segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Economia e mordomia no período militar

O senhor lembra mais de 500 mil pessoas reunidas, implorando pelos militares. Eu recordo 2 milhões da geração seguinte, em showmício no mesmo lugar, protestando pelo fim do regime.
Showmício? Está bem. Foram atraidos, então, pelas atrações. Ora vejo inúmeros movimentos espontâneos com pregações de impeachment e voto nulo, num ceticismo cada vez mais niilista.

Vamos por partes.
A primeira já expliquei a contento.

Nem tanto. Se a plêiade de corruptos fora defenestrada, por que mesmo assim o Exército não acalmou a Nação?
Em grande parte satisfez. O partido que lhe dava sustentação formava maioria esmagadora, por escolha popular. A repulsa veio aumentando por conta das oscilações no gerenciamento econômico. Não por má-fé, todavia, tal qual a gente cassada, e sim por inaptidão vocacional. Por isso vacilavam.
Porque não se valeram de economistas?
Pensava-se que a Economia fosse a chave-mestra de um governo eficiente. Disso, pelo menos, ele teria que entender. Não era o caso. Você admite um rumo traçado por terceiro? .
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E havia este terceiro? Era, pelo menos, economista?
Sim, mas além de tudo, estrangeiro. Dos Estados Unidos. Eu já sabia dessa ascendência. Por isso visitei Cuba e enviei meu vice à China, veja só, esta que hoje salva o mundo do colapso econômico.

Brasil não tinha economistas?
O mundo se dividia entre os economistas de esquerda - enfeitiçados pelo sofisma marxista, e os de direita, inebriados pelo contraveneno keynesiano. Este era tão forte que atraia até mesmo simpatizantes mais ou menos socialistas, entre os quais o famoso professor e ex-ministro CELSO FURTADO (Estadão, 5/6/1994, Agenda 95, p. 2). S. Exa. reverenciou a inflação:
“Ela desenvolveu grande parte do país”.
Não por acaso ROBERTO CAMPOS expressou:
Há três maneiras de o homem conhecer a ruína: a mais rápida é pelo jogo; a mais agradável é com as mulheres; a mais segura é seguindo os conselhos de um economista.
O molde americano foi forte para contaminar todos que não quisessem o desfecho soviético.
Inspirados por essas certezas keynesianas, desenvolvimentistas e social-democráticas - já amplamente consensuais - Estados Unidos, Itália, Espanha, França e Inglaterra, além de vários países latino-americanos, entre os quais o Brasil, apertaram o gatilho e dispararam políticas desenvolvimentistas, trabalhistas e sociais.
MASCARENHAS, E.: 130
Montaram-se teatros trabalhistas alhures, por conta de dinheiro falso, porque sem lastro.
Para LUCAS LOPES, (p. 219) ocupante do Ministério da Fazenda de Juscelino e pai do ex-presidente do Banco Central do Brasil de FHC, FRANCISCO LOPES, vulgo CHICOLOPES, este algemado na frente das câmeras de TV ao término de sessão investigativa do Congresso Nacional, tudo isso era desprezível:
"Os políticos brasileiros não acreditavam em inflação, acreditavam em obras bem feitas. Pouco se incomodavam se essas obras resultavam ou não de um processo inflacionário, de emissão de recursos."

Os EUA se livraram da iminente derrocada do New Deal graças aos despojos alemães e japoneses, mas nós ficamos pendurados no pincel.
A desordem monetária, produzida pelas intrépidas teses keynesianas, teve como conseqüências a inflação, a desorganização institucional, a diminuição real do lucro e, por conseguinte, o empobrecimento dos assalariados.
MENDOZA, P. A., MONTANER, C.A., & LLOSA, A. V. : 128
Eu me elegi, e nada fiz. Daí o povo suplicou pelos militares.
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Que outro modelo poderia ser implementado pelos militares?
Igualmente não sabiam. E tampouco economistas:
Eu não tinha a menor idéia de planejamento econômico no estilo moderno, implicando decisões macroeconômicas e monetárias. O planejamento no período em que trabalhei como planejador era o planejamento do Roosevelt, do Lillienthal, planejamento de obras e construções.
LOPES, L.
Memórias do Desenvolvimento: 219
O novo governo se deparou com as consequências dessa irresponsabilidade. Na verdade o Brasil requeria um think thank mais moderno. Os militares apenas garantiam a execução, especialmente cerceando a corrupção. Os novos articuladores promoveram o centralismo tributário, para mim um risco que se tornou real e ora letal, e calibraram as emissões, de maneira a arrefecer o ímpeto inflacionário. Não obstante, os americanos injetavam dólares para financiar a infraestrutura, no fito de catapultar o desenvolvimento geral, e assim aplacar as reivindicações que se diziam socialistas.

