sexta-feira, 22 de maio de 2009

O carma ocidental - 37. Racismo

Aí está a fera que, com sua afiada cauda, trespassa as montanhas e derruba as muralhas e as armas; aí está a que corrompe o mundo inteiro. ALIGHIERI, Dante, A divina comédia: 63
Hegel vê em Platão uma dialética positivo-especulativa, uma dialética tal que não conhece contradições objetivas somente por abolir sua pressuposição, mas que compreende ademais a contradição antitética do ser e do não-ser, da diferença e da indiferença. Para esta interpretação da dialética platônica Hegel se inspira, sobretudo, no Parmênides de Platão. GADAMER, HANS GEORGE, in LUFT, E.: 64
PLATÃO apresentara a doutrina órfica, de aplicação cristã, consubstanciada com as elucubrações matemáticas, essas também justificantes do Estado frente ao irrisório cidadão. Tudo procedia do 'logos' divino", forte para varar os séculos: "Não é frequente o caso em que a manipulação ideológica da religião com fins políticos é o catalisador real de tensões e divisões e, às vezes, da violência na sociedade?" (PAPA BENTO XVI, Folha de São Paulo, 9/5/2009.) "O papa - de origem alemã- não esconde sua participação, na Juventude Hitlerista, a organização paramilitar mantida pelo nazismo." (Idem, 11/5/2009)
As idéias corporativas tiveram grande aceitação: receberam apoio da Encíclica Papal Quadragésimo Anno, de 1931, influenciaram decisivamente a doutrina do partido nazista alemão e de inúmeros outros movimentos fascistas em diversos países. No Brasil, foi notória a sua influência na década de 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas. STEWART JR., DONALD, O Que é Liberalismo: 24
GAETAN PIROU (Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, : 280, cit. HUGON, P., História das Idéias Econômicas: 352) tentou explicar: “O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”. Contudo, arrisco: o apoio e a ascenção nazi-fascista e o massacre semita não aconteceram por mera antipatia, receio, ideologia, filosofia, ciência ou seja-lá-por-que-for; muito menos para exterminar raças impuras. Isso era para inglês ver. O que estava por trás da infantil e recíproca justificativa, era a expropriação da enorme quantidade de ouro que a comunidade hebraica vinha acumulando nos cofres germânicos, especialmente a montanha contrabandeada da Rússia tornada Soviética. Alhures, do mesmo modo.
A conquista da terra, que quer dizer sobretudo tomá-la daqueles que têm compleição diferente ou narizes ligeiramente mais achatados que os nossos, não é uma coisa bonita, quando se olha demais para ela. O que redime é apenas uma idéia. Uma idéia por trás dela; não um pretexto sentimental, mas uma idéia; e uma abnegada fé na idéia - uma coisa que podemos instalar, diante da qual podemos curvar-nos e para a qual podemos oferecer sacrifícios. CONRAD, JOSEPH, Heart of darkness
"As Cruzadas não diziam respeito apenas à libertação do Santo Sepulcro, mas antes a saber qual dos dois venceria na terra." (SAID: 180) A cobiça pelo alheio não era prerrogativa da super-raça, senão que comum a todos esparta-romanos, a começar pelos mais distantes, os próprios ingleses: "A Inglaterra tem uma dupla missão na Índia: uma destrutiva, outra regeneradora - a aniquilação da sociedade asiática e a instalação das fundações materiais da sociedade ocidental na Ásia." (MARX, K., Surveys from exile; cit. SAID, EDWARD, Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente: 162)
A França não poderia ficar atrás da rival. Depois de NAPOLEÃO quedara recolhida, mas a Guerra Franco-Prussiana, de 1870, legara um rastro de miséria e desolação.
Esta porfia propriciou as mais graves conseqüências, assim apanhadas por EINSTEIN (New York Times, 23/6/1946; cit. PAIS, ABRAHAM, Einstein viveu aqui: 276): “Se a Alemanha não tivesse sido vitoriosa em 1870, que tragédia para a raça humana teria sido evitada!”
