domingo, 13 de setembro de 2009

O despertar da imprensa


Torna-se communis opinio que quem detém o poder e deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de ‘simular’, isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe, e de ‘dissimular’, isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe. BOBBIO, Norberto: 372


O chefe deve mostrar constantemente o caminho ao povo, que não conhece sua verdadeira vontade; deve fazê-lo ver as coisas como elas são – ou como devem lhe parecer. ROUSSEAU, J. -J., Contrato Social, cit. KOSELLECK, R: 142
Não poucos órgãos de imprensa preferem servir os constituídos. Compreende-se: razões sociais não contém cláusula ideológica, muito menos partidária. Empresas sobrevivem de lucros. Os periódicos faturam em cima da publicidade paga. Por pragmáticos, o imediatismo lhes é confortável. Mercê do incomparável poder financeiro dos órgãos públicos, e das gigantescas empresas públicas, ou semipúblicas, o poder público contribui com fortunas, endereçadas especialmente àqueles de maior tradição, audiência, ou tiragem. Dentre esses, ainda escolhem, naturalmente, os mais amigos, e excluem os entendidos adversários. A não-cooptação pode representar uma frustração de ganho irrecuperável.
Por isso a importância de jornais como o New York Times, que serve ao establishment americano, assim como o Pravda servia ao governo da União Soviética. Ele oferece aquilo em que os donos do país, e das grandes corporações, desejam que acreditemos. ROSSETI, Econ. J.P.: 69
Assim como as empresas subvertem a democracia ao corromperem os candidatos com os subornos antecipados através das vultosas contribuições de campanha, com muitas publicações é o inverso: são os políticos que colocam jornalistas na gaveta, para que se calem, minimizem como lugar-comum, ou dissimulem os atos pouco recomendáveis que sóem praticar. Tal prática tem seus dias contados:
Pierre Haski, editor chefe do site Rue.89.com, criado por jornalistas oriundos da grande mídia francesa, afirmou nesta quarta-feira no maior fórum de jornalismo da América Latina, realizado no Itaú Cultural, em São Paulo, que o jornalismo passa por uma crise moral. Citou uma pesquisa francesa, de um mês atrás, em que 62% não confiam em seus jornalistas em seu país. Terra, 29/10/2009
Não cogitam incautos jornalistas que todos estamos no mesmo transatlântico, de maneira que um furo em qualquer ponto do casco pode levar a sucumbência geral, inclusive do timoneiro, tradicionalmente o último, mas neste caso na pole-position, e de resto todo o staff.
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No tempo de HITLER e GETÚLIO VARGAS, poucos microfones e algumas folhas eram fortes para conduzir o rebanho. A tarefa de GOEBBELS nem precisava de genialidade.
O homem bom também quer ser verdadeiro e crê na verdade de todas as coisas. Não só da sociedade, mas também do mundo... De fato, por que razão o mundo deveria enganá-lo? NIETZSCHE, F., O livro do filósofo: 55
Quando a Prússia e os outros estados germânicos ingressaram no século XIX, encontraram a onda de nacionalismo e as demandas por participação popular estimuladas pela Revolução Francesa. ALMOND, G. e POWELL JR., G.: 197