Parece razoável; mas o povo se revoltou pelo quê, afinal, se já havia diminuído a corrupção, e a inflação estava mais ou menos sob controle?
Estava. Ocorre que o governo militar aos poucos foi se entusiasmando com as grande obras, conquanto permitia que a área econômica se valesse da velha artimanha. Supunha que tudo seria devidamente coberto pela produção decorrente. Ledo engano:
Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do desenvolvimento econômico, precisamos enxergar muito além dele.
SEN, Amartya: 28
Mas com toda a história, o governo não foi capaz de ver que iria se quebrar?
Não existiu um governo militar; foram vários. Cada qual adotou uma prática.
Teve, porém, um instante decisivo, que a rigor comprometeu aquele presente, e todo o futuro de qualquer austera gestão. Os entrincheirados não perceberam um fatídico escorpião:
O Banco Central era autônomo e independente quando foi criado em 1966, no primeiro governo militar do marechal Castello Branco, e seus diretores não podiam ser demitidos, a não ser por motivo grave. Mas quando o general Costa e Silva assumiu, em 1967, seu superministro Delfim Netto queria indicar o amigo e sócio Ruy Leme para a presidência do Banco Central. Foi fácil: manipulada por Delfim, a imprensa começou a publicar suspeitas de que os integrantes da equipe econômica do general Castello Branco - Roberto Campos, Otávio Gouvêa de Bulhões e Denio Nogueira, este presidente do BC — teriam tirado proveito pessoal de uma desvalorização cambial. Foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados e a diretoria do BC acabou afastada.
Wikipédia

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Ruy Aguiar da Silva Leme, professor da USP e um varão de Plutarco, foi um grande presidente do Banco Central do Brasil nos anos 60. Ruy foi uma das mais finas inteligências com quem tive a ventura de conviver ao longo da minha vida. A política monetária (o ‘estado da arte’) era então simples: tentar acomodar a taxa de crescimento da base monetária à taxa desejada de inflação mais o esperado aumento da taxa do PIB. Usavam-se, também, instrumentos simples, como as reservas bancárias primárias, o redesconto e os depósitos compulsórios.
DELFIM NETTO, Antônio, Folha de São Paulo, 11/2/2004
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Costa e Silva deu a Delfim instrumentos que nenhum outro ministro já teve para manobrar a economia em direção ao crescimento. Em dezembro de 1968, baixou o AI-5. A partir daí, ele tratou de usar o instrumento autoritário para tomar decisões sem consultar ninguém e, assim, turbinar índices de crescimento. 'Fui oportunista', ele admite. Em alguns setores suas intervenções eram tão freqüentes que surgiram suspeitas que possuía interesses particulares em jogo.Em cinco anos como ministro do Planejamento do governo Figueiredo, Delfim assinou sete cartas de intenções com o FMI, em que detalhava como pagaria um empréstimo de US$ 2,7 bilhões que tomara logo no início de sua gestão. Não cumpriu nenhuma. Seus 'Delfim Boys', os negociadores da dívida José Augusto Savasini, Luis Paulo Rosemberg e Ibrahim Eris, tinham uma estratégia para reduzir as pressões do fundo, que passava, principalmente, por cultivar estreito relacionamento com os técnicos de Washington.Em Brasília, as missões chefiadas pela economista Ana Maria Juhl eram recebidas em alegres reuniões caseiras regadas a vinho e uísque.Delfim, enquanto isso, agia teatralmente. Enquanto tentava driblar o FMI no front externo, Delfim reconhece claramente que, no campo doméstico, operou os resultados da balança comercial.Para barrar as encomendas externas, Delfim contava com os serviços de um de seus assessores. Carlos Viacava era encarregado de engavetar os pedidos de importação levados ao governo.
ISTO É,
19/11/2003
A precipitação do AI5, como vemos, nem foi tanto por motivo ideológico, mas por exclusiva induçao do venenoso, no interesse de acobertar sua prática inconfessável.
Quando ficou patente a imprudência assumida, os militares procederam a guinada. O novo rumo descolava dos EUA. Extinguiram o AI 5, reataram com a China, estreitaram com a Alemanha através de tratado nuclear, aproximaram-se de tantos europeus quanto puderam, criaram contratos de risco à Petrobrás, e incrementaram relações com Iraque, Egito, até o Equador. O ingresso de várias divisas desatrelou a dependência do dólar, e aliviou as pressões.

E a corrupção?
Tirante a monstruosa tunga imiscuída no Ministério da Fazenda, totalmente fora do alcance da informação, portanto do povo, a restante fora praticamente extinta, pelo menos por lustro. Não havia necessidade das torpes contribuições de campanha, e isso impediu o suborno antecipado, como hoje sói acontecer. O que se noticiava era sobre um carro oficial do Ministério do Trabalho deixando os filhos do ilibado ministro na escola. Esta notícia virou comoção nacional, veja só. Daí é que surgiu o famoso termo mordomia. Hoje se tolera cartão-corporativo, atos secretos, e dólares em cuecas. Irônico.
Mas compare a original mordomia, com a atual gigante:
BRASÍLIA - Líderes da oposição cobraram do governo e do presidente Silva explicações sobre o uso de um avião da FAB para transportar, de São Paulo para Brasília, Fábio Luís da Silva, o Lulinha, e mais 15 acompanhantes. Segundo publica em 24/11/2009 a 'Folha de S. Paulo', o Boeing 737 da FAB, mais um da frota que serve à Presidência, estava a dez minutos de pousar em Brasília quando na sexta-feira, 9 de outubro, recebeu ordem para voltar a São Paulo, pegar o filho do presidente e seus convidados.
Essa gentalha não tem a menor noção.
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Fale sobre o escorpião. Onde ele foi parar?