Pagariam o pato as raças mais subdesenvolvidas, fossem da Ásia e da África. E lá se foi a Conchinchina, transformada em Índia Francesa, depois a Argélia, e sei-lá mais quantos estádios. "A teoria racial, estimulada por um nacionalismo emergente e por crescente imperialismo, apoiada por uma ciência incompleta e mal assimilada, era praticamente incontestada." (TRILLING, L., cit. idem: 238)
O geógrafo LA RONCIÈRE LE NOURY, (idem: 225) prognosticava: "O poder de expansão das raças ocidentais, as suas causas superiores, os seus elementos e suas influências sobre os destinos humanos serão um belo tema para os historiadores do futuro."
Ao cabo da I Grande Guerra, a Europa subjugara aproximadamente 3/4 do globo.
* * *
A "razão científica" dessas brilhantes representações mentais, e consequentes devastações, é a mesma de sempre: a dialética: "Assim Platão constantemente estabelece o contraste nos seus diálogos.” (DEWEY, J.: 43) Ela provém de ratio, dividir. Rateio, o racionalismo desse modo arranjado afasta a menor possibilidade de aproximação ao conhecimento:
A viciosidade peculiar do racionalismo é que ele destrói o próprio conhecimento que possivelmente viria salvá-lo de si próprio, ou seja, o conhecimento concreto ou tradicional. O racionalismo serve apenas para aprofundar a inexperiência a partir do qual ele foi originalmente gerado.
FRANCO, P., cit. GIDDENS, A.: 39.
Feita a lastimável operação, basta jogar os pedaços em confronto, para se apurar o que se quer. “Na Idade Média, a dialética torna-se disputatio, isto é, um confronto de opiniões.” (ABRÃO, B.: 353)
Não era bem de opiniões, mas de luta pela posse da terra, por escravos, pela riqueza.
Não tenho meios, exceto na imaginação, para julgar se tão torpe tática provém da ignorância, ingenuidade, ou má-fé, mas ao focar a infinidade de fatos sucedidos a partir dessa artimanha, parece flagrante a vitória da última.
Podemos julgar uma filosofia por seus frutos. A visão reducionista-mecanicista-materialista cultivou inúmeras dicotomias, cismas, fragmentações, alienações: alienação de si (o vácuo espiritual) e, por conseqüência, dos outros; alienação da natureza (autômatos não podem sentir muito por outros autômatos - se somos apenas máquinas, podemos muito bem nos apoderar do máximo possível, conquistar e explorar a natureza por completo); a dicotomia entre conhecimento e valores, meios e fins, mente e matéria, universo de matéria e universo de vida, entre ciências e humanidades, entre ricos e pobres, industrializados e de Terceiro Mundo, entre gerações presentes e gerações futuras.
LEMKOW, A.: 15
Sob o ponto de vista científico a dialética não encontra o menor respaldo. Chega às raias do absurdo.
A ciência procura leis não somente independentes mas determinantes da vontade humana. Ela insiste em regularidades, estrutura, sistema, invariantes e, para tanto, procura delimitar e recortar claramente os objetos de estudo. Cultural e socialmente revestida de positividades, bondade e poder, ela menospreza a filosofia, percebida como figura diminuída que precisa ser 'abolida' ou 'desvalorizada'.
LACOSTE, JEAN, A Filosofia do Século XX: 49.
Componho alguns exemplos para demonstrar a metonímia da composição platônico-cartesiana-hegeliana.
Seria a noite o contrário do dia? Grosso modo até pode se dizer. Todavia, evidentemente, um é prolongamento do outro, justo pela presença do corpo total, que não é invisível, e por isso, necessariamente, produz uma sombra. Mas ela não pde ser contraposta à brilhante, evidentemente, exceto em figura retórica.
Você não pode separar as faces da moeda, a não ser na imaginação. No momento do corte, junto vai a característica que a distingue.
