segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A sub-missão do Estado de Direito


O antigo direito não é obra do legislador; o direito, pelo contrário, impõe-se ao legislador. COULANGES, Fustel: 100


Quando na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistrados, o poder legislativo se junta ao executivo, desaparece a liberdade; pode-se temer que o monarca ou o senado promulguem leis tirânicas, para aplicá-las tiranicamente. Não há liberdade se o poder judiciário não está separado do legislativo e do executivo. MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis, Livro XIX.

Os antigos governantes se preocupavam apenas em manter a harmonia das relações sociais.
Os reis não tinham precisão da força material; não tinham exército nem finanças, mas a sua autoridade, sustentada por crenças possantes e cultivadas no comando da alma, mantinha-se santa e inviolável. COULANGES, F., A Cidade Antiga, p. 219
O Renascimento despertou a ambição. "Pouco a pouco, os soberanos compreenderam que a justiça podia ser também pretexto para a extensão de seu poder e a afirmação de sua autoridade." (BOBBIO, N. e VIROLLI, M.: 130)  MARX demonstrou que o intento era apenas manter privilégios econômicos, e assim a massa foi convocada para escolher quem se dispusesse mudar o costume.
Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário. RUDE, George: 196
Para RENÈ KONIG (Soziologie heute, cit. GOLDMAN, L., Ciências Humanas e Filosofia - Que é a Sociologia: 40), professor das Universidades de Zurique e Colônia, isso nada mais era do que “elemento do processo de autodomesticação social da humanidade”.
Nas décadas de 1830 e 1840, certos parlamentares da aristocracia e da classe média britânica tomaram a seu cargo a articulação de interesses das classes trabalhadoras. Nesse caso, eles não estavam respondendo a pressões e demandas encaminhadas de baixo, e sim agindo como guardiães independentes e voluntários desses interesses negligenciados ou suprimidos. ALMOND & POWELL: 60.
Desde então, as leis passaram a regular todas as relações econômicas, seja de produção, as mais raras, mas principalmente da distribuição da riqueza, entendida esta como fruto do capital, não do trabalho.
Foi portanto do utilitarismo do século XIX que nasceu a idéia de que se podia subordinar a atividade do legislador a uma teoria 'científica' da justiça, definida pela maximização do prazer, a um algorritmo que daria automaticamente a solução 'correta' e que permitiria fazer a economia do político.  AUDARD, Catherine, cit. RAWLS, John, Justiça e Democracia: XXX

O Estado alemão era, evidentemente, uma burocracia. E, embora outros Estados também o fossem, a burocracia alemã entrou para a história como um exemplo, enquanto mecanismo de controle e regulação da sociedade. O povo alemão lhe dispensava um respeito e uma obediência sem paralelo no resto da Europa. Comparando-se com outros impérios, somente na Rússia se incluia uma gama tão vasta de profissões e vocações nas categorias de serviço público como a que se registrava na Alemanha da época. AMORIM: 48
FOUCAULT, (Resumo dos Cursos do Collège de France: 83) assinala a dimensão do câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
O ápice do desatino foi protagonizado na U.R.S.S., e a enormidade assustou todo o mundo. Como arrefecer o ímpeto proletário? Simples: era só colocar dinheiro no bolso da plebe. Pronto. Todos se tornariam capitalistas.
O medo atingira o povo e a liderança seria entregue àqueles que oferecessem uma saída fácil, a qualquer preço. A época estava madura para a da economia a serviço de um novo sonho americano...a solução fascista. POLANYI: 275
Até mesmo um intervencionista como GALBRAITH (1989: 197) se espantou: "O poder nos EUA foi mais concentrado do que se costuma imaginar. Quem controlava o Pentágono, a Cia, o Departamento de Estado, o Tesouro e o homem que coordena estes órgãos na Casa Branca, controlava tudo, e tudo isso o sistema controlava."
A intervenção sem precedentes do Federal Reserve (o banco central americano) pode ser justificável ou não em termos estreitos, mas revela, mais uma vez, o caráter profundamente antidemocrático das instituições capitalistas, feitas em grande medida para socializar o custo e o risco e privatizar os lucros, sem uma voz pública. CHOMSKI, Noah, do Massachusetts Institute of Technology, à BBC
Assim é que os tres poderes são reduzidos ao sabor de quem detém a chave do cofre.
Sair da armadilha de uma inflação super-indexada e, ao mesmo tempo, instituir um plano de estabilização monetária, é somente um dos exemplos clássicos da importância do economista para a sociedade. O economista calcula tudo e sua formação filosófica, ética, matemática, teórica e trans-disciplinar, o coloca em situação privilegiada entre os outros profissionais, podendo flexibilizar-se entre a consultoria e auditoria de empresas e a tecnoburocracia do setor público, podendo também se especializar em projetos de viabilidade econômico-financeira e ministrar aulas e pesquisas nas faculdades. E.Ç., Economista insubstituível, www.cofecon.org.br, 13/8/2009
O bizarro é que o regime inflacionário é criação, exclusiva, do economista endeusado.
Não deve estranhar, por outra parte, a preponderância dessa opinião confusa e ridícula sobre o direito, porque uma das máximas desditas do tempo é que, ao toparem os povos do Ocidente com os terríveis conflitos públicos do presente, se encontraram aparelhados com instrumental arcaico e ineficiente de noções sobre o que é sociedade, coletividade, indivíduo, usos, lei, justiça, revolução, etc. Boa parte da inquietação atual provém da incongruência entre a perfeição de nossas idéias sobre os fenômenos físicos e o atraso escandaloso das "ciências morais". O ministro, o professor, o físico ilustre e o novelista soem ter dessas coisas conceitos dignos de um barbeiro suburbano. Não é perfeitamente natural que seja o barbeiro suburbano quem dê a tonalidade do tempo? ORTEGA Y GASSET, Rebelião das Massas, Prefácio.:
Então apresenta-se o causador como salvador, ao malogro dos tres poderes:
A lei já não é um instrumento da justiça entendida em seu significado tradicional. É um meio dirigido à realização da concepção quantitativa da justiça que cuida de impor; um meio para transformar a sociedade conforme o modelo ideal que o legislador pretende instaurar. Aparecem assim as leis que em primeiro lugar pretendem iludir e mobilizar o povo, para que este caminhe gostosamente na direção - acertada ou não - que o governante deseja. E se a função de legislar se estima, ademais, como facere para realizar estas ilusões de transformar a sociedade ou de impor uma macro-justiça quantitativa: não resulta acaso a matematização como instrumento mais eficaz dessa pretensa macro-justiça? Mas como vimos antes, esta se realiza a custa de milhares de injustiças e da perda do sentido mesmo do justo e da virtude da justiça. TELES Jr., Goffredo, O Direito Quântico: 280
Os golpes "democráticos", na verdade econômicos, solapam o regime federativo, embrulham os poderes legislativo e judiciário; e, por conseqüência, tolhem a liberdade do cidadão.
A diferenciação teórica e prática entre democracia e autoritarismo nunca foi tão difícil de ser feita como hoje, na medida em que suas características antagônicas nem sempre se encontram separadas em regimes opostos, se não muitas vezes convivendo dentro do próprio regime democrático. Isto quer dizer que num sistema político onde seus dirigentes possuem impunidade para violarem a lei, não respeitando os direitos individuais ou das minorias, a vontade política da maioria expressada através do exercício eleitoral não pode ser considerada autenticamente democrática. O que garante a legitimidade democrática, em última instância, é o rigor do Estado de Direito. LEIS, Hector, O mandato democrático-autoritário do populismo contemporâneo. 28/1/2010
O que agora excita... é o efeito, considerado desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos Estados econômica e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Nestes últimos anos lemos não sei quantas páginas sempre mais polêmicas e sempre mais documentadas sobre a crise deste Estado capitalista mascarado que é o Estado do bem-estar, sobre a hipócrita integração que levou o movimento operário à grande máquina do Estado das multinacionais. Agora estamos tendo outras tantas páginas não menos doutas e documentadas sobre a crise deste Estado socialista igualmente mascarado que, com o pretexto de realizar a justiça social (que Hayek declarou não saber exatamente o que seja), está destruindo a liberdade individual e reduzindo o indivíduo a um infante guiado do berço à tumba pela mão de um tutor tão solícito quanto sufocante BOBBIO, Norberto, O Futuro da Democracia: 132
O indivíduo tornou-se mais consciente que nunca de sua dependência para com a sociedade. Não vive essa dependência, contudo, como uma vantagem, um vínculo orgânico, uma força protetora, mas antes como uma ameaça a seus direitos naturais, ou até a sua existência econômica. EINSTEIN, A. Escritos da Maturidade: 133

sábado, 29 de agosto de 2009

Emblema e dilema da Democracia.

