sábado, 12 de setembro de 2009

Da (a)tocha olímpica


Venho insistindo há tempos que por detrás da crise atual econômicofinanceira vige uma crise de paradigma civilizatório. De qual civilização? Obviamente se trata da civilização ocidental que já a partir do século XVI foi mundializada pelo projeto de colonização dos novos mundos. Este tipo de civilização se estrutura na vontade de poder-dominação do sujeito pessoal e coletivo sobre os outros, os povos e a natureza.
BOFF, Leonardo, Zen e a Crise da Cultura Ocidental
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Durante seu desenvolvimento pelo pensamento grego, a filosofia da natureza enveredou por um caminho equivocado. Esse pressuposto errôneo é vago e fluído no Timeu, de Platão.
WHITEHEAD, A. N. O conceito da natureza: 31
A marca da filosofia platônica é um dualismo radical. O mundo platônico não é um mundo de unidade, e o abismo que, de diversas formas, resulta dessa bifurcação, surge em inúmeras formas.
KELSEN, H., 2001: 81
Como e por qual razão se estabeleceu esta sub-versão dialética, a discordância, a contraposição àqueles tão prosaicos, mas efetivos princípios sociais encaminhados pelo continente asiático?
Depende do que se quer, e de onde se estiver.
PLATÃO e os filhos greco-romanos habitavam em diminutas regiões, disputadas palmo a palmo. Não havia a menor harmonia entre os interesses de Esparta e Athenas, Roma ou Cartago. Então, dê-lhe carnificina.
A configuração de coletivismo extremado desde o século V a.C. é vista na Grécia como um modelo perfeito de Estado, com a coletividade assim rigidamente aparelhada e destinada à defesa do Estado.

O que lhes importava era antes de tudo o poder, especialmente sobre os vizinhos, objetos de escravidão, e por isso, de comércio.
EINSTEIN
(cit. GABERDIAN, H. GORDON: 314) apesar de toda religiosidade não poucas vezes expressada, soube bem compreender:

No homem primitivo era o medo, acima de quaisquer outras emoções, que o levava à religião. Esta religião do medo – medo da fome, de animais selvagens, de doenças e da morte – revelava-se através de atos e sacrifícios destinados a obter o amparo e o favor de uma divindade antropomórfica, de cujos desejos e ações dependiam aqueles temerosos sucessos.
Para fundar a Academia, o Rei da separação tomou as mais drásticas resoluções:
1) Apaixonado por SÓCRATES, e encantado com o orfismo, PLATÃO promulgou a separação primordial, razão da presença de DEUS:
“A terra, ou seja, a matéria, é contraposta à verdadeira natureza da alma, que é ‘boa’. A matéria representa o mal.” (PLATÃO, cit. KELSEN, 1998: 3)
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2) Fascinado por PITÁGORAS, o grego proibiu a entrada de poetas, artistas, letrados, e filósofos. Eles levavam ao onirismo, à confusão. Somente quem tivesse vocação à matemática poderia adentrar no Pantheon. No tal Epinomis, o carma prescreve:
"A ciência dos números, dentre todas as artes liberais (?!) e ciências contemplativas, [ou seja, apenas especulações, isentas de responsabilidade porque improváveis] é a mais nobre e excelsamente divina."
Ao ser questionado porque o homem se diferenciava doa animais, a sapiência foi categórica: "Porque sabe lidar com números."
Para Platão, a ordem e a beleza que vemos no Cosmo resulta de uma intervenção racional, intencional e benigna de um divino artesão, um 'demiurgo' (δημιουργός), que impôs uma ordem matemática a um caos preexistente e, assim, produziu um Universo divinamente organizado, modelo eterno e imutável.
Pl. Ti. 26a. - www.greciantiga.org
Daí à presunção exacerbada transcorreu apenas um lapso:
“Podemos dominar tudo por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo.” (WEBER, Max, Ciência e política: duas vocações: 30)
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3) A partir do choque dos contrários, apurar-se-ia a certeza. Eis a função da Justiça, em dois planos: no mundano, levado à cabo pelo Estado; e no divino, pelo Criador.

