segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A apatia da Ciência Política



O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. BOBBIO, N., Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos: 252
Para tão nobres ideais, a força se faz  via mais rápida e mais eficaz.
As grandes questões atuais não serão resolvidas por discursos ou por decisões majoritárias - esse foi o erro de 1848 e 1849 - mas por sangue e ferro!  BISMARCK, Otto von, discurso em 1862, cit. MCNALL, Edward, LERNER, Robert E. e STANDISH, Meacham: 573.
A tanto, de que servem Teorias?
NAS ÉPOCAS de pouca informação, parca experiência e muito terror era fácil embrulhar todo mundo:
A política do governo prussiano de reprimir ao invés de cooptar o movimento operário levou ao surgimento de um poderoso partido social-democrata revolucionário, que se tornou um modelo para os trabalhadores de toda a Europa. O PSD alemão foi imitado pelos franceses, belgas e italianos. Os movimentos trabalhistas holandês, escandinavo, suíço e americano seguiram os passos do movimento alemão. Oradores eram convidados de honra nos sindicatos que aconteciam em toda a Europa Ocidental e Estados Unidos. Os movimentos operários russo e eslavo também se inspiraram no alemão, e a segunda Internacional Comunista estava sob a liderança reconhecida do partido alemão. Suas filiações ultrapassavam 1 milhão em 1912; nos sindicatos, dois e meio milhões. SCHWARTZ, J., O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna: 130
O "convencimento", caso não logrado pelo "senso comum", pela cultura previamente disseminada, vinha pela coerção e repressão, na guarida do racionalismo da imposição:
“A palavra 'poder', pelo tratamento que lhe dá a ciência política, virou eufemismo para dissimular o fato da 'dominação'.” (COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 133)
Nem sequer um doutrinário da democracia como Rousseau, com a concepção organicista da volonté générale, princípio tão aplaudido por Hegel, pode forrar-se a essa increpação uma vez que o poder popular assim concebido acabou gerando o despotismo de multidões, o autoritarismo do poder, a ditadura dos ordenamentos políticos.
BONAVIDES, P. : 56
* * *
A FÍSICA
enfrentou duas ou tres mais contundentes revoluções; e a política sofreu os impactos correspondentes. Ambas se estabeleceram naquelas distantes terras de Academus..
Por falta de instrumentação, a primeira foi praticamente olvidada, mas aquelas fórmulas pretensamente políticas lograram sensibilizar primeiramente os romanos, através de seus dois impérios- o mais explícito, e o sutil religioso.
Depois de muito tempo chegou a notícia fatídica: a Terra não era centro do Universo; por consequência, os reis divinos igualmente deveriam ser deslocados.
Coube aos bretões promoverem o ponta-pé inicial. Os players diluíram o poder, mas a França preferiu enfeixá-lo ainda mais: excluiu o abstrato dogma celestial, em troca da ordem exata numeral. FOUCAULT, (Resumo dos Cursos do Collège de France: 83) dimensiona o câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
"Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, Auguste, cit. FURET: 1989: 191)
O carma ocidental penetrava ainda mais profundamente:
Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos; combinam centralização e soberania popular. Isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam.
BENJAMIM CONSTANT, (1767-1830),
cit. BOBBIO, 1993: 59.
Nesta época se supunha que o Universo fosse regido por forças antagônicas. As distensões dariam o equilíbrio que todos usufruíamos, e assim esses parâmetros foram deslocados para as humanas. Informa-nos o jornalista GILES LAPOUGE:
Na França, desde 1789, ou se era vermelho ou branco, padre ou leigo,burguês ou socialista, reacionário ou progressista. E entre os dois grupos inimigos, as pessoas se estripavam, cortavam-se em pedacinhos, insultavam-se, desprezavam-se.


Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.
BASTIAT, Frèderic, A Lei: 63
MARX elevou o embate às últimas consequências, e com isso haveria a reação correspondente.O mundo se dividiu pelas tacanhas metafísicas, e o que se viu foi o maior festival de barbárie.

Que esperança
Durante longo tempo o ideal do conhecimento científico foi aquele que Laplace havia formulado com sua idéia de universo totalmente determinista e mecanicista. Segundo ele, uma inteligência excepcional dotada de uma capacidade sensorial, intelectual e computacional suficiente poderia determinar qualquer momento do passado e qualquer momento do futuro. É essa visão pueril e talvez louca do mundo que está prestes a desmoronar, mas ela ainda reina, e efetivamente excluiu todo o problema da reflexividade.
MORIN, Edgar 2000:
: 32
Quase:
Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum.
KRAEMER, Eri, La grand mutation; cit. Goytisolo: 69


Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela sua relação com aquele filósofo.
JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Trad: Arthur M. Parreira. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003: 581
"Weber podia concordar com os transcedentalistas que a política é pura 'astúcia', o Estado, um 'embuste', e a democracia, o 'teatro dos demagogos'." (DIGGINS: 115)
O carma parece corrimão de escada rolante - um passado que insiste acompanhar a gente.
* * *
A disciplina de faculdades e universidades em geral é artificial, não para o benefício dos alunos, mas para o interesse, ou mais propriamente falando, para a facilidade dos mestres.
SMITH, Adam, The Wealth Of Nations
, Book V, Chapter I, Part III, Article II, p.
A Riqueza das Nações, Livro V, Capítulo I, Parte III, artigo II, p.
764, para. 764, par.15. 15.
Alguém que se dedique a rastrear os liames políticos não pode permanecer circunscrito às segmentações acadêmicas, às disciplinas profissionalizantes. Nas palavras de EDGAR MORIN, a tarefa requer "um contrabando do saber", fruto da peregrinação pelos distintos segmentos e especialidades. É-lhe útil uma lente “panorâmica", ao invés de microscópica. É pelo mosaico, pelo leque das ciências, que podemos mais corretamente divisar. Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão "poliocular". Assim orientava HENRY POINCARÉ (cit. ABBAGNANO: 100), no último canto do XIX, de certo modo se antecipando a EINSTEIN por frações de segundo:
"A ciência, por outras palavras, é um sistema de relações. Portanto, só nas relações se deve procurar a objectividade: seria inútil procurá-las nos seres considerados isoladamente uns dos outros."
Relações não são confrontos, bem entendido. O cosmos, e tudo mais, se integram em relações.
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Da apatia

No contexto da sociedade brasileira, de onde apenas recentemente emergiram as ciências sociais, e em que o uso da Ciência Política tem sido extremamente limitado, é pertinente colocar-se, como passo inicial de estudo, a clássica interrogação: é possível o conhecimento científico do fenômeno? E, como desdobramento: se possível, seria viável a prática de tal conhecimento? A questão, ainda que levantada dentro de uma academia, não tem nada de acadêmica, no sentido tradicional do termo. Pelo contrário, implica assunto da maior relevância, particularmente se levamos em conta a perplexidade que, nas várias camadas dos povos latino-americano, tem gerado a aparente falta de perspectiva do momento presente, do ponto de vista político.

TAVARES, J. N., A viabilidade da ciência política.- www.achegas.net/numero/nove/jose_tavares_09.htm
Pelo visto, ainda necessitamos da força, pelo menos daquela preconizada por NIETZSCHE (Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 45):
"Para poder viver, o homem deve possuir a força de romper um passado e de aniquilá-lo e é necessário que empregue essa força de tempos em tempos."



Um comentário:

  1. Manuel Pereira Barbosa24 de agosto de 2009 às 08:34

    Sigo todas as suas crónicas no blog ALLMIRANTE- Bravo.-
    Manuel Pereira Barbosa - mpblp@clix.pt

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