Democracia é um regime de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de representantes eleitos — forma mais usual. Uma democracia pode existir num sistema presidencialista ou parlamentarista, republicano ou monárquico. Wikipédia
A Wiki reflete o senso comum, mas nem na democracia o povo decide algo, sequer indiretamente:
Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria o período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria um homem idoso, à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença de sua juventude, e a oscilação contínua.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 121.
A única diferença dos totalitarismos é que o povo pode escolher entre um ou outro quem irá lhe governar. Isso pouco tem de democrático: ."A idéia de democracia implica ausência de chefes." (KELSEN, H., 1993:88)
Vejamos aquela outra oração mais impactante, no costumeiro conceito: "Democracia é o governo do povo, exercido pelo povo e voltado aos interesses do povo."
Também não dá. É sofisma. E dos piores. Povo não tem interesse. Quem tem são as pessoas. Os interesses são tão difusos quanto elas. Dessarte, a democracia consagra o governo de algumas pessoas, dizem que da maioria, exercido por algumas pessoas, (em alguns países, porque no nosso é por apenas uma) no interesse de algumas pessoas. Isso parece, e a história me confirma, admitindo apenas uma exceção, a maior armadilha pela qual somos envoltos:
Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos; combinam centralização e soberania popular. Isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam. CONSTANT, Benjamin, 1767-1830, cit. Bobbio, 1993: 59
Tudo depende, portanto, de se fazer com que os súditos acreditem que o governo é bom e justo, e de os cidadãos sentirem-se felizes em obedecer às suas ordens - daí todo conjunto de medidas draconianas, aniquiladoras de toda liberdade de pensamento, sugeridas por Platão tanto na República quanto nas Leis, a fim de produzir e conservar nos súditos essa crença. KELSEN, H.: 501
Democracia não é objeto. Por não ser suscetível de apropriação, não lhe cabe a designação do povo. De outra parte, nenhuma democracia é exercida pelo povo, sequer indiretamente, e isso nem requer maior controvérsia. Por fim, o povo, uma entidade totalmente abstrata, não tem interesse exclusivo, já mencionamos, mas tantos quantos forem os seus integrantes, milhões de interesses, o que, evidentemente, é impossível de contentar. Portanto, nestes termos, ela é apenas uma forma mascarada, na melhor hipotese, na hipótese mais democrática, de uma oligarquia:
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. O totalitarismo aspira ao extremo oposto da democracia: ele luta para pulverizar a sociedade e estabelecer um controle completo sobre esta [...] O objetivo último do totalitarismo é a concentração de toda a autoridade nas mãos de um corpo autodesignado e autoperpetuado de eleitos que se denominavam 'partido', mas parece uma ordem, cujos membros devem lealdade a seus líderes e uns aos outros. Esse objetivo pressupõe controle, direto ou indireto, conforme as circunstâncias, dos recursos econômicos do país. PIPES, R., 2001:251
Tentemos uma definição catedrática:
Democracia hoje é considerada uma forma de Aquisição ao Poder, exemplos: Nossa Forma de Estado é (Estado Federal), Forma de Governo (República), Sistema de Governo (Presidencialismo), Forma de Aquisição ao Poder ou Regime ( Democracia Representativa). http://forum.jus.uol.com.br/73649/democracia-forma-regime-ou-sistema-de-governo
Esta me parece bem confusa. Seu foco se restringe ao modo de aquisição e conservação do poder. Como o poder é do povo, não podendo ser apropriado por ninguém, nem por grupo ou partido, parece claro que a disposição é escassa, Por ela é melhor ser vítima de conto-de-vigário do que ser assaltado. A rigor, dá no mesmo:  "Muitos dos terroristas de ontem são hoje presidentes ou ministros na América do Sul." (Vereadora eleita Lucía Pinochet Hiriart, filha mais velha do ditador chileno Augusto Pinochet 1915-2006, em Folha de S.Paulo, 2/11/2008)
O show eleitoreiro voltou à carga em toda a América Latina e, quase como denominador comum, se oferece como panorama uniforme para a ressurreição do velho caudilhismo militar latino-americano, ao ascenso das aristocracias sindicais e à estréia eleitoreira de ex-guerrilheiros arrependidos. Toda essa fauna responde a uma tática fascista... Mais uma vez, milhões de cartazes pelas ruas, múltiplos comerciais televisivos com personagens que esboçam sorrisos hipócritas ao carregar crianças maltrapilhas em falso gesto protetor. Sucedem chamadas radiofônicas apregoando repetitivamente as mesmas promessas de mais trabalho e desenvolvimento. Enormes avisos publicitários portam rostos cínicos nas ruas; batalhões de adventícios entoam o nome de seus futuros verdugos, enquanto politicastros — uns mais demagogos ou mafiosos que outros — chegam, erguidos nos ombros de fornidos mercenários, em enormes palanques instalados nas praças das principais cidades da América Latina. Multidões famélicas assistem ao vivo e em cores os supostos redentores em quem depositam vãs esperanças ou de quem receberam, como prebendas baratinhas,
algum dinheirinho ou miseráveis sacolas com mantimentos.
SABA, Pablo, www.anovademocracia.com.br
O que caracteriza a democracia como mais prudente, e por isso mais querido, ou praticado sistema de governo não é quem irá exercer o comando, mas o modo de exercê-lo.

Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que
nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar.
Rawls, J., Justiça e Democracia, p. XV
Pelo que entendo de democracia, embora na sociedade deva haver hierarquia, ela deve ser consensual,n atural, e portanto, per se desprovida de poder. Considerando a tradição, entretanto, é certo que não há democracia se não houver, no mínimo, dois poderes, e o comum são três. Esta estratégia na origem se à divisão entre Executivo e Legislativo - visando justamente a salvaguarda popular da Inglaterra, precisamente em 1689. Até então os reis, em combinação com o Vaticano, enfeixavam todos os poderes sobre os habitantes, de todos os países.
JOHN LOCKE arquitetou esta modalidade na qual todos poderiam sair ganhando, inclusive o rei, exceto aquele intermediário, claro. O soberano poderia continuar exercendo o comando, mas as leis seriam elaboradas por assembléia. "Assinalando o triunfo final do parlamento sobre o Rei, punha a termo definitivo a monarquia absoluta na Inglaterra. Nunca mais uma cabeça coroada desafiaria o legislativo daquele País." (BURNS: 529)
BOBBIO (1992: 3) retrata:

Na era dos direitos passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção orgânica tradicional.-
O Estado Absolutista virou Estado Democrático, Liberal, ou de Direito, critério tão bem explicado por MABLY (Doutes Proposes aux Philosophes Economistes sur l'Oredre Naturel et Essentiel des Societes Politiques; cit. idem:144):

