Compete a uma mesma ciência procurar a propósito da melhor forma de governo, o que ela é, quais são as condições que podem dar-lhe a perfeição desejável, independentemente de todos os obstáculos exteriores, e qual é a que convém mais a este ou aquele povo, pois é provavelmente impossível à maior parte deles possuir a mais excelente. Não se trata apenas de considerar a melhor constituição, mas a que for mais praticável, e a que for de mais fácil execução, e a que se ajustar melhor aos diferentes Estados.
Aristóteles
O modo de organização social, seja por regime que se quiser, antes de expressão popular, é consequência de formulações científicas e/ou metafísicas. Desde os tempos mais remotos, quando não havia nem lei, tampouco dinheiro em circulação, as nações eram conduzidas de acordo com os preceitos mais elevados, emanassem eles de Delfos, ou de filósofos.
"O que impulsionou o autor de
O Capital a decretar ‘uma verdadeira capitulação da liberdade face à necessidade foi a ambição de erguer a sua ‘ciência’ ao nível da ciência natural, cuja categoria fundamental era ainda a necessidade."
(ARENDT, A., On Revolution, 1963, cit. GIORELLO: 243)
As ciências políticas sofrem seguidos reparos. Nada tem adiantado, contudo. À esquerda, à direita, ao norte ou ao sul, os pastores conduzem as ovelhas com o único intento: tosqueá-las.
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A questão primordial atendia apenas à designação de
quem deveria governar.
Com governantes eleitos e temporários, acreditou-se que a questão estava resolvida. No entanto, abateu-se a "tirania da maioria": a sociedade – e não uma pessoa – passa a fazer as vezes do tirano. Importante se tornou o
modo de governar.
Nos dias de hoje, os indivíduos estão perdidos na multidão. Em política, é quase uma trivialidade dizer que agora a opinião pública governa o mundo. O único poder que merece esse nome é o das massas e o dos governos, que constituem o órgão das tendências e instintos da massa.
MILL, J.S.: 101
O desafio do XXI excede aqueles primários intentos. Não há mais como designar nem
quem, e sequer estipular o
modo de governo.
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A democracia venceu por retirar a exclusividade do poder do governante, seja ele Rei, Imperador, Ditador, ou o nome que for, inclusive se eleito democraticamente. A divisão dos poderes salvaguardava a liberdade, mas o estigma do poder do povo desconhece limites. O povo se torna enfeixado pelos partidos políticos, e desse modo os poderes são paulatinamente capturados, em nome da propalada vontade da maioria.
Vox Populi se anuncia voz de Deus. Como confrontá-la? Mas, antes de tudo, como discernir uma voz, ainda que em coro, no meio da multidão cantarolante? Assim é que o modo cartesiano de aferir a certidão foi implantado: reparte-se o povo, e o coro mais alto submete os demais. O que se apura é o contrário do que se busca.
Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria o período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria um homem idoso, à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença de sua juventude, e a oscilação contínua.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 121.
Para infelicidade geral, ainda que a massa não possa ter vontade, que é exclusiva prerrogativa individual, ainda assim, pelo confronto das forças, mesmo individuais, propala-se apurar a correção. Nada mais falso. O mecanismo da representação política é tão somente resultado de um processo de encenação entre organizações partidárias, na melhor estratégia para a conquista e manutenção do poder.
O Estado, totalmente na sua génese, essencialmente e quase completamente durante os primeiros estádios da sua existência, é uma instituição social, levada a efeito por um grupo vitorioso de homens sobre um grupo derrotado, com o único propósito de regular o domínio do grupo vitorioso sobre o vencido, defendendo-se da revolta interna e dos ataques do exterior. Teleologicamente, este domínio não seguia outro objectivo que não fosse a exploração económica dos vencidos pelos vencedores.
OPPENHEIMER, Franz (1861-1943), cit. www.farolpolitico.blogspot.com
À
dialética o que menos importa é o sufixo.