Seria o negativo o contrário do positivo? De novo o mesmo deslize. A postura do zero é incidência meramente estratégica. O frio é apenas extensão do calor. O líquido da chuva é apenas consequência, e não contrária ao vapor, e sequer ao sólido, posto essas serem apenas manifestações do mesmo elemento. Nas quatro estações, de novo meras balizas. Qual delas terá maior valor? A primavera é colorida, alegre e jovial, enquanto o frio é triste, sombrio. Então de onde tira alegria o Papai Noel?
Cara feia ou bonita não distingue a alma. Em um segundo ela expressa infinidade fisionomias.
Norte e sul são contrários? Mas no polo norte, onde estará seu norte?
Muito engraçado acontece no Brasil. Chamar alguém de negro é ofensa. Por que?
Então lá vem o Estado, a proteger a criatura. Desculpa ao proselitismo, demagogia no fito de atrair atenção, e extrair os recursos de todos.
Para o fundador do Teatro Experimental do Negro, em 1944, a presença de Joaquim Barbosa no STF causa desconforto aos colegas. Ex-deputado federal e ex-senador, Abdias conta que foi 'esmagado' no Congresso. 'Sempre quando ele (o negro) ergue a voz, já é um crime', afirma. 'Há um racismo na Justiça brasileira'.
TERRA, 23 de abril de 2009
Mas se isso não for uma definição totalmente preconceituosa, aguardarei uma mais preciosa. Talvez aquela, que chega ao ápice de instituir o "Dia da Consciência Negra," sabe-se lá por iniciativa de quem, mas por certo é de racista. Engraçado este dia. É o mais puro preconceito racial! Deveriam seus autores e participantes serem punidos pela lei em vigor. Mas, pensando bem, não seria nada mau que pelo menos uma parte de nossa população tivesse alguma consciência, seja da cor que for, ainda que apenas nesta data.
Ultimamente tem cabido ao próprio Estado brasileiro recriar e estimular o suprassumo do racismo, logo aqui, onde se encontra a maior mistura de raças do planeta. A politicalha começou se imiscuindo nas relações educacionais, determinando cotas para os negros, por que senão os malvados brancos lhes alijariam da participação produtiva. Como se postou em prol do pretensamente injustiçado, e de fato o foi, mas num passado longínquo, naquele darwineano, ninguém reparou o retrógado cunho que norteou tais determinações. Por bizarro, o difícil é delimitar na mulata, no mestiço, o fator preponderante. Haja preconceito!
Dia desses, num rasgo luminar, de acordo com seu feitio, nosso presidente culpou "os brancos de olhos azuis" pela safadeza do mundo. Para mim é outra pungente manifestação racista. Se o retirante tivesse dito que era "coisa de negão com zóio preto" ouviria de imediato o "teje preso"!
* * *
Falemos das cores, então. Da máxima contrariedade: o preto e o branco. Uma compõe a totalidade visível. A outra, a mesma totalidade, apenas invisível. Tem tudo a ver com temperatura, mas conforme a tez, o termômetro acusaria alguma discrepância? O sangue corre diferentemente, com maior ou menor velocidade, ou quiçá orientação? O que pode haver de contrário, a não ser na mente do avaliador?
Cores denotam apenas a incidência da luz, nada mais. No fundo do oceano os inquilinos desenvolvem um matiz, mais à tona refletem a circunstância. Apenas isso.
O que diferencia a cor é tão somente a posição geográfica, a relação do ser com seu meio ambiente. Portanto, nenhuma cor é propriamente pessoal, nem racial, e o camaleão está aí como prova para tudo! Agora, pelo fato de uma pessoa viver na Suécia ou no calor do trópico haverá alguma vantagem a uma ou a outra?
Mas o que impressiona é ver distintos senhores se apegarem pelo engano. Talvez o mesmo que nos levou a pensar que o Sol, por ser obra do Senhor, para nós, tinha que passar diariamente para conceder o seu calor e sua luz, aos filhos do Rei.
