"Platão se harmonizava, perfeitamente, com a doutrina cristã, porque tanto nele quanto na Igreja, tudo procede da mesma fonte, a saber, do 'logos' divino." De acordo com o padrão o procedimento de Deus se mostra coerente, por ordenado, cadenciado pelos dias.
Tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo.
ZOHAR, D., O Ser Quântico, Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física: 188.
Outro exemplo de Ser Positivo é o 'Deus Organizador', em que a divindade (ou divindades) exerce o papel de controlador da oposição primordial entre Ordem e Caos. O Caos representa o Mal, a desordem, e é simbolizado em vários mitos por monstros como serpentes ou dragões, ou simplesmente deuses maléficos que lutam contra outros deuses em batalhas cósmicas relatadas muitas vezes em textos épicos, como no caso do Eubuma elis dos babilônios.
GLEISER, MARCELO, A Dança do Universo Dos Mitos de Criação ao Big-Bang: 31
"O erro, o
Mal entra pelo corpo para transformar o divino
Bem da alma," e isso já bem ensinara
PLATÃO (c
it. KELSEN, 1998: 3):
“A terra, ou seja, a matéria, é contraposta à verdadeira natureza da alma, quer dizer, ao seu ‘ser boa’. A matéria representa o mal.”
O vigário polonês
COPÉRNICO (cit.
CHÂTELET, F: 49) revendeu o
bilhete:
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
Este é o engano basilar de
GALILEU (
cit. CAPRA, F. O ponto de mutação: 50) e da produção científica empilhada nos séculos que lhe sucederam - a premissa pintada como conclusão de pensamento, a subversão numérica das letras:
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas.
Os caracteres nasceram deformados pela carga genética:
“Não tenho dificuldades para admitir, identificando o platonismo com matematicismo, o caráter platônico da ciência galileana”.
(GEYMONET, L. : 42) ALEXANDRE KOYRÉ (cit.
idem, ibidem) confirma:
“A grande idéia de Koyré, justamente, é que Galileu encarnava a herança do platonismo. Em outras palavras: Galileu acreditava que, graças à matemática, os físicos conseguiriam apreender a estrutura íntima da realidade”.
Se desejássemos retraçar a história do Determinismo, seria preciso retomar toda a história da Astronomia. É na imensidão dos Céus que se delineia o Objetivo puro que corresponde a um Visual puro. É pelo movimento regular dos astros que se regula o Destino. Se alguma coisa é fatal em nossa vida, é porque uma estrela nos domina e nos arrasta. Há, portanto, uma filosofia do Céu estrelado. Ela ensina ao homem a lei física em seus caracteres de objetividade e de determinismos absolutos. Sem esta grande lição de matemática astronômica, a geometria e o número não estariam provavelmente tão estreitamente associados ao pensamento experimental; o fenômeno terrestre tem uma diversidade e uma mobilidade imediatas demasiado manifestas para que se possa neles encontrar, sem preparo psicológico, uma doutrina do Objetivo e do Determinismo. O Determinismo desceu do Céu à Terra.
GASTON BACHELARD
O mundo desse modo funcionaria de modo automático. O pensamento exato levaria à
Lei perfeita, a verdade buscada por todos. Este é o exemplo mais clássico, evoluído desde o também
cambridgeano BACON - a previsão do tempo discorrendo num eterno linear, em
tique-taque.
Para montar tamanho relógio, atividade delicada e trabalhosa, a engenharia divina montara tudo à semelhança. A roda do cronômetro, suas coroas e pinhões parecem imitar as órbitas celestes ou o movimento contínuo e ordenado do pulso dos animais. Trata-se, contudo, de padrão estritamente subjetivo, calcado no preconceito de um percurso linear, ideal, apropriado ao limite da personalidade, não ao conjunto universal:
Em um dos manuscritos, datado do começo do século XVIII, Newton, por meio dos textos bíblicos do Livro de Daniel, chega à conclusão de que o mundo deve acabar por volta do ano de 2060. 'Ele pode acabar além desta data, mas não há razão para acabar antes'
A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto.
PERELMAN, CHAÏM, Ética e Direito: 672
A maneira com que hoje medimos o tempo, para eventos com duração próxima a uma vida humana, é muito semelhante com a maneira que medimos o comprimento de um objeto. A nossa régua é um relógio e quem fornece o espaçamento entre os traços é um movimento periódico. Contando quantos dias se passaram, ou seja quantos movimentos periódicos ocorreram, você mede a passagem do tempo.
