Os reis ditavam as leis. Elas variavam conforme o tempo, lugar, a quem se endereçavam, e precisamente de acordo com a vontade do soberano. Não tinham o menor compromisso com a justiça, tampouco com moral, relações internacionais, ou sociais. Houve alguma sapiência, esporádicas benemerências, mas muito infortúnio. Como o ser humano não pode ser atrelado à vontade de outro, é trivial concluir que desse modo ele se punha servente, súdito, jamais cidadão**. Por causa do disparate de milhões estarem submetidos apenas aos desejos de um é que em 1689 a Inglaterra instituiu a democracia. Sua base era impessoal: todos devem se sujeitar às leis, inclusive e especialmente o governante. Desde então a grande ilha jamais permitiu o advento de ditaduras, ou personalismos, malgrado a conservação da realeza, muito mais simbólica, institucional, do que pragmática. Cabe-lhe, também, obediência.
Como nada mais havia a fazer, nada mais foi feito. A constituição britânica cruza os séculos incólume, elevando aquele pequeno e isolado reduto de um canto europeu à vanguardeiro da civilização, até o presente, pode-se dizer.
Sua filha, modernizada, não precisou da tradição, mas de ainda maior repartição de poder. São cincoenta estados que conservam o molde original, ainda que maculado por algumas emendas, essas feitas no interesse do plantonista:
Eles transpuseram para suas instituições a idéia de checks and balances e conservaram em seus códigos a firmeza da common law. De modo que sua revolução pode parecer sob muitos aspectos uma seqüência (ou um coroamento) da Revolução Inglesa; uma democratização das instituições inglesas com fidelidade a seu espírito.
FURET, 2001: 74
Não é o caso, entretanto, da maioria esmagadora das nações. Malgrado nas democracias todos eleitos jurarem observar a constituição, o primeiro ato a desconstitui, sempre, e naturalmente, em proveito pessoal do "soberano":
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor.
PIPES, R.:251
A América Latina é pródiga em estabelecer tantas constituições quantos forem os governantes. Em nossa famigerada
Cidadã, na verdade vilã, costurada pelos
estelionatários do Plano Cruzado, ainda assim havia uma salvaguarda democrática de valor primordial: o medo do socialismo trouxe veto à reeleição. O
mensalão, todavia, fez-se mais forte, e a constituição foi facilmente envergada à reeleição. Wanderley Gulherme dos Santos
(Não ao fracasso, in Veja 25 anos - Reflexoes para o futuro) estabelece sua ansiedade:
Hoje o país vive dificuldades de outra sorte. Com um presidente constitucionalmente legítimo e politicamente trõpego, o acelerado crescimento do hiato entre ricos e pobres (sem mencionar miseráveis e desempregados) e a exacerbação do corporativismo como forma privilegiada de associar participação e distribuição. Naturalmente espera-se que o Brasil e a América Latina consigam associar progresso e liberdade, recuperando, sem traumas, parte do atraso civilizatório em que se encontram. Mas é de toda conveniência examinar prognósticos que, pelo contrário, antecipam para a região uma permanente subalternidade, numa civilização de segunda classe.
O êxito do exemplo brasileiro tem servido,
e espalhado o
caudilhismo alhures.
Nem nos tempos imperiais a A.L. foi
tão dominada, colocada sob o garrote de
tantos oportunistas. Nunca o povo esteve
tão apático, inerte, sem rumo.
.
Nada vive que seja digno
De teus ímpetos e a terra não merece suspiro.
Dor e aborrecimento, esse é nosso ser e o mundo é lama
- nada mais que isso.
Fique tranquilo
Giacomo Leopardi, (1798-1837)
O próprio Simon Bolívar
(Carta a um cavalheiro que tinha grande interesse na causa repúblicana na América do Sul (1815),
cit. Mendoza, Montaner & Llosa, p. 36) discernira e profetizara:
Enquanto nossos compatriotas não possuírem os talentos e as virtudes políticas que distinguem nossos irmãos do Norte, os sistemas inteiramente populares, longe de nos serem favoráveis, receio que virão a ser nossa ruína. Infelizmente essas qualidades parecem estar muito distantes de nós, na intensidade que se deseja; e, pelo contrário, estamos dominados pelos vícios que foram contraídos sob a direção de uma nação como a espanhola, que só sobreviveu em atrocidade, ambição, vingança e avidez.
Na faina de reeleições, as constituições vem sendo modificadas em cascata, legitimando a impostura, a tirania, a ditadura.
Virgílio indicou os sinais pelos quais se pode avaliar, de antemão,
se o boi é bom de charrua e a vaca para reprodução.
ERASMO DE ROTERDÃ (1466-1535)
Em vez do poder do sabre fascista, o que gira é a máquina de imprimir dinheiro.
We can change. I hope.
___________
*HOBBES, Thomas, LEVIATÃ, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Trad. de João Paulo Monteiro. São Paulo: Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1974.
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** "Poder despótico é aquele possuído por um homem, facultando-lhe o direito sobre a vida de outro sempre que lhe aprouver [no caso atual, sobre o patrimônio] e o exercício de poder além dos seus direitos em benefício próprio. Por ser injusto e ilegal, não é amoral opor-se a ele." LOCKE, John, Segundo tratado sobre o governo civil. - São Paulo:, Coleção Os Pensadores, Abril cultural, 1973.
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