terça-feira, 6 de maio de 2008

O Direito Natural e a Relatividade


Por isso não é de estranhar que muitos universitários ainda imaginem Einstein como uma espécie surrealista de matemático, e não como descobridor de certas leis cósmicas de imensa importância na silenciosa luta do homem pela compreensão da realidade física. Eles ignoram que a Relatividade, acima de sua importância científica, representa um sistema filosófico fundamental, que aumenta e ilumina as reflexões dos grandes epistemologistas - Locke, Berkeley e Hume. Em conseqüência, bem pouca idéia têm do vasto universo, tão misteriosamente ordenado, em que vivem. BARNETT, Lincoln: 12
O respeito ao cidadão, à peculiaridades geográficas e culturais, entre outras variáveis, foram observados e realçados por John Locke e Spinoza, e desenvolvidos por Montesquieu, Quesnay, Tocqueville, T. Paine, Adam Smith, Jefferson e descendentes. Embora desconhecida, os artífices liberais aplicaram os princípios elementares da Teoria da Relatividade nos seus planos de organização sócio-político-econômica justamente pela observância do Direito Natural, assim se antecipando à prova de Einstein. Depois da devastação européia surgiu o frenesi à solução:
A obra de Alexis de Tocqueville somente começou a ser valorizada na França, neste século, a partir dos anos 50. Em segundo lugar, os anos 60, período no qual os sociólogos, filósofos e etnólogos focalizam a Segunda Democracia, aprofundando a concepção tocquevilliana acerca da cultura democrática. Em terceiro lugar, os anos 70, período no qual François Furet e o grupo de seus colaboradores (entre os quais se situa Françoise Mélonio) reunidos no Centre de Recherches Politiques Raymond Aron (entidade ligada à École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris) deram ao trabalho de Tocqueville O Antigo Regime e a Revolução (editado pela primeira vez em 1856) um lugar de destaque na interpretação da história da França. (Furet François, Pensar a Revolução Francesa. Lisboa, Edições 70, 1988, cit. Rodríguez, Ricardo Vélez, p. 108).
O ecológico Spinoza (cit. Granger, Gilles-Gaston, A Razão, p. 80) foi pioneiro em destacar a importância da ligação do homem com o sistema da natureza, num tempo em que se pensava, a partir das escrituras e principalmente de Bacon, ser dever dominá-la: “Foi necessário um esforço revolucionário dele (Spinoza) para se exprimir abertamente um projeto de tratar o homem como 'uma parte da natureza', submetida às suas leis.”
Thomas Paine (1737-1809 - Os direitos do homem, p. 57) concordaria:
Os direitos naturais são o fundamento de todos os seus direitos civis. Direitos naturais são aqueles que pertencem ao homem pelo fato de existir. Desta espécie são todos os direitos intelectuais, os direitos da mente e também todos os direitos de agir como indivíduo para seu próprio conforto e felicidade, que não são prejudiciais aos direitos naturais dos outros. Direitos civis são aqueles que pertencem ao homem pelo fato de ser membro de uma sociedade e todo direito civil tem como fundamento algum direito natural preexistente no indivíduo. Todas as grandes leis da sociedade são leis da natureza. As leis dos negócios e do comércio, seja com respeito as relações entre indivíduos ou nações, são leis de interesses mútuos e recíprocos. Elas são seguidas e obedecidas porque é do interesse das partes agir assim e não devido a qualquer lei formal que seu governo possa impor ou interpor. Quantas vezes, porém, a tendência natural para a sociedade é perturbada ou destruída pela ação do governo!
Ao falarmos sobre a natureza, e da ação nefasta de governos divorciados da sociedade, lembramos dos índios. A reportagem foi de Levi-Strauss. Entre aborígines que habitavam o Brasil Central “a noção de comando é de tal forma estranha que não tem sequer vocábulo para designá-la”. (Tristes Tropiques 1957; cit. Burdeau, Georges, L'Etat, p. 21.)
Popper (cit. Descamps, Christian, p. 37) também publicou algumas notícias da selva. Ela era mais civilizada do que a cidadela de Maquiavel, a do berço estatolatra:
Pierre Clastres viveu longamente em meio a sociedades indígenas onde ninguém obedece nem comanda. Sua experiência o leva a recusar a idéia, essencialista, de que teria existido, em toda a parte e sempre, dominadores e dominados. Claro, nas sociedades selvagens que descreve, encontramos 'chefes'; porém, quase desprovidos de poder. Seu papel se resume a uma persuasão que de modo algum se apoia sobre a autoridade transcendente. Impelidos a generosidade, os chefes e suas mulheres devem produzir para dar aos outros. E se esquecem esta obrigação veemente, são roubados a fim de rememorá-la. É, portanto, o aparecimento do Estado, esta invenção que nada tornava inevitável, que vai desarrumar fundamentalmente estas sociedades e depois a história do mundo.
Luz às cidades
Newton é um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo... há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema. (Shaftesbury, carta a Thomas Poole, cit. Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 109)
De 1675 a 1679, a dupla se alojou na França, no fito de participar dos círculos intelectuais de Montpellier e Paris. Eis os postais:
Locke e Shaftesbury consideravam o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza. BRETT, R. L.: 109,
O escrito de Descartes se difundiu amplamente no continente, em particular na França e nos Países Baixos, mas não teve o mesmo sucesso na Inglaterra. A filosofia experimental tal como ali se desenvolveu impedia uma aceitação fácil de qualquer sistema dedutivo, e o sistema de Descartes foi considerado tão gerador de dissensões, quanto o sistema extremamente materialista de Thomas Hobbes.
Henry: 71
Foi igualmente pela recusa do dualismo cartesiano, e pela defesa da observação e da análise contra o espírito sistemático, que Locke se impôs como 'mestre da sabedoria' aos filósofos franceses do século XVIII. CHÂTELET: 228.
"A ideologia política do liberalismo originou-se de um sistema de idéias fundamentais que foram, inicialmente, desenvolvidas como teoria científica, sem qualquer significação política." (Mises, 1987: 158). As prerrogativas de “comando”, “autoridade”, “tradição”, “revelação”, “verdade absoluta” foram banidas.  “A razão iluminista”, coerente com o espírito libertário e diversa da ciência imperante, não se criou escrava dos dados empíricos eventualmente apurados. Sua verdade não foi apenas produto da “evidência”. A pauta, mais profunda, foi a valorização do trabalho pessoal, trabalho do intelecto, da criação individual como instrumento da mudança, algo do agrado e reconhecimento de ninguém menos do que o próprio Albert Einstein (cit. Pais, Abraham: 47): "Esta escola deixou-me uma impressão indelével, por seu espírito liberal e a consideração espontânea dos professores, que de maneira alguma se baseava na autoridade externa."
Ferguson (p. 210) foi enfática: "O poder de descentralização deriva do fluxo de novas idéias, imagens e energia para todas as partes do organismo político. Concentrações de poder são tão antinaturais e fatais como um coágulo de sangue ou um fio elétrico desencapado." Então, tudo a ver:
Se os seres humanos houvessem de inspirar-se nos exemplos da Natureza, fazendo deles normas de conduta, a anarquia, a independência, o individualismo e o princípio do menor esforço passariam a ser os ideais humanos. GARBEDIAN, H. Gordon, A vida de Einstein: o criador do Universo:161