Defenestrado à França. É bem verdade que em seguida voltou, e até hoje marca o compasso da sangria, que, diga-se pela verdade, desanda como nunca!

Espera um pouco. Naquele staff pintava o sujeito que depois daria o grande golpe do Banco Econômico.
O Ministério de Indústria e Comércio padecia. Milicos pouco entendem disso, também. Valeram-se de indicações, como em quase todas. Neste período um ministro permaneceu por dois anos, e refugou para a oposição. Infelizmente pagaria esta atitude com a prória vida, sucumbindo junto com o líder adversário num acidente de helicóptero jamais explicado. O famigerado ACM colheu o ensejo e apresentou seu coringa, para assumir pelos meses restantes. Ninguém sabia das promíscuas relações com o czar da economia. Provavelmente foi aí que todos se encontraram. O golpe do Econômico foi perpetrado vinte anos depois, por ironia, com os mesmo atores, mas também com a participação de novos discípulos. A mesa era farta; e a pizza, oceânica.

Não sei de onde Delfim Netto tirou a informação sobre a CIA. Só sei que ele é muito chegado a Daniel Dantas, que contratou a Kroll para desencavar as contas de Lula no exterior. Daniel Dantas tem uma poderosa bancada no Congresso Nacional, com representantes de todos os partidos, de Jorge Bornhausen a Paulo Delgado, de José Agripino Maia a José Eduardo Cardozo. Nos últimos anos, graças sobretudo a Naji Nahas, Delfim Netto passou a ser considerado um deles. Não é desarrazoado supor que a informação sobre a CIA tenha sido assoprada ali, naquele meio.

MAINARDI, Diogo, www.my-forum.org/Artigos_Interessantes_79008/Quem_sabe_disso_e_a_CIA___Diogo_Mainardi_151620.html
Por outra ironia, logrou êxito porque contava com a garantia antecipada de cobertura feita pelo pessoal das Diretas Já, já na qualidade de titular do poder.

Ninguém menos do que DANIEL DANTAS negociou a solução para o Banco Econômico, em conjunto com PEDRO MALAN, Min. da Fazenda, e GUSTAVO LOYOLA, presidente do Banco Central.
E o desfalque não foi só nele.* A festa correu solta até mesmo em bancos oficiais. Desse modo invertemos a lição: os EUA precipitaram a recente crise mundial copiando exatamente o sucesso brasileiro.
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O senhor até parece militar.

Procuro descrever de acordo com suas indagações. Mas se insiste posso melhor detalhar.
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Ótimo. A palavra é sua.
Se é minha, vou dormir com ela. Enquanto isso, aprecie melhor o desenrolar em

O milagre e o desastre econômico do Brasil

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* Contando, ninguém acredita. Uma montanha de cinco mil páginas contendo os documentos originais do maior escândalo do sistema financeiro brasileiro, a quebra do Banco Nacional, sumiu durante 20 dias nas barbas daquele que deveria dar o exemplo de responsabilidade ao mercado, o Banco Central. Rumores sobre desaparecimento do dossiê do Banco Nacional já circulavam entre os funcionários do BC duas semanas antes do anúncio oficial do sumiço.
Revista Isto É Dinheiro - 29/9/2009

Um comentário:

  1. Espero que os leitores tenham acompanhado a série desde o início. É fácil: basta ler na sequência de postagens.

    É ótima e sugere inúmeras reflexões necessárias para compreender o grave momento pelo qual passa o Brasil na atualidade.

    Ficam falando em pré-sal, o último a entrar e o primeiro a sair da crise, a pobreza está se reduzindo, mas não é nada disso!

    O País está um barril de pólvora: os de cima completamente perdidos, os de baixo enganados por uma imensa máquina de propaganda.

    Isso não dá boa coisa.

    Foca Liza desempenhou a bela missão de passar a limpo uma sucessão dos lances mais sujos da história brasileira.

    A essa altura dos acontecimentos já ficou evidente que não havia nenhum "perigo" comunista.

    Era sempre a velha ânsia pelo poder ditatorial. A tentativa de impedir que o povo, mesmo sendo um quebra-cabeças indecifrável, começasse a buscar seus próprios rumos.

    Parece até que os portugueses ficaram com o sebastianismo, sempre à espera do rei salvador, e nossos próceres incorporaram, o pombalismo - uma saudade visceral de resgatar o mau espírito de Pombal.

    Fico imaginando o que Foca Liza extrairia do Marquês se ele concedesse alguma entrevista semelhante!

    Prometo que vou fazer comentários mais específicos para os artigos anteriores.

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