Vejamos o caso da lua. Há o lado escuro, e o claro. Mas são lados? E por acaso o darkside, esse viés desprovido do fascinante moonshadow, por isso não deve ser considerado? Pois se há quem admire a lua cheia, outros tem medo de ver a bruxa cruzando, e o lobo, ao que parece, pelo que protesta, prefere a escura.
Entre nós o racismo serviu apenas para identificar quem seria escravo, ou livre. Como o episódio já foi há muito encerrado, e por certo nunca mais voltará, não assiste o menor motivo para haver qualquer manifestação, sequer lembrança, comemoração ou repulsa.
* * *
Foi o esquizofrênico PLATÃO quem operou a cisma fundamental, primeiro em seu próprio corpo, à serviço dos amantes espartanos, e depois de DION, filho do Tirano de Siracusa. Ao retornar, o grego decretou a divisão primordial nos seres humanos: o mundano corpo, contra a alma, celestial. Por fim, lá se foi também a ciência, distinguidas entre as divinas exatas e as humanas filosóficas, números e letras, entre a pretensa realidade, e a arte tomada exótica. O engraçado é que se tem o ateniense como filósofo, ainda que em sua fundação acadêmica tenha vedado acesso aos segundos.
Embora cuidasse de alertar que a evolução é isso, uma continuidade, DARWIN colocou seu zero ao delimitar a presença da razão, a partir de um ponto que supos, quando então perdemos o rabo. No negativo postou o primata; e num ano qualquer, o divino raciocinante.
Como o equilíbrio é prerrogativa da natureza, a civilização vem se repartindo de tudo que é jeito. Na fundamental, de um lado, a turma epicurista, pela qual os valores terráqueos, seus prazeres e utilidades constituem a máxima. De outro, os ascetas, a pregarem a importância do celeste - afinal na morte todos nos mudamos. Na nova morada o tempo é infinitamente maior, porque eterno, então deve levar a preferência da conduta, pelo menos no preparo à viagem.
O porta-bandeira DESCARTES convidou a primeira turma a compor com a segunda, e ambas passaram a retalhar por completo tudo o que andava pela frente, na ânsia da mais profunda compreensão.
HEGEL demonstrou grande sapiência, e a humanidade foi de roldão, como bêbada, a ver tudo de modo duplo, portanto, de novo, esquizofrênica. Isso interessava aos dois maiores artifícios, esses sim, há muito parceiros, nunca antagônicos, mas sempre complementares, as partes mais associadas da desenvoltura ocidental: a Igreja e o Estado.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristão, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degradados que aqui hão de ficar aprenderem bem sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa fé... "
Carta de Pero Vaz de Caminha, cit. FARACO & MORA, Para gostar de escrever. - São Paulo: Ática, 2002.
Posto que o oriental era membro de uma classe subjugada, ele tinha de ser subjugado. Era simples assim. O locus classicus para esse julgamento e para essa ação pode ser encontrado em Les lois psychologiques de l'eévolution des peuples [as leis psicológicas da evolução dos povos], de Gustave Le Bon.
SAID, E.
: 214
Eis a justificativa das insidiosas atuações, seja invadindo em nome do amor, ou enfiando o sabre para o temor, dialéticas inoculadas com apenas um ideal em mente: a cobiça pelo alheio. Tomar o máximo de riqueza para si, em nome da ciência, da lógica, de DEUS, e até da justiça social, sem nada pagar por ela. Eis a razão de se dizimarem povos e povos, entre os quais milhões de incas, aztecas, e africanos.
Não é ExMc2, mas E=Mc2. Simples.
.
Ai de mim, assim dividido, entre o negro e o
branco, o darkside e o brilho, a esquerda e a direita,
fruto do pai contra a mãe. Vejo o oriente e o ocidente, a
parte de cima e a de baixo, os hemisférios norte e sul.
Pobre cabeça, na qual se digladiam consciente
contra subconsciente, o mal contra o bem,
cruéis bipolaridades. Eis-me completamente
fracionado, à ponto da mais flagrante esquizofrenia!
___________


Nenhum comentário:

Postar um comentário