quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Direito Quântico: A viabilidade da ordem espontânea

Onde quer que vejamos vida, de bactérias a ecossistemas de grande escala, observamos redes com componentes que interagem uns com os outros de maneira tal que toda a rede regula e organiza a si mesma.
CAPRA, F. 1996: 176
Sabemos que o universo manifestado, que parece ser formado por objetos sólidos, é na verdade composto por vibrações, com os diferentes objetos vibrando em frequências distinta. CHOPRA, DEEPAK, A realização espontânea do desejo: 124
Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação.
Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade. JAPIASSÚ, H. :10
PONTES DE MIRANDA (p. 58), foi o jurista brasileiro mais citado no século passado. Poucos sabem do dilema sofrido pelo excepcional formulador. O enigma se tornou ainda mais tormentoso devido à sua própria orientação acadêmica. A sentença condenaria todo o arcabouço positivista pelo qual apaixonadamente seguira por toda a vida. Que cosa fare? Ninguém menos do que o festejado autor da Teoria Pura do Direito também capitularia:
O estudo de como surge a ordem, não em conseqüência de um decreto de cima para baixo da autoridade hierárquica, seja política ou religiosa, mas como resultado de auto-organização por parte de indivíduos descentralizados é um dos acontecimentos mais interessantes e importantes de nossa época. KELSEN, H., A democracia: 140.
A presunção de cientificidade positivista desabava espetacularmente, e com ela a crença de poder “ver para prever”, da ação estipulada (delito) à reação calibrada (punição) que sustenta toda a atividade normativa e, de resto, econômica e jurisdicional.
Onde quer que haja organismos, o que mais importa conhecer é o complexo 'organismo x meio'. Os próprios elementos dos organismos estão sempre e necessariamente em relação mediata ou imediata com o conjunto de outros elementos. A interação é o fato perene do mundo. Como, pois, limitar a aplicação do relativismo?
Seria possível a civilização produzir essa ordem hierárquica natural, assim se adequando à evolução universal? A resposta é positiva. Muitas civilizações pelo menos tangenciaram a hipótese, com inegáveis vantagens.
FRIEDRICH von HAYEK* denominou de Kosmos esta ordem espontânea, resultante de um permanente processo de seleção (i.e., a sociedade, a civilização). De Taxis, ou seja, de taxa, ou seja, ainda, que fere, a ordem deliberadamente constituída (p. ex. as ditaduras e autoritarismos políticos)
Em que pese a natureza evoluir de modo aparentemente caótico, há uma espécie de ética que permeia as relações entre o espaço e o corpo, o decurso do tempo e a trajetória sideral, de modo que as diferenças, sejam quais forem, se adequam; portanto, seja da maneira que for, pode-se determinar movimentos hierárquicos.
O caos para o senso comum é surreal, mas vários autores, cada vez em maior número, vislumbram padrão e sentido inerentes às bizarras formações.
DAVID BOHM (Totalidade e Ordem Implicada) constata: a ordem natural comprovada explícita é prerrogativa restrita do EspaçoTempo que ocupamos, mas não significa que tudo se resuma a isso. Antecipa-lhe uma Ordem implícita de um universo não-manifestado, não-percebido, não-local. Aliás, para o notável cientista, o fundamento da ordem é esta, implícita. Ordens explícitas são apenas como ondulações passageiras na superfície da implícita. Pois é por essas meras ondas que o Direito mais tradicional é positivado, codificado!
A diferença fundamental, que deve ser a razão primeira da propositura anárquica, em vez das disposições apreciadas ou dispostas como hierárquicas, muitas vezes confundidas com aristocráticas, ou elitistas, é que a ordem natural não requer nenhuma força; mas a ordem política, social, jurídica e a econômica que nos são impostas, somente podem ser introjetadas, aceitas e praticadas a manu militaire.
* * *
O elemento que mais danifica as relações civis e até comerciais emerge com rótulo de defensor. O exemplo mais contundente pode ser apreciado na regulamentação de trabalho, um ordenamento estratégico genuinamente fascista. Prega o confronto, para estabelecer o acordo; ou melhor, sua imposição. Desliga, e oferece a religação. Dessarte o homem se torna não lobo do homem, mas escravo do homem que detém o poder.
Não é propriamente pela anarquia que se propugna, senão que pela ausência de comando, que é quase o mesmo, mas não é o mesmo, e o resultado também é divergente.
Todo homem possui sua finalidade particular, de modo que mil direções correm, umas ao lado das outras, em linhas curvas e retas; elas se entrecruzam, se favorecem ou se entravam, avançam ou recuam e assumem desse modo, umas com relação às outras, o caráter do acaso, tornando assim impossível, abstração feita das influências dos fenômenos da natureza, a demonstração de uma finalidade decisiva que abrangeria nos acontecimentos a humanidade inteira.
NIETZSCHE, F., Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 74
Enquanto a ordem hierárquica político-social é garantida pela baioneta ou pelo direito construído através da expressão codificada, onde o legislador se coloca como sujeito, e a sociedade como objeto, a ordem sócio-natural provém da opção do agente, ele próprio sujeito e objeto.
* * *
Antigamente o poder vinha pelas armas. Ora o poder ainda se evidencia pela riqueza. Também não serve. Desse modo quem possuir dois carros, duas camas e duas escovas-de-dentes tem que ser o dobro feliz.
Einstein insinua que a ciência se deve ocupar, em primeiro lugar, não de noções que, na sua essência, estão marcadas por uma grande carga metafísica, como as de 'força' e 'matéria', mas antes daquilo a que agora chamamos 'intersecções’ no espaço-tempo de linhas do universo.
(HOLTON: 127).
Parece flagrante que a "carga", pelo menos na base, já está sendo descartada:
A civilização emergente estabelece um novo código de comportamento para nós e nos transporta para além da padronização, da sincronização e da centralização, para além da concentração de energia, dinheiro e poder. Essa nova civilização tem sua própria e distinta concepção de mundo, maneiras próprias de lidar com o tempo, o espaço, a lógica, e a relação de causa e efeito.
ORMEROD, P.: 194
Uma concepção que reconheça este desabrochar reduziria de modo drástico os costumeiros desgastes sociais e pessoais levados à cabo pelo carma platônico, na faina sectarista:
O conceito de um mundo sutilmente interligado, um oceano cósmico no qual estamos intimamente ligados uns aos outros e à natureza, assimilado por nosso intelecto e abraçado por nosso coração, poderá talvez inspirar novos modos de pensar e de agir que transformem o espectro de uma derrocada global no triunfo de uma renovação global – uma renovação para uma era mais humana e sustentável.
LASZLO: 205
"Isto faz dos seres vivos elementos numa vasta rede de inter-relações que abarca a bioesfera de nosso planeta – que em si mesma é um elemento interligado dentro das conexões mais amplas do campo psi que se estende pelo cosmos." (Idem: 198 )
Por certo o prisma atomístico levado à sociedade pode sofrer a acusação reservada às utopias. Neste caso, não fugirá à regra primeira do zenith platônico:

Mas desde o momento em que o Estado – conforme HEGEL – assume a realidade do direito como desenvolvimento de uma pura idéia, pretensamente moral, em pleno voluntarismo jurídico, a tarefa de legislar tende a converter-se num facere. Trata-se de um fazer mediante o qual sua vontade trata de levar à prática a construção de uma sociedade nova, por um método que combina o idealismo, que lhe ministra o modelo, e o empirismo, com o qual trata de construí-lo. Assim ficam abertas as portas a todo o intento de realizar científicamente qualquer tipo de utopia.
GOYTISOLO, J. V.: 154
Portanto, uma inovação pode ser até do mesmo quilate, mas a continuidade da metomínia de plano assegura, com certeza, o rumo de Marte, justo por não amar-te.
Para Michaël Zöller, sociólogo alemão da universidade de Bayreuth, o que se chama de Estado é certamente um sistema de interesses pessoais organizados, uma Nova Classe. Como todos nós, sua ambição é aumentar a remuneração e a autoridade. Como classe, ocupam-se, pois, a desenvolver seus poderes, suas intervenções e sua parte no mercado, isto é, a apropriação pelo setor público dos recursos nacionais, operada através do imposto sobre a sociedade civil.
SORMAN, G. :74.
Pois não é mesmo isso que se apura, aqui e alhures?
Por qual Minerva devemos continuar submissos a tamanhos grilhões?


Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum.
KRAEMER, Eric, grand mutation; cit. GOYTISOLO: 69
A possibilidade de assimilação e adoção de um Direito Quântico parece coisa para ano-luz, ainda mais com os inevitáveis interesses particularizados ou corporativos, mas no EspaçoTempo bastará mínima alteração.
Como criar organizações que continuem vivas? Como criar organizações que não nos sufoquem com seus ditames de controle e obediência? A resposta é clara e simples. Precisamos confiar no fato de que nós temos a capacidade de organizar a nós mesmos e precisamos criar condições que favoreçam o florescer da auto-organização.
Whetlay, Kellner-Rogers,
Um caminho mais simples: 58
Qualquer grau de cambagem colocará colocará a proa em oriente mais compatível com o estágio de conhecimento e consciência que ora detemos.
Tento um heurístico compacto nesta primeira semana do agosto, que muitos dizem de bom gosto. Tem razão. Amanhã aniversaria Fernanda.
.
À Preciosa Princesa
alcanço o presente,
na mira de seu futuro.
.


___
____________
*O austríaco Friedrich von Hayek estudou na universidade de Viena, onde recebeu grau de Doutor em Direito e Doutor em Ciências Políticas. Em 1974 foi-lhe conferido o Prêmio Nobel de Economia. Hayek é considerado o maior expoente da chamada escola austríaca de economia. Suas obras mais conhecidas: O Caminho da Servidão, Os Fundamentos da Liberdade e a trilogia Direito, Legislação e
Liberdade.

..

2 comentários:

  1. Caríssimo Dr. César Augusto,
    convicto de convicções assemelhadas,
    somente nos cumpre, honrado e feliz,
    cumprimentá-lo pela excelência do Blog,
    e pela persistência de toda uma vida dedicada a:
    "no rastro da ciência desde a adolescência".
    Muito nos honrará a possibilidade de troca de emails; circusntância em que, esperançoso, aguardo.
    Fraeternamente - Sinicio

    ResponderExcluir
  2. Sr. João Alfredo Sinicio,
    Dignificado por seu interesse, agradecido por tão gentil registro. À troca de emails, disponha:
    allmirante@hotmail.com

    ResponderExcluir