiva no final do século XVIII e começo do XIX, a ciência social se proclamou ciência, e não filosofia." (WALLERSTEIN: 191)
"A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento." (FEYRABEND, 1991: 135)
O que diria EINSTEIN (cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 271) sobre a malfadada cisão?
Não é suficiente ensinar a um homem uma especialidade. Através dela ele pode tornar-se uma espécie de máquina útil mas não uma personalidade desenvolvida harmoniosamente. A sobrecarga necessariamente leva à superficialidade.
A andróide gerou imensa prole, e não menor desgraça:
"No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais." (LEMKOW,A.: 86)
Todos os cálculos provam-se miseravelmente errados:

O racionalismo priva de energia tudo aquilo que os homens mais amam: o sonho, a fantasia, o vago, a fé, a afirmação gratuita. Acrescentemos que isso é essencialmente inumano: o racionalista persegue seu raciocínio, não se importando em saber se ofende os interesses da família, da amizade, do amor, do Estado, da sociedade, da humanidade. Na realidade, o racionalista é um monstro. A humanidade se afirma nas suas religiões mais vitais atirando-lhes na cara o seu ódio. BENDA, JULIEN, cit. BOBBIO, NORBERTO, Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea: 56.
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material. ZOHAR, D.: 191

A despeito da ausência de uma ciência do homem que coordene e ligue as ciências do homem (ou antes, a despeito da ignorância dos trabalhos realizados neste sentido) o ensino pode tentar, eficientemente, promover a convergência das ciências naturais, das ciências humanas, da cultura das humanidades e da Filosofia para a condição humana.
BAIRON, S.: 20.
O mais grave de tudo, contudo, é o seguinte: o sistema educacional ocidental, especial, exclusiva e radicalmente nos países latinos, se assenta pelas duas pernas platônicas: todos somos educados ou pelo Estado, ou pelas instituições cristãs. Os currículos obedecem os intuitos.
Mas os alunos precisam ter conhecimentos básicos em áreas como Matemática, Biologia ou Química, não?
Rubem Alves - Para quê? Para passar no vestibular? Para esquecer tudo? Quem disse que tem de aprender isso? Por que eu tenho de aprender logaritmo neperiano? Não conheço ninguém que tenha usado isso. Se por acaso eu for precisar um dia na minha vida, estudo e aprendo. Não preciso me preocupar com isso na escola. E as pessoas não se dão conta de que todo esse conteudismo é perdido. Não sobra nada. Uma amiga minha, professora de Neuroanatomia na Unicamp, dizia que os piores alunos que ela tinha eram esses que apareciam em outdoors de primeiro lugar. Porque quando ela explica anatomia, um assunto cheio de complexidades, sempre tinha um que levantava a mão e perguntava: ''Professora, qual é a resposta certa?''. Ou seja, ele não entendia que esse negócio de ter sempre uma alternativa certa não existe. No caso do médico, com um doente terminal, o que ele faz: dá morfina ou continua com a quimioterapia? Não há resposta certa. É preciso aprender isso. E essas coisas não são ensinadas. http://cucasuperlegal.blogspot.com/search/label/Rubem%20Alves

A vantagem competitiva de uma sociedade não virá da eficiência com que a escola ensina a multiplicação e tabela periódica, mas do modo como estimula a imaginação e a criatividade. EINSTEIN, A., cit. ISAACSON, W.: 26
Ora vem o pessoal do chão-de-fábrica acenar com suposta integração, e apenas na educação elementar:

O Ministério da Educação pretende acabar com a divisão por disciplinas presente no atual currículo do ensino médio, o antigo colegial. A proposta do governo é distribuir o conteúdo das atuais 12 matérias em quatro grupos mais amplos (línguas; matemática; humanas; e exatas e biológicas). Folha de São Paulo, 4/5/2009
Gostaria de saber o que vão ensinar de exato.
Conserva-se, pois, e até se amplia, a primária separação.
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