Pela semiótica, na sintaxe e na semântica do prefixo dial percebe-se o pragmatismo do adjetivo dual, ou seja, duplo, anunciante das duas éticas - uma, real, legítima; outra a que interessa, dissimulada. O que surge é a necessidade primeira de se estabelecer o confronto. Para tanto, parte-se o objeto em duas metades. De um lado, os ingênuos. Do outro, os que se acham espertos. Uns contra os outros é o ideal. Ambos se enfraquecem, para o engradecimento do introdutor:"Sempre que os homens se dividem da sociedade como um todo e tentam se unir pela identificação dentro de um grupo, é óbvio que o grupo irá gerar um conflito interno, o que levará a um rompimento de sua unidade."
(BOHM, D.:31)
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Na era das chaminés, nenhum empregado isolado tinha um poder significativo em qualquer disputa com a firma. Só uma coletividade de trabalhadores, unidos e ameaçando parar o uso de seus músculos, podia obrigar uma administração recalcitrante a melhorar o salário ou as condições do empregado. Só a ação em grupo podia reduzir ou parar a produção, porque qualquer indivíduo era facilmente intercambiável e, por isso, substituível. TOFFLER, Alvin, Powershift: As Mudanças do Poder, Um perfil da sociedade do século XXI pela análise das transformações na natureza do poder: 238
O mundo em que vivemos não é mais consequência natural do passado, dado a ruptura com inúmeros arcaicos instrumentos, mas acusamos um descompasso: enquanto a sociedade evolui descentralizada, diversificada, o Estado mantém a faina de imprimir sua marca, naturalmente calcada nos critérios de quem o detém.
Os partidos provenientes da Revolução Industrial confrontam-se, hoje, com questões novas que manejam com imperícia ou relutância, tais como a proteção do meio ambiente, energia nuclear, sexualidade, questões de drogas, minorias étnicas ou a explosão das novas tecnologias e da sociedade de informação. Os métodos de abordagem e aferição permanecem aqueles do tempo em que a vela era a rainha da noite. Decorrem da anomalia as flutuações nos resultados eleitorais, com índices alarmantes de votos brancos, inválidos e nulos. Grupos de protesto temáticos, como o bizarro
Partido Pirata têm maior sucesso em atrair militantes e apoios, nomeadamente entre os jovens, exatamente porque são mais flexíveis, mais locais, mas também porque coloca uma maior ênfase na participação e na militância. A imagem pública dos partidos do
status quo tem sido atingida pela sua conexão com o tráfego de influências e com os sinais de corrupção. O voto é agora caracterizado por altos níveis de instabilidade partidária ao nível agregado e individual, conquanto se acentuam grupos anti-políticos, movimentos e organizações cujo único ponto comum parece ser a sua antipatia face aos convencionais centros de poder. Os sistemas partidários sofrem acentuada e oportuna catarse.
MONTESQUIEU, no longínquo XVIII já advertira que as democracias não são apropriadas a grandes extensões territoriais. A restrição se agrava pelo crescente índice populacional, somados à complexidade da moderna sociedade. O comando centralizado, ainda que escolhido pelo povo, e mesmo obedecendo o molde iluminista, é completamente inapropriado às nossas atuais circunstâncias:
O Estado não tem o conhecimento necessário para adotar as medidas anticíclicas corretas. Na medida em que é extremamente baixa a probabilidade de se alcançar um estado final desejado em um mundo caótico, é difícil enxergar como o governo poderia especificar uma política para atingir esse objetivo, a não ser por acaso.ROSSER, J.B. Jr., Chaos Theory and New Keynesian Economics, The Manchester School, Vol. 58, n. 3: 265-291, 1990; cit. PARKER & STACEY: 95.
Os partidos já não oferecem a menor segurança.
Quando o PT assumiu o poder, seguiu ao pé da letra a receita de FHC - tanto nos acordos fisiológicos inevitáveis, quanto na tentativa de cooptação desses grupos barras-pesadas. A história ainda cobrará caro de FHC por ter institucionalizado o crime organizado no centro do jogo político brasileiro.
NASSIF, Luís, O sistema político brasileiro e o crime organizado. www.adital.com.br, 24/3/2009
"Quando jovens e famílias nacionais falam em deixar o país, é porque estão enojados de assistir à mesmice dos velhos truques de políticos carreiristas." (
CARDOSO, Júlio Cesar, O povo brasileiro está cansado da velha política, O Globo, 7/3/2009)
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