Em política, os contrapesos são instituídos não para privar o poder legislativo e o executivo da ação que lhes é própria e necessária, mas para que seus atos não sejam convulsos, nem irrefletidos, apressados ou precipitados. Criam-se dois poderes rivais para que as leis tenham poder superior ao dos magistrados, e para que todas as ordens da sociedade tenham protetores com quem possam contar. Forma-se um governo misto a fim de que ninguém se ocupe só com seus próprios interesses; para que todos os membros do Estado, obrigados a ajustar-se aos interesses alheios, trabalhem para o bem público, a despeito das suas próprias conveniências.
A inovação logrou imediato êxito: a Inglaterra trocou os confrontos internos e internacionais, por uma estupenda produção, cujo resultado a elevou muito acima dos países continentais.
A França, contudo, por século inteiro permaneceu no ancien règime, e quando precipitou a catarse, teve que dividir o povo inteiro.
Nem sequer um doutrinário da democracia como Rousseau, com a concepção organicista da volonté générale, princípio tão aplaudido por Hegel, pode forrar-se a essa increpação uma vez que o poder popular assim concebido acabou gerando o despotismo de multidões, o autoritarismo do poder, a ditadura dos ordenamentos políticos.
BONAVIDES, P. : 56
"Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, AUGUSTE, cit. FURET: 1989: 191)
Apurou-se o terror jacobino (1792-94), a oligarquia do Diretório (1794-99), e o despotismo napoleónico (1799-1814). O resultado foi a permanência do comando supremo, não mais de um rei, mas de um psicopata imperador, que levou a força popular à potência máxima, para dizimar a vizinhança e alhures.
Da Revolução Gloriosa, poucos tiveram notícia. Mas da afamada Francesa, graças ao sofístico lema de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, somada à sua estratégica posição geográfica, e a pujança de seus campos, todos ainda festejam como ápice dos direitos humanos.
Os bairristas franceses acabaram parcialmente rejeitando ROUSSEAU, mas buscaram adaptá-lo à conjugação dos dois outros maiores expoentes - DESCARTES e MONTESQUIEU. Graças à maior incidência dos apelos greco-romanos no seio latino, o ideal de Justiça tomou maior vulto, e o autor do Espírito das Leis elevou a metonímia à condição de Governo, formando, destarte, a mais clássica modalidade, assentada em très poderes, em princípio independentes mas harmônicos, em funcionamento mecânico de freios e contra-pesos, check- and-balance, porque “como o despotismo humano causa à natureza humana males espantosos, o próprio mal que o limita constitui um bem.” (MONTESQUIEU, Livro Quinto, Vol I: 74)
Nada disso, infelizmente, tem brecado a volúpia da procissão:
Criminalidade no Congresso Nacional configura crise institucional
Complacência do Senado e da Câmara dos Deputados frente aos indícios de crimes cometidos em massa por muitos de seus integrantes leva a perda de confiança da população nas instituições parlamentares e no processo eleitoral, o que configura uma crise institucional.
www.transparencia.org.br

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A urgência de nova ciência política

