quarta-feira, 23 de setembro de 2009

70 anos da morte de Freud

As imutáveis leis da História descritas por Marx, a luta desesperada pela sobrevivência de Darwin e as tempestuosas forças da sombria psiquê de Freud devem, em alguma medida, sua inspiração à teoria física de Newton. ZOHAR, Danah, & MARSHALL, I. N.: 16
E as desgraças também:
A fim de melhor compreender a arte da propaganda, Hitler estudou as técnicas propagandistas dos marxistas, a organização e os métodos da Igreja Católica, a propaganda britânica da Primeira Guerra Mundial, a publicidade norte-americana e a psicologia freudiana. DOWS: 147
Aniversários são apropriados a relembranças. Recentemente tivemos as comemorações dos 200 anos de DARWIN. Há exatos setenta, aconteceu o funeral de SIGMUND FREUD. Se vivo, por certo o analista seria muito requisitado para explicar a interminável megalomania que assola a plêiade governamental, em especial a sulamericana.
TV Cultura | Roda Viva | Elisabeth Roudinesco | Historiadora da psicanálise
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O sucesso

A tese de FREUD aparentemente escapulia dos ditames deterministas e mecanicistas que engolfavam a civilização ocidental. Animais, e entre esses o ser humano, não deveriam ser tratados como máquinas, porque imbuídos do elemento vital - o desejo. Todavia, no afã de se ver reconhecido pela comunidade científica, o Pai da Psicanálise primou pelos mesmos métodos que antevia inaplicáveis, inclusive lançando mão de uma terminologia eminentemente mecanicista. Serviu-se especialmente da dialética platônico-hobessiana-hegeliana-darwineana, não sem antes retalhar a cabeça do sujeito, por ele virado objeto, de acordo com o molde cartesiano.
Os animais, incluindo os seres humanos, têm seu comportamento movido pelos inseparáveis instintos do sexo e da agressão. Nos humanos, estes instintos controlam as forças escuras e hidráulicas do id, e são a causa subjacente, inconsciente de tudo o que fazemos.
FREUD, S., cit. idem:194.

A psicologia freudiana é basicamente uma psicologia de conflito. Em sua luta existencial, Freud foi indubitavelmente influenciado por Darwin e os darwinistas sociais, mas para a dinâmica detalhada de 'colisões' psicológicas ele recorreu a Newton. No sistema freudiano, todos os mecanismos da mente são impulsionados por forças semelhantes as do modelo da mecânica clássica.
CAPRA, F., O Ponto de Mutação: 173
OCTÁCIO DE FARIA (Machiavel e o Brasil: 186) estabelece o liame de efeito social:
De Rousseau a Freud, o homem rolou todos os abismos e, rolando, incapaz de se reter, convencido aos poucos de toda sua negrura interior, perverteu todos os caminhos, comprometeu todos seus atos, justificou todas as acusações futuras e passadas.
O edifício assim tem suas bases de antemão comprometidas, a ponto de paulatinamente ser abandonado. Periódicos de hoje se limitam em assinalar a data, enquanto os profissionais trabalham com outras hipóteses, ainda dialéticas, é verdade, mas que excluem ou minimizam a preponderância do famoso Complexo de Édipo. Ora a moda é bi-polar, "criação" aparentemente lógica, mas que peca por semelhante enquadramento linear, eixo pelo qual se "digladiam" as emoções.
Em meia-dúzia de approaches elenco inúmeras máculas científicas e metodológicas precipitadas, de modo que, pelo menos para mim, essas elucubrações não merecem o menor crédito. Entretanto, pelo inusitado, pelo bizarro, e pela turbulência vivida nos anos trinta, FREUD logrou convencer ampla clientela.
“Nem mesmo Einstein impressionou a imaginação e afetou a vida de seus contemporâneos como Freud.” ( BRIAN, D.: 176)
Hoje, quando leio psicanalistas freudianos norte-americanos ou ingleses fico impressionada com os clichês que estão presentes. É um símbolo muito grave de encerramento sectário. Sim, os psicanalistas estão em todo lugar, mas sob que formas! É ridículo!
ROUDINSCO, Psicanalista, historiadora, docente e escritora Elisabeth,
Na década de 1920, a influência da vanguarda europeia sobre os modernistas brasileiros abre uma picada à penetração das ideias psicanalíticas: elas são úteis no Manifesto Antropofágico, de OSWALD DE ANDRADE; e MÁRIO DE ANDRADE sugeriu o termo sequestro para verter o nome do principal mecanismo de defesa proposto por FREUD - Verdrängung - o qual posteriormente seria melhor traduzido como repressão ou recalque.
Os iniciais posicionamentos eram cobertos por respingos jornalísticos. Raras conferências eram acompanhadas de alguma incredulidade, prestigiadas com atenção digna de peça surrealista. Pouco a pouco a psicanálise se fez assunto para conversas mais populares, e os cochichos tomaram conta do salão.  Em meados daquela década, PIERRE JANET (cit. CREWS, Frederick, O gênio da retórica. - Folha de São Paulo, 22/10/2000: 20) já bem alertara:
A meu ver, parece que o método psicanalítico é, antes de tudo, um método de construção simbólica e arbitrária; mostra como os fatos 'poderiam ser' explicados se a causação sexual das neuroses tivesse sido definitivamente aceita; mas a sua aplicação não pode ser adotada enquanto essa teoria ainda não estiver provada.
Não houve ressonância. Quem conheceria esse JANET? Aliás, sequer os alertas do mais famoso cientista foram ouvidos:
Por estas razões, devemos ter a precaução de não superestimar a ciência e os métodos científicos quando há problemas humanos em causa.
EINSTEIN, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião: 130