Nossa distância, contudo, é bicentenária, em tempo, espaço, cenário, conhecimento, atores e motivos. É completamente inverossímel, por totalmente improvável, que o Executivo nacional, mergulhado até o pescoço no mar-de-lama que produz, logre sequer dois dígitos de aprovação. No entanto, volta-e-meia, como se fosse o que todos esperassem, e assim quisessem, índices de aprovação popular vem apresentados beirando os tres - quase cem por cento - mormente desde que se descobriu a monumental falcatrua do mensalão! (http://oglobo.globo.com/pais/escandalos)
Portanto, ninguém deve se tranquilizar pensando que os bárbaros ainda estão longe de nós, porque, se há povos que deixam arrancarem-lhes das mãos a luz, outros há que a apagam, eles próprios, sob seus pés. TOCQUEVILLE, 2000: 54
Os governos ainda sofrem da ilusão de controle social através das grandes cadeias informativas. Quando encontram alguma barreira, não titubeiam reaplicar as doutas estratégias nazi-fascistas, fatos lamentáveis já ocorridos não só no country do truculento bulldog venezuelano, mas também aqui mais por perto, com a clone de Evita:
Para o escritor peruano Mario Vargas Llosa a presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner é um desastre total, e a Argentina está conhecendo a pior forma de peronismo: populismo e anarquia. Corriere della Sera, 20/3/2009
No Equador, a ameaça de incorporação estatal das emissoras. Na Bolívia, a expansão das mídias controladas pelo governo tomando o lugar de redes privadas. Os senhores do poder parecem desejar os meios de comunicação como meros instrumentos de propaganda, veículos difusores da versão oficial.  A invasão por fiscais da Receita à sede do diário argentino 'Clarín' dentro de um conjunto de medidas que visam desestabilizar a oposição ao governo Kirchner, é apenas mais um capítulo deplorável desse movimento. Outros se espalham pelo continente. Na Venezuela, o cancelamento de concessões de tevê. Carlos José Marques, diretor editorial da Revista IstoÉ, 19/9/2009
A nosotros, macaquitos brasileros, cabe a censura ao glorioso Estadão de São Paulo.
Acho lamentável. Lembro de uma frase do (filósofo italiano) Norberto Bobbio, que diz que a regra da democracia é a publicidade e não o segredo; a luz, não a escuridão. Me parece que (as sentenças proibindo jornais de abordar certos assuntos) são decisões muito complicadas, que comprometem muito o regime democrático. Isso me assusta muito. ABREU, Alzira Alves, Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, Censura e crise podem levar a autoritarismo, Estadão, 9/8/2009
Chapas-brancas não são molestadas; e no ensejo ainda forram o poncho. Aparentemente não há erro: como temos que tolerar qualquer eleito, tanto faz atacá-lo, ou dissimular, mas a dissimulação traz a grande vantagem financeira, e isto decide. Eis a razão de tantas páginas dedicadas à crimes comuns, esportes, acidentes e estéreis tergiversações. A subida de um avião naturalmente não chama atenção, mas quando um cai vende toda edição. O curioso é que a rigor nenhum desses constantes fatos tem a ver com nossas vidas particulares, mas somos inclinados a nos irmanar com as vítimas e perfilarmo-nos junto aos campeões. Eis, enfim, o alarde social emulado pela maciça divulgação de gripes, ou de crises econômicas superestimadas:
A profundidade e gravidade da crise tornaram indispensável a intervenção
do Estado em larga escala, como no caso dos Estados Unidos, no Reino Unido
e em vários outros países desenvolvidos. Guido Mantega, Ministro da Fazenda do Brasil; Estadão, 11/10/2008