De fato, foi o cristianismo quem incitou o indivíduo a constituir-se em juiz de todas as coisas, a mania de grandeza converte-se em quase um dever.
NIETZSCHE
, F.,
Vontade de Potência, Parte 2: 205..
Na fi­losofia budista, coexistem espírito e matéria, denominados Sambhogakaya e Nirmanakaya. A consciência única, Dharmakaya, os ilumina. Podemos obtê-la pela intuição. O grego simplesmente a subverteu por completo, retorcendo a ética por causa do desespero, na melhor das hipóteses:
O dialético degrada a inteligência de seu antagonista. Só se escolhe a dialética quando não se tem mais nenhuma saída.
NIETZSCHE,
2000:20
OS ESTÓICOS quebraram o mito da tribo orgânica espartana. Para SÊNECA, o ser reflete a alma, é o que possui valor. FOUCAULT (Resumo: 122) navegou pelo tempo:
“Pode-se dizer que, em toda a filosofia antiga, o cuidado de si foi considerado, ao mesmo tempo, como um dever e uma técnica, uma obrigação fundamental e um conjunto de procedimentos cuidadosamente elaborados.”
Com o descobrimento, entretanto, desaparecia essa filosofia; e com ela, o indivíduo.
A Renascença precisava da força maior, a começar com MAQUIAVEl:

Por todo lado haverá sangue. Haverá sangue nas ruas, sangue nos rios, as pessoas navegarão em ondas de sangue, lagos de sangue, rios de sangue. Dois milhões de demônios serão largados do céu, porque mais mal foi cometido nestes últimos dezoito anos do que durante os cinco mil que os precederam.
MELETO, Frá Francesco de, em 1513, cit. GRUZINSKI, Serge: 45.
Os portugueses monopolizaram o comércio das Índias Orientais durante cerca de um século, e só indiretamente e através deles é que as outras nações europeias conseguiam enviar ou receber bens desse país. Quando os holandeses, no início do século passado, começaram a intrometer-se, os portugueses outorgaram todo o comércio das Índias Orientais a uma companhia exclusiva. Os inglêses, franceses, suecos e dinamarqueses seguiram todos este exemplo, de modo que nenhuma grande nação europeia se beneficiou ainda da liberdade de comércio para as Índias Orientais.
SMITH, Adam, Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações: 748
A Espanha levava a vantagem inicial pelo domínio da inesgotável fonte da América Latina. Não necessitavam seus governantes muita criatividade para tratar do ingresso de divisas no País, exceto para enganar e depois dizimar incas e aztecas. Felipe II, O Torturador, mantinha fortíssimo controle sobre o comércio e a agricultura. Preocupava-lhe a alimentação do enorme contingente requisitado à Invencível Armada.
Foi quando um grande retrógrado e sofista da ciência política inglêsa suspirou batizado de THOMAS HOBBES (1588-1679), para crescido dar paternidade ao Estado Leviathan.
No dizer de BOBBIO, (A Teoria das Formas de Govêrno: 107) HOBBES “o maior filósofo político da Idade Moderna, até Hegel”.
Os ingleses se amarraram no carma:
"Políticas mercantilistas para promover o comércio exterior do reino à custa dos rivais, especialmente os holandeses, começaram à época de Cromwell e tiveram prosseguimento com Carlos." ( WILLS, John E.: 230)
“A doutrina do Estado de Hobbes é a mesma doutrina do Estado totalitário contemporâneo.” (VIATOUX, Joseph, cit. : PRELOT, Marcel, vol II: 263).
ROBERT NISBET ( cit. BOBBIO, N., Thomas Hobbes: 154) corrobora:
“Poucos são os escritores que tiveram maior influência do que Hobbes no desenvolvimento do moderno Estado centralizado.”
"O medo foi a única paixão da minha vida." (T. HOBBES)
Eis a razão da marcante covardia:
“Hobbes justifica racionalmente o poder absoluto, a partir duma concepção puramente materialista da natureza do homem, egoísta e perseguido por fobias.” (CHEVALLIER, Jean-Jacques, As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias: 19)
Igual trauma inspirou "o mais servil lacaio de PLATÃO", na qualificação popperiana:
“Em 1806, o exército napoleônico invade a cidade, e Hegel, cuja casa é saqueada, foge, salvando alguns pertences, entre os quais Fenomenologia do Espírito, publidada no ano seguinte.” (
ABRãO, B.: 347)
“A cisão é a fonte da exigência da filosofia", concluiu HEGEL. (Differenzschrift;
cit. CÌCERO, A.: 73)
O produto de tão brilhante cátedra foi a ascenção do nazismo, fascismo, comunismo, e dezenas de mais ou menos assemelhados, a degradação vertiginosa do globo em dois séculos de absoluta estupidez, a ponto de se anunciar o Declínio do Ocidente, ora novamente experimentado. Delineado o negro Fio-de-Ariadne que compõe a teia ocidental, e seus pontos cardeais, fica fácil desmanchá-la, em prol de uma gente mais fraterna, alegre, solidária, implicada até a medula no entremeio do Universo.
Ao longo irei coletando mais dados, flagrantes, teorias e fatos que corroboram não só o acerto oriental, tão desconhecido para nós, bem como o completo equívoco do ocidente em manter (a)tocha olímpica acesa.
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