Em 1928 Einstein recusou-se por duas vezes a co-assinar a indicação de Freud para um prêmio Nobel em psicologia ou medicina. Em 1949 ele escreveu o seguinte sobre Freud a um conhecido: 'O velho tinha uma visão aguçada; nenhuma ilusão o ajudava a dormir, exceto uma fé muitas vezes exagerada nas suas próprias idéias'.
PAIS,
Abraham, Einstein viveu aqui: 223.
Em 1932, MARIE BONAPARTE, (cit. RODRIGUÈ, Emilio, Somos bicéfalos. - A Tarde: 5 Salvador, 14/10/1995) preocupada com as sensacionais descobertas da Física Quântica, completamente desconsideradas pelo homem do charuto, enviou-lhe uma carta:
Fiquei conhecendo aqui (Copenhagen) Niels Bohr que, como o senhor deve saber, é um dos mais proeminentes físicos de nosso tempo. Contudo, não posso aceitar um dos pontos de suas teorias sobre o 'livre arbítrio' do átomo. O átomo deve, agora, ser excluído do determinismo.
Ao que FREUD ( Idem, ibidem) respondeu:
“O que a senhora me diz sobre os físicos modernos é realmente notável. É aqui onde a cosmovisão de nossos dias efetivamente está se realizando. Cabe-nos apenas esperar para ver.”
O que lhe esperava só poderia lhe desmontar.
BOHR
(cit. JAMMER, Max: 173) disse ainda mais:
Além disso, o problema do livre-arbítrio, muito pertinente na filosofia das religiões, recebeu nova fundamentação, através do reconhecimento, na psicologia moderna, da frustração das tentativas de olhar a experiência, no que diz respeito a nossa consciência, como uma cadeia causal de acontecimentos, tal como originalmente sugerido pela concepção mecanicista da natureza.
Em 32 as certezas da Física Quântica e da Teoria da Relatividade já haviam alcançado unanimidade. Não se tinha mais nada a esperar; havia, isto sim, muito a reformular, mas DURVAL MARCONDES se apressaria para que as elucubrações freudianas se impusessem entre nosotros, macaquitos brasileños. Em correspondência direta com FREUD, o tupiniquim fundou a Revista Brasileira de Psicanálise (único número,1928), e organizou em São Paulo a Sociedade Brasileira de Psicanálise (1927). Em seguida convidou alguns europeus titulados para ministrarem as lições, e assim formarem um primeiro grupo de psicanalistas verde-amarelos. Por fim, no esteio de MELANIE KLEIN chegou na capital paulista a Dra. ADELHEID KOCH (1937) para encerrar "a fase diletante da psicanálise brasileira" e o peculiar hermetismo que guardava o Pantheon. Pronto. Com a "democracia" do Estado Novo, proliferaram-se as sociedades de Psicanálise em diversas capitais; e à medida que atingiam determinados padrões, eram aceitas como filiadas pela Associação Internacional de Psicanálise (IPA, em inglês). Para completar, durante as décadas de 1950 e 1960, até Londres servia de meca psicanalítica. O fato britânico afiançava a correção científica, não meramente ideológica, da metonímia psicanalítica. A publicação dos três volumes da biografia de FREUD, por ERNEST JONES, assim como dos primeiros volumes da nova tradução inglesa dos Gesammelte Werke, de JAMES E ALIX STRACHEY, vasto empreendimento com 24 tomos, (Standard Edition of the Complete Works of Sigmund Freud) estimulou especialmente os analistas cariocas. Segundo observa o Prof. RENATO MEZAN. todavia, essas traduções resultaram fracassadas, por desprovidas de coerência terminológica, eivadas de erros.
JACQUES LACAN colheu o ensejo da década famosa e empreendeu o "retorno de Freud ao Quartier Latin". O estudo resultou maior familiaridade com o pensamento do mestre de Viena, e na transformação de LACAN como interlocutor tanto para a teorização quanto para a prática clínica, o que não era o caso nos países de língua inglesa. A partir de 1970, as doutrinas lacanianas começam a ser divulgadas na América Latina, em especial na Argentina. Os porteños vinham para cá - primeiro como conferencistas visitantes, e depois como emigrados políticos - para oferecer a "nova visão da obra freudiana" desfrutada na França.
Durante a década de 1980 nosso país mantinha vários convênios com a Universidade de Louvain, Bélgica, importante centro lacaniano. Os pesquisadores retornaram com expressiva bagagem, com conhecimento e valorização extremada de FREUD, assim contribuindo para incrementar sua difusão entre nosotros.
A presença da psicanálise e da psicologia entre los hermanos é significativa. Existe um psicólogo a cada 649 argentinos, número que torna a Argentina no país com maior número desses profissionais em todo o continente americano. O segundo colocado está na sua frente: no Uruguai, há psicólogo para cada 900 habitantes. O Brasil tem um para 1.154 pessoas. Por coincidência, mas não por acaso, todos também apresentam os mais altos índices de catolicismo. Eis as pernas platônicas. Eis nosso carma.

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