quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Capitalismo sem capital




O novo Individualismo – a serviço do qual, quer queira, quer não, está o socialismo – será a harmonia perfeita. Será o que o Grego buscou, mas não pôde alcançar completamente, a não ser no plano das Idéias, porque tinham escravos, e os alimentava; será o que a Renascença buscou, mas não pôde alcançar completamente, a não ser no plano da Arte, porque tinham escravos e os entregavam à fome. Será completo e, por meio dele, cada homem atingirá a perfeição. O novo Individualismo é o novo Helenismo. WILDE, O.  86
O tronco gerou capitão, capitulação, decapitação, e vários derivativos, entre os quais a cidade capital e o próprio capitalismo, oriente às relações sociais e produtivas. Fala-se em capital humano, social, intelectual, etc. Todos denotam o elemento mais importante do corpo, do Estado, ou do que se entende por riqueza. Tudo que é capital é único.
Tributa-se para Marx a primazia, a cunhagem do termo à produção, à forma de governo, à ideologia política. Na época o ouro se fazia capital. E o resto, periférico. A convenção levou a humanidade ao descalabro de esquecer a própria comida, para ir atrás do raro metal.
Por levado na prancha dialética, Marx se impressionou especialmente com três autores considerados cientistas, e nem eram assim, tão exatos, embora a pretensão: Malthus, David Ricardo, e Darwin.
Ricardo asseverou que suas propostas se restringiam às limitações da grande ilha, mas o alerta, por mínimo, nem foi considerado. Malthus assegurou que os alimentos cresceriam em proporção aritmética, enquanto a população se multiplicaria de modo geométrico. Tal discrepância levaria a um colapso, a uma guerra de todos contra todos, pelo prato de comida. Se a arena fosse comum, e a força dos contendores equilibrada, talvez Marx achasse justo, e tão natural como a própria morte, que ninguém pode evitar. Hegel, contudo, propugnava a dialética como método de superação de qualquer obstáculo. As atochadas de Darwin lhe confirmavam, mas a sentença do turista do Beagle era absoluta, em nada dúbia: os mais fortes sobreviveriam; os fracos os alimentariam. Esta derradeira constatação escandalizou o barbudo. Se os alimentos cresceriam em proporção aritmética, o ouro nem isso, posto não ser nem mesmo suscetível de multiplicação, fatalmente uma pequena grei dele se apossaria, tornando a todos reféns. Breve intróito sobre Engels & Marx Ora vemos o insólito:
Eu pedi ao Papa que nos seus pronunciamentos ele fale da crise econômica, pois, se todo o domingo o papa der um conselhozinho, quem sabe a gente encontra mais facilidade para resolver o problema. SILVA, L. da, Presidente do Brasil, Estadão, 13/11/2008
Um grupo de bancos italianos apresentou uma solução criativa para um problema antigo: como dar empréstimos para pessoas que não têm bens valiosos para oferecer como garantia. Eles agora aceitam queijos como garantia. Alguns bancos estão aceitando queijos parmesão em troca dos empréstimos e já têm estocados milhares de quilos do valorizado produto. Se os devedores não pagam o empréstimo, os bancos vendem o queijo. (BBC, 14/8/2009)
* * *
Durante a segunda metade do século XIX, a economia sofreu uma influência muito grande do avanço das ciências exatas. Invejosos de seu sucesso e prestígio e cônscios do poder das matemáticas e de sua importância para seu próprio progresso, os economistas voltaram sua análise para essa direção. ORMEROD, Paul, 1996: 50
Keynes efetuou um corte epistemológico, e tornou o ouro apenas um integrante do capital, sem exclusividade. A tacada desmanchou as teorias malthusianas e darwineanas da miséria do Capital marxista. A partir do Lord de Cambridge, todas as ações humanas, passadas, presentes e até futuras poderiam formar o ícone pelo qual toda a humanidade poderia gravitar.
Diferentemente do ouro, contudo, a parafernália não poderia integrar as relações de comércio, tampouco serem avaliadas, valorizadas, ou calibradas, se não houvesse sua representação, e alguém que a monitorasse.
Em que pese a moeda ser por demais conhecida, desde remotos tempos, foi a partir desta década de 1930 que ela assumiu propriamente a importância capital. O dinheiro passou a concentrar todas formas de capitais, e o mundo passou a gravitar por sua representação. Eis o capitalismo alavancado sem capital, ou seja, através de mera gravura.
O poder excessivo do setor financeiro é o
motivo pelo qual o mundo chegou à crise atual.