A ciência política é a teoria e prática da política e a descrição e análise dos sistemas políticos e do comportamento político. Existe uma discussão acerca do seu objeto de estudo que para alguns, é o Estado e, para outros, o poder. A primeira posição restringe o objeto de estudo da ciência política; a segunda amplia. A posição da maioria dos cientistas políticos, segundo Duverger, é essa visão mais abrangente: a ciência política estuda o poder. (Wikipédia)..
Quando alguém nos pergunta o que somos em política, ou, antecipando-se com a insolência que pertence ao estilo de nosso tempo, nos adscreve simultaneamente, em vez de responder devemos perguntar ao impertinente o que ele  pensa que é o homem e a natureza e a história, que é a sociedade e o indivíduo, a coletividade, o Estado, o uso, o direito. A política apressa-se a apagar as luzes para que todos estes gatos sejam pardos. GASSET, José Ortega Y, A rebelião das massas: 15
As ciências sofreram duas mais espetaculares revoluções. Na primeira, a ilusão metafísica ainda logrou pegar carona:
Foi a estrutura do mito judaico-cristão que tornou possível a ciência moderna. Porque a ciência ocidental se funda na doutrina monástica de um Universo ordenado, criado por Deus, que permanece fora da natureza e a governa por leis acessíveis à razão humana.  (JACOB, E, cit. JAPIASSÚ, H., Ciência e destino humano: 33)
Ironicamente, é esta perversa estrutura que nos afasta não só da ciência, como especialmente da própria consciência.
Tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo. ZOHAR, D., O Ser Quântico, Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência, baseada na nova física: 188.
Até ser readequada ao ditame religioso a revolução coperniciana-galileana revolucionou o concernente  domínio geopolítico por colocar em xeque o maior dogma da instituição. Diante do inegável deslocamento da Terra, lá se foi Rei Divino, "A ciência havia destronado a teologia, colocando no altar a deusa da Razão." (SOARES, M.P.: 25Como representante máxima pintou a "política realista", de MAQUIAVEL. “Antes que Descartes dissesse que sua metafísica não era senão geometria, Maquiavel pode ter pretendido que sua política não era mais que matemática, com seus signos fundamentais, mais, menos, igual.” (GOYTISOLO, Juan Vallet de: 28.A “genialidade” maquiavélica vem desse empírico e obsoleto paradigma anexado, conexão de racionalidade mecanicista flagrada por Gusdorf (As Revoluções da França e da América: 163.) A própria “razão” provém de cálculo. Seu designativo remete ao ratio, latim, significando ratear, contar, dividir, multiplicar. MARCÍLIO MARQUES MOREIRA (O Pensamento Político de Maquiavel:14) o retrata: “O secretário da República florentina era amigo das leis e teórico empírico da força.” Força, não se discute, é conceito de Física. Ainda mais força-bruta.
Após dois séculos sobreveio a cartesiana divisão através dos partidos, e a contagem dos votos, expressão de melhor certeza.
Idéias arrojadas passaram a circular: idéia de progresso; a estranha doutrina de direitos individuais; a noção roussoniana de um contrato social; o secularismo; a separação da Igreja do estado; e a nova idéia de que os líderes deveriam ser escolhidos pela vontade popular, não por direito divino. TOFFLER, Alvin & TOFFLER, Heidi: 31
Curiosamente lavrava-se o campo às ainda maiores devastações já protagonizadas pela chamada civilização: “No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais.” ( LEMKOW, A.: 86)
Há muito estou convencido da importância de aprofundar a teoria
das forças sociais que podemos comparar, em larga medida, às forças da dinâmica que agem sobre a matéria.
SOREL, G., Greve Geral Política: 195
Pois enquanto as gentes se deslumbravam com o brilho do ouro, com a matéria, chegando ao ápice do feixe marxista engolfar o maior país da face da Terra, um gajo muito imaginativo deu a entender que dentro da própria matéria havia algo invisível que a formava. O que se via era apenas projeção de uma realidade vedada aos nossos olhos. O informativo chegou com formidável advertência:
O conceito científico do tecido do universo tem de mudar. A recém-confirmada teoria de Einstein exigirá uma nova filosofia do universo, uma filosofia que vai varrer quase tudo o que se tem aceito até agora.(Fabric of the Universe. - The Times de Londres, editorial de 7/11/1919)
E lá se foram, ou pelo menos era para terem ido, todas as concepções científicas em voga, em especial as cartesianas positivistas e marxistas, pernas direita e esquerda do totalitarismo.
Devo agora deter-me e falar em nome da grande fraternidade que une os especialistas em mecânica. Hoje estamos plenamente conscientes de como o entusiasmo que os nossos predecessores nutriam pelo maravilhoso êxito da mecânica newtoniana os levou a fazer generalizações no campo da preditibilidade que hoje sabemos serem falsas. Todos nós desejamos, por isso, apresentar as nossas desculpas por haver induzido em erro o nosso público culto, difundindo, a respeito do determinismo dos sistemas que aderem às leis newtonianas do movimento, idéias que após 1960 se revelaram inexatas. LIGHTILL, James, presidente da Union Internationale de Mécanique Pure et Apliquée.
Diante da enxurrada de perturbações sociais, no entanto, nada disso foi levado à sério, de modo que ainda nascemos sob a égide da grande ficção.
Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem. BARNETT, L. O universo e o Dr. Einstein: 12
Ora os vagões das humanas tentam proceder esta outra reconvenção, desta feita desprovidas de seus dois negados, mas costumeiros parâmetros - a metafísica e matemática. Resta-lhes, pelo menos, ver-se confirmada a ética em vez da dialética como regente universal, algo perfeitamente identificável na simbiose gravitacional; na entropia; na teoria da relatividade; nas teorias de campo e do caos; e no comportamento dos eletrons em suas órbitas sobre os núcleos atômicos
Das Ciências Políticas
A grande epopéia das Luzes incluía no mesmo movimento o justo e o belo. Organizava um afresco tranquilizador da natureza e da sociedade. Os romances de aprendizagem diziam como se conduzir e se comportar. Ora, as indicações foram se desagregando nas sociedades industriais contemporâneas. Como poderiam ter consciência? DESCAMPS, C., As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França: 27
Há 2.500 anos a civilização vem conduzida por esses astutos, pretensos sábios, e desviruados executivos, em revezamento constante.
O que caracteriza os primeiros estudos sobre a sociedade é, precisamente, um ponto de vista finalista e normativo: finalista, isto é, tendo unicamente em consideração o ideal a realizar, a investigação do que deve ser a 'melhor' organização social e política; normativo, quer dizer, a preocupação imediata de estabelecer normas, regras de ação para a vida coletiva. É este, particularmente, o ponto de vista dos filósofos. Bastará recordar, quanto à antiguidade, a República e as Leis de Platão, a Política de Aristóteles... CUVILLIER, A., Introdução à Sociologia – OS PROBLEMAS SOCIOLÓGICOS
BOBBIO  (Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos: 252) sintetiza a formidável  metafísica:
O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. 
O grande Senador, uno dei maggiori intellettuali del Novecento, quis ser irônico, posso comprendê-lo. A quem lhe interprete ao pé da letra, peço perdão: o mero afã pelo poder não constitui "teoria política",  mas motivo, quanto muito técnica de tomada e exercício de poder. Trata-se mais de método de medição de forças do que de apuração, ou depuração. E não requer teoria, nem prática, ou habilidade - apenas aparato, seja bélico, ou  financeiro, no máximo consubstanciados por alguma arte proselitista. Neste caso, LOCKE & MONTESQUIEU, MADISON e TOCQUEVILLE não mereceriam integrar o rol dos cientistas políticos, justamente por diluírem o venerado poder:
A separação de poderes foi uma fórmula encontrada para passar do Estado Absolutista para o Estado Liberal. Ninguém poderia mais ter em suas mãos todo o poder do Estado. SCAFF, F. F., A Responsabilidade do Estado: 288
O memorável Senador descrevia o paupérrimo quadro contemporâneo. O target dos atuais exércitos políticos, mas também das chamadas Ciências Políticas, sóem de fato apresentar duas mais candentes razões:
1) Seus pioneiros e a maioria dos formuladores traçam parâmetros com vistas ao exercício de poder;
2) A Universidade tem como objeto formar profissionais.
Assim é que o ensinamento primordial se dedica listar algumas receitas já praticadas, seja de ascenção e manutenção do poder governamental, ou do Estado, para que a peça se encaixe, identifique-se no sistema que mais lhe parece adequado, e desse modo assegure uma cadeira no mercado de trabalho.
A humanidade em geral sente-se inclinada a pôr os pés sobre as pegadas e imitar as ações dos outros. Um homem inteligente deve sempre seguir no rastro desses ilustres personagens cujas ações são dignas de serem imitadas: assim, se não puder igualá-las, pelo menos, em certa medida, assemelhar-se-á a elas. MAQUIAVEL, N., O Príncipe
Eu pedi ao Papa que nos seus pronunciamentos ele fale da crise econômica, pois, se todo o domingo o papa der um conselhozinho, quem sabe a gente encontra mais facilidade para resolver o problema. SILVA, Luis da, Presidente do Brasil, Estadão, 13/11/2008
Na verdade, a política não mudou desde a sua invenção pelos gregos.
GALSTON, Willian, Brookings Institution, e ex-assessor da Casa Branca.
Pois urge alterá-la. "A estimativa é de que atualmente haja 35,6 milhões de pessoas vivendo com demência no mundo. Este número deve subir para 65,7 milhões até 2030 e 115,4 milhões até 2050." BBC-Brasil, 21/9/2010
O conhecimento dos fatos antigos, chamados históricos, afeta a interioridade e a exterioridade do homem que procura se conformar intimamente com mitos e heróis e que, externamente, se empenha em seguir seus modos de agir e dominar. Com esse comportamento, assimila o despotismo da história e assume a máscara de seus personagens centrais. MIORANZA, Ciro, in NIETZSCHE, F., Da utilidade e do inconveniente da história para a vida: 10
Eis como tal linha de montagem sói produzir apenas peões ao grande jogo dinástico, cujo rei via-de-regra é suicida.
Não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder. TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
Se insistirmos com esses restritos objetivos e técnicas de nossos tataravôs ao quadrado, colheremos, obviamente, semelhantes resultados:

Por todo lado haverá sangue. Haverá sangue nas ruas, sangue nos rios, as pessoas navegarão em ondas de sangue, lagos de sangue, rios de sangue. Dois milhões de demônios serão largados do céu, porque mais mal foi cometido nestes últimos dezoito anos do que durante os cinco mil que os precederam. MELETO, Frá Francesco de, em 1513, cit. GRUZINSKI, Serge: 45
O reduzido molde platônico-maquiavélico, evidente e felizmente, já não suporta a amplitude de nosso EspaçoTempo. "As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam." (FUKUYAMA, F., 2002: 205)
O matemático Patri Friedman, neto de Milton Friedman – um dos mais importantes economistas do século XX, Prêmio Nobel de 1976  – defende diretamente um recomeço da sociedade.
Não sou contra governo. Mas sou contra os modelos atuais de governo. Os governo são grandes, quando comparados às empresas. Não seria tanto problema, se os poderes locais tivessem mais autonomia. Mas todo o poder vai para a capital, em todos os países. 
Parece não ser conveniente à Ciência Política, ou seria por demais penoso, examinar o caráter epistemológico que pressupõe seu prefixo, diante da excepcional abrangência que a cátedra exige.
O edifício das ciências atingiu altura e dimensão tremendas, e com isso cresceu também a probabilidade de que o filósofo se canse já enquanto aprende, ou se deixe prender e 'especializar' em algum ponto: de modo que jamais alcança sua altura, a partir de onde seu olhar abrange tudo em torno e abaixo. NIETZSCHE, F., Além do bem e do mal: 95
"O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros." (FOUCAULT, M., Microfísica do poder :5) De fato, entre todas as especialidades acadêmicas, não encontraremos nenhuma com sequer a metade dos componentes teóricos que a Ciência Política requer. Mesmo circunscrita a investigar formas de Estado e de poder, ainda assim tal compreensão exige uma infinidade de pre-requisitos, conhecimentos basilares de Geografia, Economia, Direito, Sociologia, Filosofia, até Psicologia, Antropologia, História Geral, História das Ciências, Estatísticas, Relações Internacionais, mas antes de tudo, a epistemologia da Física, que a todas embasa:
Em nosso século, o estudo da constituição atômica da matéria revelou que a abrangência das idéias da física clássica apresentava uma limitação insuspeitada e lançou nova luz sobre as demandas de explicação científica incorporadas na filosofia tradicional. Portanto, a revisão dos fundamentos para aplicação inambígua de nossos conceitos elementares, necessária à compreensão dos fenômenos atômicos, tem um alcance que ultrapassa em muito o campo particular ciência física. BOHR, Niels, Física atômica e conhecimento humano: Introdução.
É pelo mosaico, pelo leque das ciências, que se apura o discernimento. Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico, físico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão "poliocular": "A ciência, por outras palavras, é um sistema de relações. Portanto, só nas relações se deve procurar a objectividade: seria inútil procurá-las nos seres considerados isoladamente uns dos outros." (POINCARÉ, Henry, cit. ABBAGNANO: 100)
* * *
Esta organização não pode ser abandonada à iniciativa dos governos: será alcançada quando os povos tiverem uma vontade firme e ativa, porque é renovação radical de todas as antiquadas tradições politicas. A compreensão e a vontade de resolver o problema estão-se generalizando. Acredito na influência de um individuo sobre outro e acredito no processo de seqüência e encadeamento entre os homens. EINSTEIN, A., Fala Einstein sobra o futuro da humanidade, Folha da Manhã, 4/3/1949
As academias parecem formar pessoal para atuação no pretérito mais-que-perfeito:
Do ponto de vista filosófico, vai ficar mais difícil para os americanos defenderem o livre mercado em um momento em que o seu próprio mercado entrou em colapso. Alguns já vêem o atual momento como crucial. 'O mundo hoje se parece mais com o do século 19 do que com o do final do século 20. REYNOLDS, Paul, BBC News; Folha de São Paulo, 1/10/2008
Quando receber o diploma, o incauto corre o risco de não encontrar mais o objeto pelo qual se debruçou com tanto afinco: é que a exaltação a essas concepções lavradas no tempo em que a vela era a rainha da noite tendem a desaparecer até da memória, tal qual se destinaram incontáveis geniais invenções.
O tema de todas as ciências históricas é o passado. Elas não podem ensinar algo que seja aplicável a todas as ações humanas, ou seja, aplicado também ao futuro. As ciências naturais também lidam com eventos passados. Toda experiência é uma experiência de algo que já passou; não há experiência de acontecimentos futuros. A informação proporcionada pela experiência histórica não pode ser usada como material para a construção de novas teorias ou para a previsão de acontecimentos futuros (...) Não há possibilidade de estabelecer a posteriori uma teoria de conduta humana e dos eventos sociais. Os postulados do positivismo e escolas metafísicas congêneres são, portanto, ilusórios. MISES, Ludwig von, Ação Humana - Um Tratado de Economia: 72
Sequer o constitucionalismo é capaz de limitar os poderes do governo; consequentemente, não é salvaguarda à liberdade individual. “A meu ver, seus objetivos permanecem válidos como sempre o foram, mas, já que os meios de que lançaram mão se mostraram inadequados, faz-se necessário inovar no campo institucional” .(F. VON HAYEK Direito, Legislação e Liberdade: x)
A civilização se pressupõe perene. É a ela, exclusivamente a ela, que cabe o estudo e a readequação da Ciência Política, não para exercer o domínio sobre as nações, tampouco encerrá-las, em estado que for. Tais tentativas já se mostraram vãs, e por certo não serão mais aceitas: "Essa nova civilização tem sua própria e distinta concepção de mundo, maneiras próprias de lidar com o tempo, o espaço, a lógica e a relação de causa e efeito." (ORMEROD,Paul, 1996: 194)   "O conhecimento e a capacidade tornaram-se a moeda global das economias do século 21, embora sem um banco central que imprima esta moeda. O que nos manterá caminhando para a frente será sempre nossa contribuição pessoal”.(THOMAS FRIEDMAN, THE NEW YORK TIMES)
A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins. FUKUYAMA, F., O fim da história e o último homem

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A saga da obssessão política

Se Stálin roubou um banco, não o fez para encher de dinheiro os próprios bolsos, mas para ajudar o seu Partido e movimento. O senhor não pode considerar isso um roubo de banco.
HITLER, A., Documentos da Polícia Alemã; cit. TOLAND, John, Adolf Hitler: 657.

Porque deslocando-nos sobre sua superfície numa direção qualquer, temos a impressão de que viajamos em linha reta. A realidade, como se sabe, é outra; e a prova é que se nos continuássemos a viajar na mesma direção, acabaríamos fazendo o circuito da Terra e regressando ao ponto de partida. EINSTEIN, A., cit. TRATTNER, Einstein por ele mesmo
A vida do grande cientista
: 43

A CIVILIZAÇÃO greco-romana vem iludida a buscar felicidade através do poder - sobre as coisas, a natureza, os animais, e, por fim, sobre o próprio homem, o semelhante. Eis o marco zero:
Mas, na verdade como surgiu a filosofia? Segundo nosso parecer, a filosofia nasce no VI séc com a crise da polis, com Sócrates . Surge com uma linguagem típica da polis.
RAIMUNDO GOMES MEIRELES (www.espacoacademico.com.br)