Como medimos a passagem do tempo. http://calendario.incubadora.fapesp.br
Há quem propugne que toda expansão precede a redução, mas tal hipótese,
per se, é improvável. Se nossa estada na Terra coincide com um número aproximado de dias, o Universo independe do transcurso do tempo. É o Universo que enseja o tempo, porque também é o espaço. Portanto, antes de sua existência, naturalmente não havia espaço; tampouco o tempo:
Chegamos a uma situação que envolve uma imagem diferente da natureza e, portanto, também da ciência. Não acreditamos mais na imagem do mundo como uma imensa peça de relojoaria. Chegamos ao fim das certezas. Estava implícita na visão clássica da natureza a idéia de que, sob condições bem definidas, um sistema seguiria um curso único e de que uma pequena mudança nos parâmetros produziria igualmente uma pequena mudança nos resultados. Hoje sabemos que isso só é verdade no caso de situações simplificadas e idealizadas
MAYOR: 12
Não é fácil raciocinarmos em termos de um tempo incomensurável, porque julgamos tudo de acordo com nossa existência. Igualmente não temos outro padrão que não provenha desta dimensão, da mesma maneira que não temos outra hipótese de evolução natural que não passe pela teoria darwineana. Sabe-se, contudo, que ambas postulações contém tantas fatalidades que oferecem a certeza ao contrário: antes de tudo, elas são produtos de preconceitos, de metafísicas, de dogmatismo, de ideologia
:
Foi a tradição judaico-cristã que estabeleceu o tempo linear (irreversível) de uma vez por todas na cultura ocidental... O tempo irreversível influenciou profundamente o pensamento ocidental. Preparou a mente humana para a idéia de progresso, para o conceito de tempo profundo, para a surpreendente descoberta dos geólogos de que a evolução humana é apenas um episódio recente e curto na história da Terra. Preparou o caminho para a evolução de Darwin, que fala de nossa união com criaturas mais primitivas através dos tempos. Em resumo, o advento da idéia de tempo linear e da evolução intelectual desencadeada por essa idéia corroborou a ciência moderna e a promessa de melhoria da vida na Terra. COVENEY: 22
Para levar o rebanho, melhor ordená-lo em compasso. À conformidade geral, um padrão pretensamente lógico, e por isso assimilável.
Mas eu não deixarei de tocar, em minha física, em várias questões metafísicas e particularmente nesta: que as verdades matemáticas, as quais chamais de eternas, foram estabelecidas por Deus e dele dependem inteiramente, assim como todo o resto das criaturas. Não receai, peço-vos, garantir e publicar em toda a parte que Deus é quem estabelece estas leis na natureza, assim como um rei estabelece leis em seu reino.
DESCARTES, RENE, Carta à Mersennas.
No espírito à
la bête-machine, bem cabia o azeite da oficina florentina:
“Antes que Descartes dissesse que sua metafísica não era senão geometria, Maquiavel pode ter pretendido que sua política não era mais que matemática, com seus signos fundamentais, mais, menos, igual.”
(Goytisolo, Juan Vallet de: 28)
A “genialidade” maquiavélica vem desse empírico e obsoleto paradigma anexado, conexão de racionalidade mecanicista flagrada por Gusdorf
(As Revoluções da França e da América: 163)
A própria “razão” provém de cálculo. Seu designativo vem de
ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar. Dessarte a cisão platônico-cartesiana penetrou como o mais cruel retransmissor do
carma ocidental.
Quando Hegel estudava o destino do sujeito racional sobre a linha do saber, ele não dispunha mais do que de um racionalismo linear, de um racionalismo que se temporalizava sobre a linha histórica de sua cultura, realizando movimentos sucessivos de diversas dialéticas e sínteses. BACHELARD, G.: 57
Galileu Galilei descobrira a
Lei do Pêndulo, a qual não deixa de ser uma dialética. Aliás, talvez forçando um pouco, posso supor a formação do substantivo
relógio como a soma do sufixo
logos, com
re, de retorno. Portanto, o relógio demarca o eterno retorno, fato que se vê ns órbitas planetárias, nas estações climáticas, nos dias, nas horas, nas voltas dos ponteiros.
A órbita planetária nos remete a um parque de diversões. Estações climáticas corroboram a infantil noção do carrossel. Mas se a Terra e nossa vida se restringem no incessante circular, nada faz sentido: seríamos meros passageiros de gigantesco disco-voador sem destino? Digo, de trem-voador, pela falta de mobilidade lateral?
O ponteiro do relógio não imita a cabeça de um cão correndo atrás do próprio rabo? Convenhamos: para quem isso é negócio?