(RUSSELL, Bertrand
, O Moderno Midas, 1930/2002: 69.)
A sonante tomou importância capital, e, de novo, faz-se no único diapasão pelo qual a humanidade toca a grande sinfonia. Por ser representante, portanto mera ficção, todavia, ele pode ser elástico, e se multiplicar de modo ultrageométrico. Por um lado ele liquida com a restrição marxista; por outro, oferece a melhor oportunidade às metonímias. O ardil do New Deal e os governos fascistóides prevaleceram por essa facilidade. Além do crescente flagelo tributário inflingido à produçâo, todos os sistemas sociais e trabalhistas, proselitistas, eleitoreiros e demagógicos alastraram a corrupção. (Perón, Keynes e a corrupção) E, na sugestão do patrono, todos obtiveram suas catapultas através de fraudes monetaristas. (A introdução de Keynes no Brasil)
* * *
Em menos de século, a civilização é posta em cheque, novamente. Ora se decreta, pela terceira vez, a morte do liberalismo. Desta feita, contudo, o mundo está embretado, sem escolha. O marxismo era um artifício retórico, e o fascismo, fantasia de mentecaptos. Se o liberalismo não serve, que elucubração solucionará?
Um misto dos três? Uma química de dois? Uma equação qualquer, desprovida de proporções?
Que diabos de sistema poderíamos inventar?
Dos três, dois podemos dispensar. Foquemos as funestas experiências. Por elas o político e o econômico se entrelaçam. Tanto esquerda quanto direita veneram o capital. No marxismo, o capital político é meio dividido, mas o econômico se concentra no estado. No fascismo e na democracia, também:
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor... Esse objetivo pressupõe controle, direto ou indireto, conforme as circunstâncias, dos recursos econômicos do país.
(PIPES, R., 2001: 251)
"Nem o socialismo nem o Estado do bem-estar social apontam para uma estrada que possa ser percorrida para se construir um futuro coletivo melhor, que incluirá os excluídos." (Thurow: 327) O oportunismo do utilitarismo -
Seja qual for o sistema político, cabe ao Estado, isto é, a plêiade que o detém, a prerrogativa de controlar e distribuir a moeda. Dinheiro x Democracia 3 - o comando financeiro Eis a fulgurante razão que a tudo subverte.
As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam. FUKUYAMA, F., 2002: 205

O que sobra? Algo além da esquerda e da direita.
Jamais o liberalismo foi praticado em algum lugar do mundo; que dirá o neoliberalismo.
Obviamente não se pode decretar a morte de quem sequer nasceu. Nem de modo prematuro.
O sistema liberal tem como maior apelo, e eficácia, e o considero científico, por uma única razão: ele flui pela desconcentração do poder. Naturalmente os intervencionistas não podem concordar. Eles rechaçam o Estado-Mínimo. Todavia, jamais, em algum canto, o Estado foi reduzido a esta envergadura. É o gigante, o Leviathan que tudo controla, da U.R.S.S. ao nazismo; da democracia francesa à corinthiana; do federalismo suíço ao americano:
O poder nos EUA foi mais concentrado do que se costuma imaginar. Quem controlava o Pentágono, a Cia, o Departamento de Estado, o Tesouro e o homem que coordena estes órgãos na Casa Branca, controlava tudo, e tudo isso o sistema controlava.
GALBRAITH, 1989: 197
Dado o advento dos magníficos meios de comunicação, e dos computadores, hoje "usufruímos" ainda maior controle do que ontem! O insaciável Leviathan participa de todas as atividades, em perene atualidade de Thomas Hobbes, seja pelo recolhimento de impostos, seja pela ditadura de regras, mas, principalmente, por concentrar toda a riqueza da Nação, representada pelo dinheiro. A colheita é irracional:
"Limitar o real apenas ao quantificável não é científico, é cientístico - uma perversão da ciência."
(HUSTON, Smith, cit. LEMKOW, Anna: 5
)
* * *
Seria possível, e apropriado a implantação de um preciso regime liberal? Seria conveniente? Qual fórmula o atenderia, não só no campo político, ou eleitoral, mas essencialmente no econômico, núcleo jamais violentado? Seria viavel? E omo se revestiria em benefício comum, e não em mais uma armadilha à satisfação dos predadores? Poderia o liberalismo ensejar a chave à raposa entrar no galinheiro, como apregoava Leonel Brizola? E caso fosse radical, como ora propugno, não estaríamos na borderline da anarquia?
Em primeiro lugar, as galinhas não precisam estar confinadas. É justamente esta característica que atrai a raposa. Se soltas, e alguma for pego em distração, milhares terão escapulido. Caso reunidas no galinheiro, fatalmente nenhuma escapará.
Em segundo lugar, o Universo se expande de forma caótica; porém, curiosamente, é onde se vê menor anarquia. Há uma espécie de ética entre o espaço e os corpos, de modo que tudo se preserva intacto, e estável, em que pese em expansão. Ocorre, todavia e apenas, o vêzo:
Todos sabem que a física newtoniana foi destronada no século XX
pela mecânica quântica e pela relatividade. Mas os traços fundamentais
da lei de Newton sobrevivem, seu determinismo e sua simetria temporal
sobreviveram.
PRIGOGINE, I.,: 19
Se a Física pautou todas as ciências, a ponto de levar a humanidade ao desequilíbrio ecológico, legal, econômico, social e tudo o mais, porque logo agora, passado século de sua emenda, insistimos com as fórmulas daqueles nossos tataravós?
* * *

