quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O rebanho e a alcatéia

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Os graves prenúncios da derrocada liberal eram confirmados justamente no país que tentava a sorte do laissez-faire. Ao ampliar a liberdade, a família do Czar foi trucidada! Desse modo, ficou claro e patente: o povo precisava ser contido, nem que fosse por conta da baioneta. O homem era um animal sem limites, "lobo do próprio homem"! O rebanho era de antropófagos. Somente um garboso lobo maior, um príncipe de Gramsci seria capaz de acabar com a farra da espécie. Em que pese flagrante estupidez, o fascismo vigorou soberano em quarto de século, por todo o globo, emprenhando muitas donzelas, antes dele próprio, o lobão, ser pendurado de cabeça para baixo, ironicamente feito ovelha carneada à gaúcha, mas em viga milanesa.
O fim do Duce, mas não do fascismo 0
Lobos tem na astúcia, não na força, o maior trunfo à subsistência, de modo que um regime de alcatéia se fazia mais convincente, consistente e oportuno; eficaz, e por tudo, popular. As nações mais desenvolvidas da face da terra foram unânimes no acalanto.
Por vinte anos os garçons dos palácios só serviram espeto-corrido de carne de ovelha.(Ia falar que a pizza veio mais recentemente, mas por certo, na calada da noite, ela já abundava nos salões.)
Para descer no planeta das ovelhinhas, o lobo preferiu vestal de pastor. A unha brilhosa indicava no papel a abundância do pasto-verde, de modo que era singelo demonstrá-la, ainda mais perante as já exauridas lanudas. Exceto a cor do alimento, elas nada mais distinguiam:
"O homem bom também quer ser verdadeiro e crê na verdade de todas as coisas. Não só da sociedade, mas também do mundo... De fato, por que razão o mundo deveria enganá-lo?" (NIETZSCHE, F., O livro do filósofo: 55)
Às céticas e titubeantes foram endereçados enormes cartazes, dando conta do Declínio do Ocidente. Para vetar outra opção, apressou-se o apocalipse, a sêca total, o fim-do-mundo, a presença do mais terrível belzebú:

Estamos hoje no meio da maior catástrofe econômica – a maior catástrofe devida quase inteiramente a causas econômmicas – do mundo moderno. Sustenta-se em Moscou a idéia de que é a crise final, culminante no capitalismo e que nossa ordem existente da sociedade não sobreviverá a ela.
(KEYNES, J.M., cit. STRATHERN: 224)
Era preferível ficar presa, espremida dentro de um vagão, no qual sequer sabia para onde iria, do que ficar à mercê de tão devastadora tsunami.
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Um membro honorário da alcatéia, travestido de Coruja de Minerva, compora as metonímias à reunião. Na dialética do maestro Hegel realizar-se-ia a verdadeira justiça, não aquela do animal, darwinista, a lei do mais forte. Mais forte que ele era a sua lei. Embora no meio houvesse carneiros recalcitrantes, capazes de perceber a sordidez das leis de trabalho,
as ovelhinhas se encantaram com as pantomimas do chefe-da-estação. Doentes, mancas, e já tosqueadas iriam no primeiro carro, como testemunhas da ética. No engalanado vagão-restaurante corria solto o Positivismo Lógico: a festa da ilusão. O conto de Augusto Comte assegurara a certeza do desígneo, e o cabimento dos festejos.
Tantas trombetas acabaram arrastando aqueles maridos. Aquiesceram, e até colaboraram. Um punhado de grama já atraia os futuros pelêgos, assim chamados porque depois de carneados sua lã servia para amortecer o solavanco do cavalo; no caso, eles convenciam o rebanho que o lobo era bonzinho. Jamais haveria um ministério jurisdicional tão consciente. Chega de direito do homem! Vivemos no ápice da Revolução Industrial. Da massa. Da manada. Os direitos tem que ser sociais. Para a tropa inteira. À granel. É a soma. A felicidade ao maior número; de preferência, às custas do menor. Questão matemática; por isso, "científica".
As ovelhinhas embarcaram e, como anunciava a propaganda dos lobos batedores, o trem partiu no horário.
A viagem era longa, com destino ao além. Para chegar no ápice a loco motiva passaria pelos campos talados de minas e canhões, e por tudo isso a publicidade não mencionou que no cair da tarde o verde iria escurecer.
Dentro dos vagões havia farta distribuição de "alimento", mas um individual não era ouvido. A fumaça era densa, e o barulho, intenso. O fascismo e a "social" democracia garantiam sobrepujar o detalhe: em coro elas poderiam ser atendidas. Enquanto o trem descia célere rumo às pirambeiras, um berro sindical era forte para sensibilizar à providência dos papéis. Muitas recalcitrantes morreram antes do tempo, por não conseguirem adeptas. A alcatéia, isenta de culpa, pode saborear os funestos banquetes de modo antecipado.
* * *
Max Planck afirmava que para que uma nova verdade científica fosse aceita, o melhor seria esperar que morressem os seus opositores e punha desta forma em causa a própria racionalidade da ciência. Nem assim. O quântico não cogitou do espólio. O Hubble já demonstrou a várias gerações que o Universo de fato se expande, mas aos nossos olhos e sentimentos tudo permanece igual, repetitivo, de modo que tudo continua como dantes, no quartel dos dantes:

Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de
filosofias e de uma
psicologia que pertencem ao século XIX.
Somos os nossos próprios bisavós.

