sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A sub-versão educacional brasileira


Augusto Comte, cujas idéias hoje fossilizadas são simples curiosidade nos museus filosóficos, pertencia à perigosa espécie dos que se julgam donos da verdade e se auto-atribuía uma missão que o levou à beira da loucura. Suas idéias eram uma mistura de messianismo e dogmatismo: uma monomania pseudocientífica. A política devia obedecer a critérios científicos, impostos por uma minoria de especialistas. A representação política não tinha qualquer valor; o único que importava era a competência. A política 'científica' consistia em fazer de cada indivíduo um funcionário social, totalmente subordinado ao poder. Nada mais estranho ao pensamento de Comte do que a noção liberal de direitos individuais: 'Todo direito individual é uma abstração, a sociedade é a única realidade'. Nada de divisão de poderes: o Legislativo e o Judiciário deviam ser inteiramente subordinados ao Executivo. Tudo para o Estado, nada para a sociedade; em suma, um completo sistema de despotismo espiritual, político e social. CANGUILHEM, Georges, Cahiers pour l'analyse; cit. DESCAMPS, C.,: 88
MONTEQUIEU advertira: a salvaguarda dos tres poderes era apropriada apenas para pequenas extensões territoriais. A História consagra o célebre estrategista: o regime democrático se mostrou competente para varar o EspaçoTempo, mas apenas em países com dimensões reduzidas. A única excessão superou o óbice ao dividir o Country em vários pequenos estados, e por isso logra o apogeu. Haveria algum motivo concreto para MONTESQUIEU restringir sua própria criação?
Pode-se cogitar que na medida que aumenta o contingente populacional, reduz-se a possibilidade do consenso, a pedra-de-toque da concepção democrática. Mas o fundamento de seu receio era a constatação de que não se pode exigir conduta igual a povos distantes. A tendência à centrifugação se acentua nas bordas; e quanto maior o disco, acelera-se o efeito, de modo que a desintegração é apenas questão de tempo:
Não existe essa verdade absoluta. A mesma paisagem apresenta diferentes aspectos a diferentes pessoas que a vêem de diferentes pontos de observação. É uma coisa para o pedestre, uma coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador. Toda experiência é relativa a pessoa exposta a essa experiência particular. EINSTEIN, Albert
NAPOLEÃO, todavia, enfeixou todos os poderes, e impôs sua verdade tal qual absoluta. A partir de então o centralismo tomou conta do salão. Avalizado pela ciência mecanicista e, se possível pela religião, o poder hipertrofiado esmagava "quaisquer disposição em contrário." Os cidadãos existiam para compor o todo orgânico, imperativo de quem lhe é superior em gênero, número e grau. Como o espírito de corpo requer ideologia aprimorada, o primor de AUGUSTO COMTE formulou a cadência apropriada.
O falso profeta não logrou sensibilizar os ingleses de LOCKE, tampouco os alemães, de HEGEL. E mesmo em sua terra natal, já exausta dos desmandos napoleônicos, suas radicais proposituras não se faziam apreciadas. A França preferia enveredar rumo ao socialismo, a grande novidade da época. O Journal des Ouvriers, o Artisan e Le Peuple datam de setembro de 1830; e as insurreições, em novembro de 1831. Exceto em raros estádios, como o da Sorbonne, o maior astro da imposição ainda seria ofuscado pela vibrante presença de MARX, e da companheirada socialista, de PROUDHON a LOUIS BLANC, de GUIZOT a AUGUSTO BLANQUI.
A Paris operária, com a sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não conseguirão resgatá-los.
MARX, Karl, Guerra Civil em França - 30 de Maio de 1871
Avança (no) Brasil
O Ministério da Educação recebeu nesta sexta-feira o relatório da comissão formada para rever as diretrizes curriculares do curso de jornalismo. A principal sugestão do grupo, formado por renomados professores e pesquisadores da área, foi uma maior integração entre prática e teoria durante a formação.
Terra, 18/9/2009

O ministro da Educação, Fernando Haddad chamou atenção para o aumento de 140 mil analfabetos entre as pessoas com mais de 25 anos, especialmente no Sul e no Sudeste, o que para ele não é "algo compreensível". Segundo ele, é como se pessoas que se declararam alfabetizadas em um ano se declarassem analfabetas no ano seguinte.
Idem.
Ou seja, permanecemos no mundo da Lua, ou não?
Adotávamos uma caricatura do modelo americano, consubstanciado na divisão espacial do poder, técnica que vinha sendo utilizada com algum êxito pelo Império, mas a Guerra do Paraguai lhe turvou.
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A França detinha enorme caldo cultural. Os franceses se impunham como língua diplomática; e por latina, era para nosotros mais familiar do que o idioma inglês. Paris já fazia moda no mundo, e sua arquitetura por demais admirada. A Cidade-Luz legava tres alternativas de composição de Estado: a primeira, a imitação inglesa através da divisão dos poderes, fora imediatamente abortada; a segunda, na linha platônica, alistavam-se DESCARTES, ROUSSEAU, o próprio NAPOLEÃO, e ultimamente AUGUSTE COMTE, cordão de alto apelo gravitacional. Por fim, a revolucionária prima socialista, ainda não provada sua eficácia ou certeza. Que modelo melhor se adaptaria ao gigante latino-americano?
A resposta parece óbvia, e assim o golpe militar de 1889 argolou toda Nação aos ditames pseudocientíficos do positivismo, a ponto de cunhá-lo em nosso pavilhão, até hoje incólume:
Inspirados na filosofia de Auguste Comte e na sua Teoria dos Três Estados ou Estágios de Civilização (o teológico, o metafísico e o científico ou positivo), os republicanistas que se opunham aos democratas defendiam uma república provisória com meio para alcançarmos a ordem e o progresso. Segundo eles, somente numa ditadura sociocrática, nos moldes positivistas, poderiam ser resolvidos os nossos problemas; para atingirmos esse objetivo tornava-se necessária a instauração desse regime ditatorial e, ao combaterem então a monarquia esses políticos defendiam o republicanismo.
DA SILVA, Prof. Nady Moreira Domingues, Positivismo no Brasil, Universidade Federal do Maranhão.
De acordo com BOBBIO (1987: 54)
As primeiras histórias das instituições foram histórias do direito,
escrita por juristas que com freqüência tiveram um envolvimento
prático direto nos negócios do Estado.
Infelizmente as últimas também assim se sucedem, mas naquela época se assentaram as bases da impostura:
A República está próxima. E não há como resistir. As sociedades obedecem ao influxo de leis tão exatas, precisas e invariáveis como as que regem os fenômenos transformadores do mundo físico. É que os fenômenos sociais estão sujeitos às leis naturais, como os fenômenos físicos. É que há uma física social.
CASTILHOS, Julio, cit. FLORES, Hilda Agnes Hubner, Revolução Federalista: 18
Recém estendida a cabeça-de-ponte que baniu o tenro sistema federativo brasileiro, a estratégia militar para instalação da república positivista no Brasil requeria a consolidação das posições sobre o esquálido e patético povo, um novo mercado a ser explorado; mas antes de tudo, reservado aos "profissionais".