A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir-se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. RUSSELL, Bertrand, Ideais Políticos: 24
Utópico? Exagero? Nem tanto. Quem diria que os reis divinos rumariam aos céus? Alguém ousaria predizer a dobra da Coroa perante os cidadãos ingleses? Como supor que um exuberante Duce morreria feito carneiro à gaúcha? Quem vaticinaria a queda da fortaleza soviética, ainda mais por absoluta inanição? Por fim, qual Minerva poderia antecipar o descalabro que ora presenciamos, um fenômeno suicida, porque desprovido de adversários?
A difusão dos poderes, especialmente a capacidade de criar e gerir a moeda, será contingência de um longo processo, em evolução contínua; porém, como para qualquer jornada, o primeiro passo é facilmente realizável. Aliás, em tal picada já coexistem vários trilhos:
"A superioridade dos sistemas auto-organizadores é ilustrada pelos sistemas biológicos, em que produtos complexos são formados com uma precisão, uma eficiência, uma velocidade sem iguais." (BIEBBRACHER, C., NICOLIS, G. e SCHUSTER; Self Organizations in the Physico-Chemical and Life Sciences; Relatório EUR 16546, European Commission, 1995; cit. PRIGOGINE, I.: 75)
O físico Rohden (p. 81) explicita:
Uma colméia é a perfeita imagem de uma ‘anarquia cósmica’, isto é, uma perfeita ordem e harmonia sem nenhum governo externo; o sem governo (anarquia) se refere a um fator extrínseco, mas o governo (autarquia) está dentro de cada abelha. É a consciência apiária que governa e, por isto, não há necessidade de uma organização externa.
Bruno Latour (Das Sociedades Animais às Sociedades Humanas; cit. Witkowski: 207) apresenta sua contribuição:
Depois do livro do americano Edward O. Wilson, Sociobiology e dos ensaios do inglês Richard Dawkins, os geneticistas das populações, assim como os especialistas em insetos sociais, procuraram compreender a organização social a partir dos interesses individuais. Não existe o formigueiro; só existem as formigas. Não existe a espécie; só existe o indivíduo. Falar de um sacrifício pelo grupo é, portanto, uma impossibilidade - pelo menos se estudarmos a evolução darwiniana dos caracteres sociais. Era preciso repensar a sociedade animal como a resultante do cálculo dos indivíduos e não mais como um vasto sistema dentro do qual os animais nascem e morrem. Esta revolução entre os animais assemelha-se às revoluções que as ciências políticas conheceram duzentos anos antes.
No livro Bionomics, Michael Rothschild propõe direto:
"A principal diferença entre a economia e um ecossistema é que a economia evolui mais rapidamente do que o ecossistema, mas suas propriedades fundamentais seriam similares." (Gleiser, I.: 77).
Ambos são desprovidos de direção central, de plano; por isso podem se desenvolver de modo espontâneo, apregoado no século XVIII, por Adam Smith, já mencionamos; e no primeiro quarto do século XX, por Hayek, Fridman, Schumpeter, e de resto pelas Escolas de Chicago e da Áustria. Nada de novo; infelizmente, tampouco experimentado.
.
Continue em

Da divisão do capital


* * *
Lembrança de especial aniversariante

-

Nenhum comentário:

Postar um comentário