(BERGIER, Jacques e PAWELS, Louis,
O despertar dos mágicos: 31
)
Todo dia nasce o Sol. Sempre vem (quase) com a mesma cor, (quase) no mesmo horário, (quase) com a mesma temperatura e (quase) não muda o percurso. Ao dia de hoje, A microimaginação da macroeconomia nos oferece o mesmo bronzeador ontem usado.
O senador Aloizio Mercadante (PT) diz que a teoria de auto-regulação naufragou. O que precisamos é um entendimento correto sobre os limites do liberalismo", afirmou Mendonça de Barros. Para o ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Luiz Gonzaga Belluzzo, os problemas no crédito demonstram que mercados mal regulados podem apresentar o tipo de comportamento que culmina numa crise financeira.
Estadão, 2/10/2008
Do ponto de vista filosófico, vai ficar mais difícil para os americanos defenderem o livre mercado em um momento em que o seu próprio mercado entrou em colapso. Alguns já vêem o atual momento como crucial. 'O mundo hoje se parece mais com o do século 19 do que com o do final do século 20. Não há dúvida de que o presidente Bush criou alguns de seus próprios problemas.'
REYNOLDS, Paul, BBC News; Folha de São Paulo, 1/10/2008
A crise americana é mais grave do que parecia há seis meses, disse o presidente Luiz da Silva, em entrevista, em Nova York. O presidente também afirmou que o crédito pode ser reduzido no mundo inteiro. 'Já há sinais de pouco crédito no mundo porque não há segurança e ninguém quer liberar seus dólares'.
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A intervenção sem precedentes do Federal Reserve pode ser justificável ou não em termos estreitos, mas revela, mais uma vez, o caráter profundamente antidemocrático das instituições capitalistas, feitas em grande medida para socializar o custo e o risco e privatizar os lucros, sem uma voz pública.
CHOMSKI, Noah,
do Massachusetts Institute of Technology, à BBC)
Em que pese as voltas do mundo induzirem à estatização, no sentido de tudo ser estático, convém lembrar que os reis divinos estão no céu; o fascismo foi dilacerado; o marxismo jaz embaixo do muro; e os terroristas habitam na memória. Falta acabar com suas estórias. Alvin Toffler (Previsões e premissas: 96) e Francis Fukuyama (O fim da história e o último homem.) há muito deram por finda, ainda que tardia, mas a alcatéia insiste, jactando-se diante do enterro da concorrência soviética. A julgar pela retumbância do eco, o despenhadeiro se aproxima. Se o trem não parar, o primeiro que vai é o maquinista, óbvio:
E o mesmo pode ser dito da maioria dos ‘direitistas’. Na verdade, quase todas as pessoas, não importando seus credos políticos, vêem o futuro como uma simples linha, reta, um prolongamento do presente. Acho que a eles está reservada uma grande surpresa. Chegamos ao fim de uma era - e nesse ponto todas as apostas são suspensas.
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A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.
As instituições mecanicistas baseadas nas estruturas de comando e controle da era industrial dominaram durante quatro séculos o funcionamento das sociedades, determinando a vida econômica, social, cultural, política e demais áreas do conhecimento. Neste início de terceiro milênio, observamos um movimento crescente da diversidade e complexidade das sociedades em todo o mundo e parece estar brotando um consenso de que a atual estrutura hierarquizada de poder das organizações está bem próxima de atingir seu nível de saturação, onde não mais conseguirão cumprir seus objetivos e permanecerão crescendo, consumindo recursos, devastando o meio ambiente e limitando cada vez mais o ser humano.
RIOS, Antônio Salles, http://eracaordica.blogspot.com
Ainda que não faltem críticas, especialmente ao nipônico, Japiassú (Um desafio à Filosofia: pensar-se nos dias de hoje: 10) compreende a Nova Era, com facilidade:

Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade.
Não é caso de conceder Espaço ao Acaso ? Que tal uma China um pouco mais modernizada para varrer o entulho autoritário do imenso circo greco-romano? Antes que virem sabão, não convém avisar a alcatéia para desocupar o salão, quero dizer, o picadeiro?
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À distração:
Debate na TV's ALL
021 prevê colapso da democracia
As novas Olimpíadas da China
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4 comentários:

  1. Oiee tudo bem aii??
    Como anda as coisas??

    Saudade de ti =)
    Beijossss

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  2. Seu texto é muito bom e completo.
    Vim conhecer seu blog por meio do anúncio que fez no blogstar.

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  3. Catarino,
    Grato pelo prestígio, e tão gentil manifestação.

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