Por sua doutrina da similaridade entre Esparta e o estado perfeito, tornou-se Platão um dos propagandistas de maior sucesso do que eu gostaria de chamar ‘o Grande Mito de Esparta’, o perene e influente mito da supremacia da constituição e do modo de vida espartanos.
POPPER, KARL, 1998, T. I: 54
Os espartanos se notabilizaram por duas relevâncias: competição, e ausência de pensadores.
O objetivo é simples, delineado, e não requer controvérsias.
É essa configuração de coletivismo extremado que, desde o século V, é vista na Grécia como um modelo perfeito de Estado, com a coletividade assim rigidamente aparelhada e destinada à defesa do Estado.
CASTRO, P.P. www.fflch.usp.br
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país.
TOYNBEE, Arnold J.: 196.
Diante da escravidão, e da morte à granel, as Leis de Deus passaram a reger todos os servos.
Com o homem primitivo é acima de tudo o medo que invoca noções religiosas - medo de fome, bestas selvagens, doença, morte. Já que nesse estágio da existência a compreensão das conexões causais é geralmente pouco desenvolvida, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos análogos a ela mesma, de cujas vontades e ações dependem esses acontecimentos temerosos.
EINSTEIN, Albert, cit. PAIS, Abraham, Einstein viveu aqui: 139
Ele dispunha "a natureza aos nossos pés"; e os homens instituíram os reis à organização:
É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma,
sujeitos às ordens de outrem e
que possam dar leis aos súditos,
quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras.
KOSELLECK, Reinhart: 22
As leis haveriam de servir aos novos senhores, constituídos à Sua imagem e semelhança:
“Afirmando que a autoridade provinha de Deus, ele restabeleceu o que praticamente equivalia ao direito divino dos reis.” (CROMMWELL, cit. BURNS Edward McNall: 432.)
A Revolução Gloriosa coibiu o irresponsável jogo dinástico, livrou o povo do capricho real, e pelo menos naquele estádio as leis passaram a contemplar a torcida.
Locke e Shaftesbury consideravam o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
BRETT: 109-
Porque entendido o Universo como produto de ações de forças, a Revolução Francesa lavrou o confronto no seio do povo. Julgava-se que da dialética se apurasse a certeza. As leis passaram às mãos da maioria da população, mas a desvairada produzia descalabros contra si própria, e assim o poder foi transferido apenas à seus representantes, por tese mais esclarecidos.
A legislação é o ponto terminal do processo no qual a autoridade sempre prevalece, possivelmente contra a iniciativa e a liberdade individuais. Considerando que os resultados científicos e tecnológicos são sempre devidos a minorias relativamente pequenas ou a indivíduos isolados, com freqüência, se não sempre, em oposição as maiorias indiferentes ou ignorantes, a legislação, especialmente hoje em dia, reflete o desejo de uma maioria contingente, dentro de um comitê de legisladores que não são necessariamente mais instruídos ou mais esclarecidos do que os dissidentes. Onde prevalecem as autoridades e as maiorias, como na legislação, os indivíduos precisam se render, não importando se estão certos ou errados.
LEONI,
B. , A Liberdade e a Lei: 24
Os representantes da maioria se apropriaram de tudo, deixando todos a-ver-navios.
Não só nos países autocráticos, como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria, mas sim a vontade daqueles que detêm o poder.
TOLSTÓI, Leon, A escravidão de nosso tempo, 1900, cit. WOODCOCK, G.:106
Restou, de novo, a submissão.
Os positivistas do século passado chegavam, portanto, a negar a liberdade do homem, que eles consideravam como puramente ilusória, a fim de tornar possível a existência das ciências sociais.
DUVERGER, Maurice: 6
No final do século XIX, a principal influência sobre a teoria acadêmica social e econômica era das universidades. A idealização bismarckiana do Estado, com suas funções previdenciárias centralizadas foi devidamente reestudada pelos milhares de ocupantes de postos-chave do meio acadêmico que estudaram em universidades alemãs nas décadas de 1880 e 90.
SCHESINGER, Arthur M., The Crisis of the Old Order 1919-1933, p. 20; cit. em JOHNSON, Paul: 13
Com a Escola Histórica, a ciência política tornara-se uma doutrina de arte para estadistas e políticos. Nas universidades e em anuais, reivindicações econômicas eram apresentadas e proclamadas como 'científicas'. A 'ciência' condenava o capitalismo, tachando-o de imoral e injusto. Rejeitava como 'radicais' as soluções oferecidas pelo socialismo marxista e recomendava o socialismo estatal, ou, às vezes, até o sistema de propriedade privada com intervenção do governo. Economia não era mais questão de conhecimento e capacidade, mas de boas intenções.
MISES, Ludwig von,
Uma crítica ao intervencionismo: 41
A Revolução Bolchevique veio para recolocar o poder à vontade do povo:
“O universo é um movimento da matéria regido por leis, e nosso conhecimento, não sendo senão um produto superior ao da natureza, só pode refletir essas leis.” (LÊNIN, Materialisme et empiriocriticisme; cit. CHRÈTIEN: 131)
Devorando seus próprios agentes, a 'ciência do poder' constitui uma terrível unidade. O terror é aí regulamentado minuciosamente por um partido que detém as chaves 'científicas' do futuro. Aqui a história não passa de um imenso canteiro - Brejnev gostava muito deles - onde os cadáveres são desprezíveis em vista do grande desígnio da locomotiva burocrática. O terror se torna, então, o instrumento da sociedade e do Estado.
LEFORT, Claude, cit. DESCAMPS, C.: 75
Ao confronto ressurgiu o trem da direita, pronto a se chocar, de frente:
O medo atingira o povo e a liderança seria entregue àqueles que oferecessem uma saída fácil, a qualquer preço. A época estava madura para a da economia a serviço de um novo sonho americano...a solução fascista.
POLANYI: 275
"O conceito científico do tecido do universo tem de mudar. A recém-confirmada teoria de Einstein exigirá uma nova filosofia do universo, uma filosofia que vai varrer quase tudo o que se tem aceito até agora." ( "Fabric of the Universe"; The Times de Londres, editorial de 7/11/1919)
Como o poder é mera ficção, posto não controlarmos, sequer, nosso sono, as ideologias demoraram, mas se vieram abaixo.
As políticas mundiais de crescimento induzido pelo Estado tiveram exatamente o efeito oposto do que pretendiam: tinham aumentado, e não reduzido, o custo da produção de bens e serviços e tinham abaixado, e não aumentado, a capacidade das economias de conseguirem uma produção vendável.
SKIDELSKI: 140
O ser humano se resignou na impotência, e o Neoliberalismo foi implantado, mas claudica. A frustração decorre dos meios (a divisão dos poderes). O constitucionalismo não é capaz de limitar os poderes do governo; consequentemente, não é salvaguarda à liberdade individual.
“A meu ver, seus objetivos permanecem válidos como sempre o foram”, afirma Hayek (Direito, Legislação e Liberdade: xl), “mas, já que os meios de que lançaram mão se mostraram inadequados, faz-se necessário inovar no campo institucional” .
Com a compreensão de que as leis regentes do Universo não são produtos de forças antagônicas, mas complementares, e que a rigor nem são forças, mas relações, ora os grupos se aglutinam em impressionante convenção, cujo prato é uma estupenda pizza antropofágica, assada no velho forno à lenha:
Na verdade, a política não mudou desde a sua invenção pelos gregos.
GALSTON, Willian, Brookings Institution, e ex-assessor da Casa Branca.
Do ponto de vista filosófico, vai ficar mais difícil para os americanos defenderem o livre mercado em um momento em que o seu próprio mercado entrou em colapso. Alguns já vêem o atual momento como crucial. 'O mundo hoje se parece mais com o do século 19 do que com o do final do século 20.
REYNOLDS, Paul, BBC News; Folha de São Paulo, 1/10/2008
Resulta inédito o ascenso de aristocratas sindicais às altas esferas governamentais, como são os casos de Luiz Inácio, Evo Morales, Álvaro García Linera e pessoas à sua volta, assim como e ex-guerrilheiros arrependidos, entre tupamaros uruguaios que acompanham Tabaré Vasquez no Uruguai. Seus "ancestrais", como os do M-19 da Colômbia, jamais estiveram tão perto ou tão dentro dos governos quanto agora.
NORONHA, Dr. João Fábio. - www.espacoacademico.com.br

Em menos de dez anos a carga tributária deixou o patamar de 25% da renda nacional, no qual havia se mantido por mais de duas décadas, e se aproxima da marca de 36%.
PATU, Gustavo, A Escalada da Carga Tributária. - São Paulo: Publifolha, 2009

Para Michaël Zöller, sociólogo alemão da universidade de Bayreuth, o que se chama de Estado é certamente um sistema de interesses pessoais organizados, uma Nova Classe. Como todos nós, sua ambição é aumentar a remuneração e a autoridade. Como classe, ocupam-se, pois, a desenvolver seus poderes, suas intervenções e sua parte no mercado, isto é, a apropriação pelo setor público dos recursos nacionais, operada através do imposto sobre a sociedade civil.
SORMAN, G.: 74
Todo dia, contudo, raia o Sol; e com ele, a esperança:
A história das ciências emergirá então como a mais reversível de todas as histórias. Ao descobrir o verdadeiro, o homem de ciência barra a passagem de um irracional.
BACHELARD, Gaston, cit. QUILLET, Pierre, Introdução ao Pensamento de Bachelard: 45
É o mínimo que se pode esperar.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O atraso das ciências políticas


A filosofia mecânica forneceu uma resposta para o problema da ordem cósmica e, portanto, da ordem social, mas ao fazê-lo indicou a necessidade de poder e domínio sobre a natureza.
HENRY, JOHN: 101

Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós.
BERGIER, J. & PAWELS, L.,
O despertar dos mágicos: 31
De COPÉRNICO à Francesa transcorreu quase tres séculos. De EINSTEIN à Pereistroika não demorou um. Entretanto, se E=Mc2, já antes da bolchevique se sabia: o materialismo não possui, sequer, objeto.
Em nosso século, o estudo da constituição atômica da .atéria revelou que a abrangência das idéias da física clássica apresentava uma limitação insuspeitada e lançou nova luz sobre as demandas de explicação científica incorporadas na filosofia tradicional. Portanto, a revisão dos fundamentos para aplicação inambígua de nossos conceitos elementares, necessária à compreensão dos fenômenos atômicos, tem um alcance que ultrapassa em muito o campo particular ciência física. BOHR, Niels, Física atômica e conhecimento humano: Introdução
Dessarte o mundo poderia estar vivendo em Nova Era, tempo no qual as metafísicas já estivessem devidamente sepultadas, primeiro pela própria academia, de onde proveio; e em seguida, acompanhada pelas disposições sociais, como sempre aconteceu, e como a experiência direta já indicava:
A consciência humana está transpondo um limiar tão importante como o que transpôs da Idade Média para a Renascença. O homem está faminto e sedento após tanto trabalho fazendo o levantamento de espaços externos do mundo físico começa a ganhar coragem para perguntar por aquilo que necessita: interligações dinâmicas, sentido de valor individual, oportunidades compartilhadas, efeitos. Nosso relacionamento com os símbolos de autoridade do passado está se modificando, porque estamos despertando para nós mesmos como seres, cada qual dotado de governo interior. Propriedades, credenciais e status não são mais intimidativos. Novos símbolos estão surgindo: imagens de unidade. A liberdade canta não só dentro de nós, como em nosso mundo exterior. Sábios e videntes previram esta segunda revolução. O homem não quer se sentir estagnado, o que deseja é ser capaz de mudar. RICHARDS, M. C., The Crossing Point, 1973; cit. FERGUNSON, M.: 57
Talvez por nublada pelo proselitismo político-partidário, a juventude não se impôs como esperavam os prenúncios. O que apuramos é um crossover esquerda/direita, sem nenhum vínculo científico, sequer ideológico. A meta se restringe ao porão onde se aloja o cofre, reduto no qual o governante se faz mais poderoso do que os generais, mais infalível do que os divinos, e tão intocáveis quanto os grandes ditadores que tivemos de suportar:
Sponholz
Do ponto de vista filosófico, vai ficar mais difícil para os americanos defenderem o livre mercado em um momento em que o seu próprio mercado entrou em colapso. Alguns já vêem o atual momento como crucial. 'O mundo hoje se parece mais com o do século 19 do que com o do final do século 20. Não há dúvida de que o presidente Bush criou alguns de seus próprios problemas.' REYNOLDS, Paul, BBC News; Folha de São Paulo, 1/10/2008
 "A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. (PIPES:251) Esta subversão já discernira ninguém menos do que o próprio autor da Teoria dos Tres Poderes: "Não existe tirania mais cruel do que a exercida à sombra da lei e com uma aparência de justiça, quando, por assim dizer, os infelizes são afogados com a própria prancha em que tinham sido salvos." (MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis: 109) A minimização da mazela pode ser obtida em parte pelo método federativo.
A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios. RUSSELL, B.: 24
Daquelas mal-traçadas linhas francesas, porém, vamo-nos a caminho do terceiro século, de RUSSELL a quase um, e ainda não encontramos solução:
O equilíbrio institucional na França, desde 1789, é ave rara! O amor ao direito escrito que nos entrou no sangue com a transfusão romana e nossa propensão a regulamentar por decretos não durou dois anos. A mais perfeita foi a que durou só um dia, em 1793. Foi tão perfeita que se pensa, desde então em reeditá-la. Faça a conta dos regimes que assuntos humanos, nos levam a codificar com um gesto nossas paixões do momento. Compensamos nossa inconstância através de visões eternas logo gravadas no mármore. Nossas revoluções passam primeiro pelo tabelião. Conseqüência: quinze Constituições em cento e oitenta se sucederam na França depois da Convenção: Diretório, Consulado, Primeiro Império, Restauração, Cem Dias, Restauração, Monarquia de Julho, II República, Segundo Império, III República, Vichy, de Gaulle, IV República, V República, ufa! MITTERRAND, François: 90

O Senado brasileiro se assemelha ao Senado romano em várias épocas, notadamente na fase do Imperador Julio Cesar, envolto em maracutaias, conchavos, corrupções, dossiês, privilégios, atos que em Roma eram de bastidores, longe dos olhos do povo romano e aqui externado com troca de insultos, representações por indícios de prática de ilícitos administrativos e penais, ameaças e desrespeito total a nós cidadãos brasileiros QUEIROZ, Del. Protógenes blog
"Procuradores e juízes vêem retrocesso na reforma eleitoral. Para eles o projeto já apurado na Câmara impede investigação da corrupção." (O Globo, 24/8/2009)
* * *
A rigor não há ciência, mas técnica, ainda assim obliterada, de exercício governamental.  O que chamamos "democracia" consiste tão somente numa enquete de opinião pública, na qual se pede ao incauto que diga sim ou balance a cauda em resposta a um conjunto de alternativas pré-fabricadas, geralmente relacionadas a fatos consumados.
Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria o período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria um homem idoso, à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença de sua juventude, e a oscilação contínua.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 121.
A condição primaz exige que o eleitor perca seu ás:
Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais. SCHWARTZENBERG, R.-G.: 320
"Quanto mais facilmente os eleitores acreditarem nas forças mágicas do Estado, tanto mais estarão dispostos a votar a favor do candidato que promete maravilhas." (SOREL: 145)
"Mas quando o legislador é finalmente eleito – ah! Então o seu discurso muda radicalmente [...] o povo que durante a eleição era tão sábio, tão cheio de moral, tão perfeito, não tem mais nenhuma espécie de iniciativa." (BASTIAT: 59)
Em tempos atribulados, como os contemporâneos, muitas das lições clássicas se perderam. Os governantes encontram-se sem rumos. Parecem naus sem timoneiros.maginam-se, membros do Executivo e do Legislativo, reis absolutistas capazes de realizar as mais inconcebíveis ações, sem qualquer censura. Violam a lei. Ferem os costumes. Agridem o patrimônio público. Enriquecem sem causa.
LEMBO, Prof. Claudio, Lição dramática. - www.terra.com.br, 24/8/2009
Onde mais erramos? Cogito que a esterelidade profissional e a letargia social provenham da destruição dos mitos de outrora, sim; mas de outra parte, o grande lapso poderia já ter sido há muito ser preenchido, pela produção acadêmica. "Quem pariu Matheus que o embale". O pressuposto da maioria ser apreciada como expressão da verdade sói distanciá-la. Este preconceito provém das parelelas gregas: a força, e a matemática. Sob o ponto de vista científico, ambas foram destroçadas por EINSTEIN.
O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar. MIRANDA, Pontes de, cit. MOREIRA: 103
O mundo é regido por relações, não por jogo de forças. A matemática não vem ao caso. Relações necessitam concordâncias recíprocas. A matemática não tem nada a ver, mesmo na extraordinária proposição de NASH, a da combinação dos dados. Com essas metonímias a França, e de resto TODOS nos vemos constantemente envoltos em sucessivos golpes de Estado, sempre cobertos pela pretensa Vontade Geral preconizada por ROUSSEAU, não por MONTESQUIEU, e não poucas vezes fraudada até por mensalões.
Se estivéssemos doentes, e precisássemos de nos aconselhar com alguém, procuraríamos um médico. A última coisa que desejaríamos seria reunir uma multidão e pedir aos presentes que elegessem, através de voto, o remédio certo. WOLFF, Jonathan, Introdução à Filosofia Política. - Platão contra a democracia. Lisboa: Gradiva, 2004.
Tirante a proliferação das tumbas, nada há de novo no front ocidental. Mas a última a morrer permanece de pé: "É minha esperança que, graças à ciência e ao aperfeiçoamento das comunicações, possamos construir um mundo que apresente menos iniquidades, menos violência implícita, e, ao mesmo tempo, preservar os benefícios das civilização. (PRIGOGINE, Ilya, A ciência numa era de transição._

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A apatia da Ciência Política



