quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ter ou ser?

Ter ou ser são dois modos fundamentais da experiência, cujas respectivas forças determinam as diferenças entre os caracteres dos indivíduos e vários tipos de caráter social. FROMM, E., Ter ou ser: 36


Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do desenvolvimento econômico, precisamos enxergar muito além dele. SEN, Econ. Amartia


Muitos acadêmicos enveredam por vários cursos, e ainda assim não se satisfazem. Especialmente desde a Renascença, isso tem sido quase impossível: "Os bens são adquiridos com dedicação; porém, não há empenho algum pela pessoa que os vai possuir. (ERASMO DE ROTERDÃ, De Pueris: 27)
Naquele instante, os cientistas diziam:“Vamos fazer ciência sem levar em conta o que pensamos. Vamos esquecer a mente. Não precisamos de hipóteses."
Por estas razões, devemos ter a precaução de não superestimar a ciência e os métodos científicos quando há problemas humanos em causa; e não devemos presumir que os especialistas sejam os únicos a ter direito de se expressar sobre as questões que afetam a organização da sociedade.
EINSTEIN, Albert, Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião: 130
A ninguém deveria ser lícito alienar sua breve existência em prol do utilitarismo.
Como consequência desta atitude preponderante de egoísmo, os dirigentes da nossa sociedade acreditam que as pessoas podem ser motivadas apenas pelo incentivo de vantagens materiais, ou seja, através de recompensas e que não reagirão aos apelos da solidariedade e do sacrifício.
C. S. www.geocities.com/veneravel/Textos/resumo_do_livro_ter_ou_ser.html

A necessidade de se formar engenheiros — e a ligação dos mesmos com o desenvolvimento do país — tem sido cada vez mais destacada em trabalhos acadêmicos, em políticas públicas voltadas ao ensino superior e, mais recentemente, em políticas voltadas também para estudantes do ensino médio. Isso porque, de acordo com alguns especialistas, os jovens estão cada vez menos interessados em fazer os cursos de engenharia — que formam profissionais capazes de gerar inovações em áreas chave para o desenvolvimento econômico nacional.
GOUVEIA, Flávia & RIGHETTI, Sabine, Estímulo às engenharias chega às escolas do ensino médio. www.conhecimentoeinovacao.com.br, set/2009
Que dizer, não se pergunta ao ser o que ele quer ou precisa, qual sua vocação, mas o que o Estado pretende, ou entende que deva se desenvolver.
Nessa e em outras questões, o papel da maioria dos economistas tem sido o de propagar servilmente o ideário dominante. Mutatis Mutandis, aplica-se a eles o que dizia Schopenhauer dos filósofos do seu tempo: submetidos a regra do primum vivere, estão sempre dispostos, e com o mais solene desprezo por realidades inconvenientes, a deduzir a priori absolutamente tudo o que lhes for pedido, o bom Deus, o diabo ou o que seja.  ROSZACK, Theodore: 62
Se para o alimento mister cálculo e pensamento, não preciso fazer a rima - somos piores que o quadrúpede que evitei rimar:
A sociedade industrial moderna às vezes me dá a impressão de ser uma imensa máquina autopropulsionada. Ao invés de os seres humanos acionarem a máquina, cada indivíduo torna-se um pequeno componente insignificante sem outra opção a não ser mover-se quando a máquina se move.  DALAI LAMA, Ética para um novo milênio: 18
Felizmente a vida não se resume na sobrevivência. Ademais, as coisas ficam, mas nós temos prazo de validade.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido. CHAPLIN, Charlie
Ao não se levar em conta a sutileza, colhemos apenas o decorrente da avidez: "Somos uma sociedade de gente visivelmente infeliz: sós, ansiosos, deprimidos, destrutivos, dependentes – gente que se alegra quando matou o tempo que tão desesperadamente tentamos poupar."
Há muita matéria, galáxias e quarks e tudo à nossa volta, mesmo gente, mas faltam cérebros. A educação é alavanca ao aperfeiçoamento pessoal, mas a perfeição é apenas meta de orientação ao rumo. Tanto quanto a vida, o aprendizado só acaba na morte. A evolução não admite a estagnação material, sob pena de retrocesso. O "ter" deveria ser banido do dicionário:
"A paixão pelo ter conduzirá a uma interminável luta de classes."
Os estudantes que se incluem no modo ter de existência, ouvem uma lição, escutando as palavras e entendendo a sua estrutura lógica e o seu significado. Mas o conteúdo não passou a fazer parte do seu sistema individual de pensamento, enriquecendo-o e ampliando-o. Idem, ibidem.
Educação não pode ser restrita à aquisição da matéria; portanto, não é função do Estado. Essa é a essência do Teorema de Bell: a conexão invisível que podemos provar, mas não podemos ver.
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Se não é apropriada uma educação em função de ter, seria, então, mais lógico ela focalizar apenas o ser?
Talvez mal menor, mas há de se reparar a lição de Ortega: somos nós e nossas circunstâncias. Se não as salvarmos, não nos salvamos. Ou então, pela Quântica:
Você tem que ter um universo para tornar as coisas reais nele. Então provavelmente você precisará de matéria nele. Parece que o nosso tipo de consciência e a matéria são inseparáveis. Se nós realmente acharmos uma conexão entre a mente e a matéria, e essa for uma conexão quântica, então nós acharemos um jeito de mergulhar no oceano da mente.
Nick Herbert & A Natureza da Realidade
Trata-se de nosso refrão, ora pois:
Matéria sem espírito não tem sentido.
Espírito sem matéria não é sentido.
Quando o Império Romano desabou, mudou de nome. Passou a Vaticano. Pronto. Novo exército à serviço da educação, desta feita do amor, não da guerra. Como o estado evolutivo somente é aferido diante do momento que precede a mutação, qualquer coisa era melhor do que a espada. E lá se foi o homem na espiral da novel presunção.
Quando a peste assolava uma região da Idade Média, os sacerdotes reuniam os habitantes nas igrejas. Supunham que o povo unido jamais seria vencido. Quanto mais vozes integrassem o coro da oração, mais forte e eficaz seria o apelo, irresistível. Vox Populi, Vox Dei. Como conseqüência, a praga se propagava com extraordinária rapidez. Eis um exemplo humanista, mas consequência da força de vontade, apenas, de um amor sem conhecimento. Não há responsabilidade. Não serve.
A cultura medieval superior floresceu porque o povo seguia a visão da cidade de Deus. A sociedade moderna floresceu porque o povo foi vitalizado pela visão do crescimento da Cidade Terrena do Progresso. Em nosso século, porém, esta visão deteriorou-se no que foi a Torre de Babel, que está agora começando a ruir e em última análise sepultará a todos em suas ruína. Se a Cidade de Deus e a Cidade Terrena foram tese e antítese, a única alternativa para o caos é uma nova síntese. FROMM, E., 195
Pois então, nem ter, nem ser. Esses verbos são apenas estratégicos intrumentos da dialética à introdução de outra arbitriedade qualquer. Se a premissa é falsa, seu contrário também o será, tanto quanto a síntese daí obtida. Estamos nesta vida para adquirir experiência. Nem ter, nem ser, mas conhecer. Isto significa viver. Conhecer para usufruir e compartir: eis a matéria-prima da ética, interação que se aprimora até a despedida, até nos transformarmos em energia pura.
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