Como em Esparta, só à classe governante é permitido portar armas, só ela tem direitos políticos ou de outra espécie, só ela recebe educação, isto é, um adestramento especial na arte de manter em submissão suas ovelhas humanas, ou seu gado humano.
POPPER, K., 1998, Tomo I: 60
Para ilustrar o modo de perversão educacional e o dano social protagonizados pelo Estado, o tenente-coronel BENJAMIN CONSTANT BOTELHO DE MAGALHÃES, investido como ministro da Instrução Pública, "reformou o ensino justamente de acordo com os pontos de vista de Comte." (ANDERY, M.:380)
A "Instrução Pública" formou enorme contingente de engenheiros, pragmáticos juristas, economistas, políticos, educadores, mercantilistas e gente disposta a se vestir de verde-oliva, mas não o verde da produção.
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894.
COSTA, C.: 38
Dentre eles, podemos citar a luta pela constituição de um campo profissional pelos médicos diplomados, as interferências que a ideologia positivista exerceu no reconhecimento da profissão, o papel da religião, da caridade e da magia na percepção da doença pelos leigos e sua interferência na posição que era assumida pelos médicos diante das mesmas.o positivismo era uma marca na formação das elites políticas do Rio Grande Sul e interferiu nas reações do poder público às tentativas de parte do corpo médico em criar restrições ao exercício de sua prática profissional, à adoção de medidas de intervenção para evitar a propagação das doenças e àquelas relativas à organização do espaço e da higiene urbana.
SILVEIRA,
Anny Jackeline Torres, WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião, magia e positivismo na República Rio-Grandense ¾ 1889-1928. Revista Brasileira de História. v.22 n.43 São Paulo 2002
A família do paulista LUÍS PEREIRA BARRETO (1840-1923) é bom exemplo do êxito do casamento entre o mercantilismo e a ciência praticada, no caso médica. BARRETO adquirira seu elevado conhecimento junto à grande autoridade positivista da Bélgica - MARIE DE RIBBENTROP. (www.geocities.com/positivismonobrasil), enquanto seu irmão mais velho, o Comendador Zé Pereira organizava a caravana Bandeira Barreto (1876). A missão era se apossar de enorme extensão territorial no oeste paulista, à fazendas de café. Ribeirão Preto e Resende (RJ) foram loteadas à grande família paramilitar, nela incluída, naturalmente, ainda mais meia-dúzia de seus irmãos, todos ferrenhos positivistas, claro.

...as ciências humanas que se desenvolveram no interior da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, como era então denominada por ocasião de sua fundação, teve a sua marca francesa. Sua origem foi sociológica com forte influência filosófica.
QUIRINO,
Célia, Depto de Ciência Política da USP - Estud. av. vol.8 no.22 São Paulo Sept./Dec. 1994
Os pampas também passaram loteados por meio século, para garantirem o gado à paulicéia. O governo submetia a gauchada sob os auspícios do sabre, mas "respaldado nas ciências médicas", especialmente:
Muitos historiadores consideram a influência do positivismo no Brasil como fenômeno único e afirmam, inclusive, que a matemática desempenhou um papel essencial na introdução e divulgação do positivismo no país. O motivo disso é que houve uma instituição que desempenhou um papel decisivo para isso: a Escola Militar do Rio de Janeiro. Lá a ideologia positivista encontrou forte sustentação, e pode, então, atingir a vida social, política, pedagógica, e ideológica brasileira. Os docentes de matemática desempenharam um papel muito importante na propagação das idéias positivistas. Nessa escola a matemática era, inclusive, a disciplina principal. Durante um período de mais de cem anos (1810-1920) a Academia Militar do Rio de Janeiro (e todas suas ramificações - Escola Central, Escola Militar, Escola Politécnica, escolas preparatórias) foi praticamente a única instituição onde os brasileiros podiam adquirir conhecimentos matemáticos sistemáticos de nível superior e obter um diploma debacharel e doutorado em ciências físicas e Matemáticas.
SILVA, Circe Mary Silva da, A matemática positivista e sua difusão no Brasil. - Vitória, UDEFES, 1999 : 13

A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais.
LOVISOLLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil: 242
A Politécnica também produzia empresários,equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações e concessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvover à sombra do Estado.
www.anpocs.org.br


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