No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais. LEMKOW, ANNA: 86
Incontáveis microondas e governichos ávidos pela manutenção e ampliação do poder simplesmente subverteram a filosofia, solapada pela cientificidade.
"A matemática pura, mais do que qualquer outra disciplina, tornou-se aquele discurso vivo que Platão considerou a única forma de conhecimento." (FEYRABEND, 1991: 135)
O universo-máquina passou a ser um vasto sistema matemático de matéria em movimento, um ‘universo material (onde) tudo funcionaria mecanicamente, segundo as leis matemáticas.’
A concepção do universo que por sua influência alcançou aceitação geral era um mecanismo dirigido por princípios matemáticos, sem cor, perfume, sabor e som. A ciência havia estendido os limites do universo, mas convertido em máquina sem vida, que marchava de acordo com forças capazes de ser formuladas matematicamente, não a expressão poética. GUSDORF, GEORGES: 164
Tempo é dinheiro?
"Era uma enorme cebola de ouro, suíço, pedras preciosas nos ponteiros, o tampo em filigranas, uma jóia, uma antigüidade, uma relíquia, uma preciosidade." (FESTER, Ribeiro, O relógio do avô. In O mar tem várias cores. - São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1979)
Como convém ao mito.
O efeito da "filosofia" grega é o domínio. Ao contraste, o efeito da filosofia oriental é o usufruto. Não por acaso, ainda que por paradoxo, a religião ocidental tudo fragmentou, despedaçou. Corpo e alma. céu, inferno, e, por fim, esquerda e direita. Não sobrou sequer o tempo, dividido em quarto sobre quarto, ad infinitum, mas desse modo tornando tudo totalmente limitado, e supostamente sem retorno.
O homem ocidental civilizado vive num mundo que gira de acordo com os símbolos mecânicos e matemáticos das horas marcadas pelo relógio. É ele que vai determinar seus movimentos e dificultar suas ações. O relógio transformou o tempo, transformando-o de um processo natural em uma mercadoria que pode ser comprada, vendida e medida como um sabonete ou um punhado de passas- de-uva. E pelo simples fato de que, se não houvesse um meio para marcar as horas com exatidão, o capitalismo industrial nunca poderia ter se desenvolvido, nem teria contnuado a explorar os trabalhadores, o relógio representa um elemento de ditadura mecânica na vida do homem moderno, mais poderoso do que qualquer outro explorador isolado ou do que qualquer outra máquina. WOODCOCK, A ditadura do relógio, In A rejeição da política, 1972
Todos sabem que a física newtoniana foi destronada no século XX pela mecânica quântica e pela relatividade. Mas os traços fundamentais da lei de Newton sobrevivem, seu determinismo e sua simetria temporal sobreviveram. A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte. PRIGOGINE, I.,: 19
.
Durante longo tempo o ideal do conhecimento científico foi aquele que Laplace havia formulado com sua idéia de universo totalmente determinista e mecanicista. Segundo ele, uma inteligência excepcional dotada de uma capacidade sensorial, intelectual e computacional suficiente poderia determinar qualquer momento do passado e qualquer momento do futuro. É essa visão pueril e talvez louca do mundo que está prestes a desmoronar, mas ela ainda reina, e efetivamente excluiu todo o problema da reflexividade. MORIN, Edgar 2000:32
Já passados mais de cem anos da demolição de tal dogma, mais do que nunca, urge uma drástica re
versão:
Se vamos continuar a nos apoiar na ciência para criar e gerenciar organizações, para fazer pesquisa e formular hipóteses sobre desenho organizacional, planejamento, economia (finanças), a natureza humana, e mudanças de processos, então deveríamos pelo menos nos apoiar na ciência de hoje. Deveríamos parar de procurar modelos na ciência do século XVII e começar a explorar o que aprendemos com a ciência do século XX.
WHETLEY, M., Leadership and the new science..
O que governa a dinâmica da natureza, inclusive em seu aspecto mais material, na física, não é uma ordem rígida, predeterminada. Nem tampouco uma dialética entre contrários em luta, que leve a síntese, até que se produza uma nova antítese, como na visão dialética marxista rechaçada também pela genética, segundo diz MONOD. É precisamente uma interação - que já existe nos níveis materiais mais elementares entre o aspecto onda e o aspecto corpúsculo - o que impulsiona a dinâmica da natureza. Assim o mostram as relações de mecânica ondulatória, que explicou LOUIS DE BROGLIE, síntese genial que tornou possível, como diz RUEFF, uma filosofia quântica do universo, aplicável não somente às ciências físicas, senão também a todas as ciências humanas. GOYTISOLO, JUAN VALLET. Interações
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