O alfa e o ômega da teoria política é a questão do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo e como dele se defender. BOBBIO, N., Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos: 252
Para tão nobres ideais, a força se faz  via mais rápida e mais eficaz.
As grandes questões atuais não serão resolvidas por discursos ou por decisões majoritárias - esse foi o erro de 1848 e 1849 - mas por sangue e ferro!  BISMARCK, Otto von, discurso em 1862, cit. MCNALL, Edward, LERNER, Robert E. e STANDISH, Meacham: 573.
A tanto, de que servem Teorias?
NAS ÉPOCAS de pouca informação, parca experiência e muito terror era fácil embrulhar todo mundo:
A política do governo prussiano de reprimir ao invés de cooptar o movimento operário levou ao surgimento de um poderoso partido social-democrata revolucionário, que se tornou um modelo para os trabalhadores de toda a Europa. O PSD alemão foi imitado pelos franceses, belgas e italianos. Os movimentos trabalhistas holandês, escandinavo, suíço e americano seguiram os passos do movimento alemão. Oradores eram convidados de honra nos sindicatos que aconteciam em toda a Europa Ocidental e Estados Unidos. Os movimentos operários russo e eslavo também se inspiraram no alemão, e a segunda Internacional Comunista estava sob a liderança reconhecida do partido alemão. Suas filiações ultrapassavam 1 milhão em 1912; nos sindicatos, dois e meio milhões. SCHWARTZ, J., O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna: 130
O "convencimento", caso não logrado pelo "senso comum", pela cultura previamente disseminada, vinha pela coerção e repressão, na guarida do racionalismo da imposição:
“A palavra 'poder', pelo tratamento que lhe dá a ciência política, virou eufemismo para dissimular o fato da 'dominação'.” (COELHO, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 133)
Nem sequer um doutrinário da democracia como Rousseau, com a concepção organicista da volonté générale, princípio tão aplaudido por Hegel, pode forrar-se a essa increpação uma vez que o poder popular assim concebido acabou gerando o despotismo de multidões, o autoritarismo do poder, a ditadura dos ordenamentos políticos.
BONAVIDES, P. : 56
* * *
A FÍSICA
enfrentou duas ou tres mais contundentes revoluções; e a política sofreu os impactos correspondentes. Ambas se estabeleceram naquelas distantes terras de Academus..
Por falta de instrumentação, a primeira foi praticamente olvidada, mas aquelas fórmulas pretensamente políticas lograram sensibilizar primeiramente os romanos, através de seus dois impérios- o mais explícito, e o sutil religioso.
Depois de muito tempo chegou a notícia fatídica: a Terra não era centro do Universo; por consequência, os reis divinos igualmente deveriam ser deslocados.
Coube aos bretões promoverem o ponta-pé inicial. Os players diluíram o poder, mas a França preferiu enfeixá-lo ainda mais: excluiu o abstrato dogma celestial, em troca da ordem exata numeral. FOUCAULT, (Resumo dos Cursos do Collège de France: 83) dimensiona o câmbio:
Passa-se de uma arte de governar, cujos princípios foram tomados de empréstimo às virtudes tradicionais (sabedoria, justiça, liberalidade, respeito às leis divinas e aos costumes humanos) ou às habilidades comuns (prudência, decisões refletidas, cuidados para se acercar de melhores conselheiros), a uma arte de governar cuja racionalidade tem seus princípios e seu domínio de aplicação específico no Estado.
"Através da vontade geral, o povo-rei coincide, miticamente, de agora em diante, com o poder; essa crença é a matriz do totalitarismo." (COCHIN, Auguste, cit. FURET: 1989: 191)
O carma ocidental penetrava ainda mais profundamente:
Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos; combinam centralização e soberania popular. Isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam.
BENJAMIM CONSTANT, (1767-1830),
cit. BOBBIO, 1993: 59.
Nesta época se supunha que o Universo fosse regido por forças antagônicas. As distensões dariam o equilíbrio que todos usufruíamos, e assim esses parâmetros foram deslocados para as humanas. Informa-nos o jornalista GILES LAPOUGE:
Na França, desde 1789, ou se era vermelho ou branco, padre ou leigo,burguês ou socialista, reacionário ou progressista. E entre os dois grupos inimigos, as pessoas se estripavam, cortavam-se em pedacinhos, insultavam-se, desprezavam-se.


Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.
BASTIAT, Frèderic, A Lei: 63
MARX elevou o embate às últimas consequências, e com isso haveria a reação correspondente.O mundo se dividiu pelas tacanhas metafísicas, e o que se viu foi o maior festival de barbárie.

Que esperança
Durante longo tempo o ideal do conhecimento científico foi aquele que Laplace havia formulado com sua idéia de universo totalmente determinista e mecanicista. Segundo ele, uma inteligência excepcional dotada de uma capacidade sensorial, intelectual e computacional suficiente poderia determinar qualquer momento do passado e qualquer momento do futuro. É essa visão pueril e talvez louca do mundo que está prestes a desmoronar, mas ela ainda reina, e efetivamente excluiu todo o problema da reflexividade.
MORIN, Edgar 2000:
: 32
Quase:
Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum.
KRAEMER, Eri, La grand mutation; cit. Goytisolo: 69


Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela sua relação com aquele filósofo.
JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Trad: Arthur M. Parreira. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003: 581
"Weber podia concordar com os transcedentalistas que a política é pura 'astúcia', o Estado, um 'embuste', e a democracia, o 'teatro dos demagogos'." (DIGGINS: 115)
O carma parece corrimão de escada rolante - um passado que insiste acompanhar a gente.
* * *
A disciplina de faculdades e universidades em geral é artificial, não para o benefício dos alunos, mas para o interesse, ou mais propriamente falando, para a facilidade dos mestres.
SMITH, Adam, The Wealth Of Nations
, Book V, Chapter I, Part III, Article II, p.
A Riqueza das Nações, Livro V, Capítulo I, Parte III, artigo II, p.
764, para. 764, par.15. 15.
Alguém que se dedique a rastrear os liames políticos não pode permanecer circunscrito às segmentações acadêmicas, às disciplinas profissionalizantes. Nas palavras de EDGAR MORIN, a tarefa requer "um contrabando do saber", fruto da peregrinação pelos distintos segmentos e especialidades. É-lhe útil uma lente “panorâmica", ao invés de microscópica. É pelo mosaico, pelo leque das ciências, que podemos mais corretamente divisar. Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão "poliocular". Assim orientava HENRY POINCARÉ (cit. ABBAGNANO: 100), no último canto do XIX, de certo modo se antecipando a EINSTEIN por frações de segundo:
"A ciência, por outras palavras, é um sistema de relações. Portanto, só nas relações se deve procurar a objectividade: seria inútil procurá-las nos seres considerados isoladamente uns dos outros."
Relações não são confrontos, bem entendido. O cosmos, e tudo mais, se integram em relações.
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Da apatia

No contexto da sociedade brasileira, de onde apenas recentemente emergiram as ciências sociais, e em que o uso da Ciência Política tem sido extremamente limitado, é pertinente colocar-se, como passo inicial de estudo, a clássica interrogação: é possível o conhecimento científico do fenômeno? E, como desdobramento: se possível, seria viável a prática de tal conhecimento? A questão, ainda que levantada dentro de uma academia, não tem nada de acadêmica, no sentido tradicional do termo. Pelo contrário, implica assunto da maior relevância, particularmente se levamos em conta a perplexidade que, nas várias camadas dos povos latino-americano, tem gerado a aparente falta de perspectiva do momento presente, do ponto de vista político.

TAVARES, J. N., A viabilidade da ciência política.- www.achegas.net/numero/nove/jose_tavares_09.htm
Pelo visto, ainda necessitamos da força, pelo menos daquela preconizada por NIETZSCHE (Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 45):
"Para poder viver, o homem deve possuir a força de romper um passado e de aniquilá-lo e é necessário que empregue essa força de tempos em tempos."