O primeiro passo daqueles precursores relativistas divergia do então corriqueiro pensamento de organização social. O que isto significava? Primeiro, como na Teoria da Relatividade, a demolição dos dogmas. Penas e excomungações passaram, no mínimo, questionadas. Foi na crítica ao modelo determinista que se produziu o sistema democrático britânico. Locke efetuou um verdadeiro corte epistemológico na ciência política conhecida e praticada a partir de Maquiavel e de Thomas Hobbes, embora não pudesse ter passado por sua cabeça esse método de desenvolvimento científico que Gaston Bachelard operaria a partir de Einstein. Com efeito, Locke e Montesquieu dividiram os poderes, de modo a que o poder, repartido, não pertença a ninguém. Porque o poder não deve ser enfeixado quando se pretende a democracia? Porque ele não pode estar afeto a uma individualidade - um todo anônimo, representado por um? As dezenas de respostas são óbvias, mas Kelsen (A Democracia: 181) abrilhanta:
Quanto mais forte a vontade de poder, menor o apreço à liberdade. A negação total do valor da liberdade, a maximinização do domínio - eis ai a idéia de autocracia e o princípio do absolutismo político, que se caracterizam pelo fato de todo o poder do Estado estar concentrado em um único indivíduo, o governante.
Assim dizia Popper, ao repercutir Locke  (A Sociedade Democrática e Seus Inimigos. - Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1959.p. 159)
De fato, o funcionamento da democracia depende, em grande medida, da compreensão do fato de que um governo que intente abusar de seu poder para estabelecer-se sob a forma de uma tirania se coloca à margem da lei, de modo que os cidadãos não só teriam o direito, como também a obrigação de considerar delituosos esses atos do governo e delinqüentes seus autores.

Um comentário:

  1. Gostaria de citar seu texto.
    Porém, não consegui identificar o nome do autor;
    Pode passar-me?

    Obrigado.

    WAM

    ResponderExcluir