Alguns ficaram metidos na crise até o pescoço, outros até cintura e o Brasil, até o tornozelo. Idem, Estadão, 13/9/2009
Há um ano, a economia americana viu sua base sofrer uma implosão com a crise dos empréstimos imobiliários de alto risco. A falência do banco Lehman Brothers em 15 de setembro ampliou os temores de uma crise global e foi o estopim para as nacionalizações de emergência no setor financeiro. Na época, o Lehman Brothers era o 4º maior banco de investimento dos Estados Unidos, acumulava perdas de US$ 7,8 bilhões e possuía uma carteira de ativos com cerca de US$ 54 bilhões em investimentos atrelados ao mercado imobiliário com risco potencial de difícil avaliação (os subprimes (Terra, 14/9/2009)
Pois este "monumental" acúmulo de perdas não chega nem na metade do que o rico Brasil ora dispende para adquirir um submarino, e tres dúzias de caças franceses!
O procurador-geral de Nova York, Andrew Cuomo, acusou executivos do Merrill Lynch de 'irresponsabilidade corporativa' por pagarem, em segredo, bonificações no valor de US$ 3,6 bilhões enquanto o banco se beneficiava de ajuda estatal. Em Washington, a Câmara recebeu dirigentes dos bancos Bank of America, Bank of New York Mellon, Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Morgan Stanley, State Street e Wells Fargo para dar satisfações sobre o dinheiro público gasto pelas instituições. Os banqueiros não foram poupados de críticas pelos congressistas e manifestaram arrependimento pelo uso que fizeram da cifra bilionária do plano de resgate. UOL, 11/2/2009
Esta verba desviada, então, não chega sequer a quarta parte da cifra subtraída pelos gerenciadores das contas dos bancos Nacional, Bamerindus, Banespa, Banerj, Banestado, Econômico, Noroeste e até do Banco do Brasil, façanha acobertada pelo plano PROER. Pobre EUA, e o mundo, afundados nesta miséria.
Como dinheiro auferido a qualquer preço conduz a fatídico endereço, na beira do precipício percebo o arrependimento de muitos. O preço que acabam pagando pela parcimônia com a impostura costuma colocar em risco sua própria sobrevivência, e isto está ficando cada vez mais claro.
O momento mais dramático do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ocorreu no dia 13 de janeiro de 1999... O então presidente do Banco Central, o economista Francisco Lopes, vendia informações privilegiadas sobre juros e câmbio – e uma parte de sua remuneração saía da conta número 000 018, agência 021, do Bank of New York. A conta pertencia a uma empresa do Banco Pactual, a Pactual Overseas Bank and Trust Limited, com sede no paraíso fiscal das Bahamas. Veja, 23/5/2001
Desde então estamos impedidos de tomar recurso nos bancos, mercê do mais alto juro cobrado no mundo. Isso frustra, inclusive, os anúncios comerciais que os órgãos de comunicação objetivam angariar.
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O mundo suportou a era da força concentrada; depois, da agricultura; em seguida, da industrialização, e do capitalismo; dizem que ingressamos na Era do Conhecimento. Urge informar o Planalto:
A repórter Daniela Castro foi hoje fazer uma reportagem sobre falta de luz nas escolas rurais. O exemplo encontrado foi a escola pública São José, em Cocalzinho (GO), onde os estudantes não contam com estrutura básica. A Dani, no entanto, acabou descobrindo outra carência: falta água na escola, os alunos não podem usar nem os banheiros. Alguém acha admissível que a 100 quilômetros da capital federal crianças passem por este tipo de situação? Não estamos falando aqui de computadores, ou estrutura de laboratórios, mas de água e luz. ZH, 14/9/2009
Depois de MUNTHADAR AL-ZEIDE, o audacioso jornalista da televisão iraquiana que jogou um sapato no ex-presidente dos EUA, e ainda cumpre pena, tenho apreciado muitos jornalistas jornalistas nacionais e até internacionais criando mais coragem, a reclamarem com veemência da arrogância, imprudência e irresponsabilidade da política em geral, e em especial da brasileira, agora subrogada no direito de jogar quase quarenta bilhões de reais (um terço de todo o dinheiro que circula na Nação), em prol da aquisição das tres dúzias de brinquedinhos de guerra, e ainda por cima, importados. Pois exatamente hoje o mais completo bizarro resplandece: o Ministério do Exército anuncia por todos os jornais reduzir o horário de seus exercícios por falta de comida, e dinheiro para pagar contas de luz, água, e tudo o mais!
A pergunta que o governo Lula deve se fazer é se os investimentos não são muito altos e se é o caso de investir tanto dinheiro no próprio status político e militar. Há muitos outros setores da sociedade e da economia nos quais, com os mesmos recursos, provavelmente se obteria bem mais postos de trabalho e possivelmente até maior transferência de tecnologia. Tecnologia militar é sempre mais cara do que a tecnologia civil. NASSAUER, Otfrie, diretor do Centro de Informação Berlinense para Segurança Transatlântica (BITS) . - Especialistas alemães veem com ceticismo cooperação militar Brasil-França www.deutsche-welle.de, 06.09.2009
'Não encontrei nem um grande negócio de armamentos sem corrupção'. A partir de tal constatação, para nós, brasileiros, os negociantes de armas são como as grandes empreiteiras. Aí está uma razão definitiva, além de muitas outras, para que as atuais compras de armamentos pesados pelo Brasil -ou, mais precisamente, por Lula e Nelson Jobim em nome do Brasil- não lembrem os negócios para realização de obras públicas. (FREITAS, j., cit. NOBLAT, 13/9/2009)
"Mesmo com a compra de submarinos e caças modernos, como o governo pretende, o país continuará longe de se opor a uma potência inimiga porque a diferença é muito grande". O Globo, 13/9/2009) Tais compras podem ser insignificantes à defesa nacional, mas são por demais gratificantes aos negociadores. Já era tempo da imprensa acordar. Que toquem mais forte suas poderosas trombetas!

Um comentário:

  1. A meu ver, grande parte do mundo estásempre com o "olho" na América do Sul. O Brasil quer-se armar, para no caso de necessidade, combater alguma nação regional--- É assim o mundo actual. Vivemos num "mundo virtual"-, isso quer dizer que os conflitos regionais é que são, hoje em dia, o Leviathã. É medonha a traficância de armas e drogas que se passam na América do Sul;, visto por este prisma, quem é o governo Brasileiro? Grandes interessses económicos e paranóia desenfreada é o que são estes senhores...

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